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Democratas acusam Trump de “incitar a insurreição” nos EUA e apresentam pedido de impeachment

Oposição pretende votar a abertura do processo até meados da semana se o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, não aceitar destituir o mandatário pela 25ª Emenda. Será a primeira vez na história que um mesmo presidente é duas vezes processado

Um manifestante do lado de fora do Capitólio, que permanece cercado, pede o impeachment de Trump nesta segunda-feira.
Um manifestante do lado de fora do Capitólio, que permanece cercado, pede o impeachment de Trump nesta segunda-feira.ERIN SCOTT (Reuters)
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'Como o fim da Guerra Fria contribuiu para a polarização dos EUA', por Oliver Stuenkel

Os democratas deram o primeiro passo nesta segunda-feira para iniciar o quarto processo de impeachment da história dos Estados Unidos, o segundo contra Donald Trump, com a apresentação do documento de acusação na Câmara dos Representantes. A resolução atribui ao presidente o crime de “incitamento à insurreição” por seu papel no violento assalto ao Congresso realizado em 6 de janeiro por uma multidão de seus seguidores para impedir a confirmação de Joe Biden como vencedor das eleições. A revolta, que custou a vida de cinco pessoas, mergulhou o país em uma crise sem precedentes na história recente, a apenas dez dias da troca de Governo.

A era Trump termina encharcada de sangue, com o país ainda abalado com as imagens vistas há poucos dias e um novo julgamento político para a destituição do presidente prestes a começar. A presidenta da Câmara dos Representantes, a veterana democrata Nancy Pelosi, anunciou o procedimento que deverão seguir em uma carta solene e dura enviada a seus colegas de partido na noite de domingo. “Para proteger a nossa Constituição e a nossa democracia, agiremos com urgência, pois este presidente representa um risco iminente para ambas”, adiantou.

Embora Trump vá deixar o cargo em 20 de janeiro, dia da posse de Biden, Pelosi explica na carta que o atual presidente é um perigo ainda ativo e, portanto, não pode permanecer na Casa Branca durante esses dias: “O horror do atual assalto à nossa democracia por parte deste presidente se intensificou e, portanto, também a necessidade de ação”. Antes de votar a resolução com o chamado artigo do impeachment ―isto é, o delito pelo qual é acusado, o incitamento à insurreição―, os democratas concedem ao vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e à equipe do Governo um prazo de 24 horas para destituir Trump por incapacidade invocando a 25ª Emenda à Constituição.

Este chamado foi feito em resolução paralela também apresentada nesta segunda-feira. Como os republicanos se opuseram e não pôde ser aprovado por consenso, será votado na terça-feira. Pence não respondeu de forma pública ou oficial, mas não se espera que proceda à destituição do presidente. Portanto, a previsão é que se esgotem essas 24 horas de prazo, e a Câmara dos Representantes vote a resolução para ativar o procedimento em meados desta semana.

O impeachment é um mecanismo extraordinário contemplado no Artigo II, seção 4 da Constituição dos Estados Unidos para poder julgar e remover um presidente em caso de traição, suborno ou crimes e faltas graves. Só foi posto em ação três vezes. A primeira, contra o presidente democrata Andrew Johnson (1868); a segunda, ao também democrata Bill Clinton em 1998 e a terceira, ao próprio Trump, há apenas um ano, como resultado do escândalo da Ucrânia. A fase preliminar do procedimento, ou seja, a investigação na Câmara dos Representantes, começou contra o republicano Richard Nixon pelo caso Watergate, mas o presidente republicano renunciou pressionado pelo próprio partido, por isso ele não chegou a ser julgado no Capitólio.

É uma tentativa de golpe contra a vontade democrática dos norte-americanos o que, desta vez, coloca um presidente diante do procedimento mais grave contemplado pela Constituição. Trump passou semanas tentando reverter sua derrota eleitoral em 3 de novembro, lançando um arsenal de teorias conspiratórias sobre supostas irregularidades em massa que os tribunais também rejeitaram em massa. Mesmo assim, continuou a dizer que as eleições foram “roubadas” pelos democratas, acusação que repetiu mesmo em meio à violência da fatídica tarde de 6 de janeiro. A maioria de seus eleitores também pensa assim, de acordo com todas as pesquisas até agora.

A resolução de impeachment detalha essas acusações infundadas, além da pressão de Trump sobre as autoridades estaduais da Geórgia para “encontrar” o número exato de votos de que precisava para reverter a vitória de Biden nesse Estado. Também evoca o incendiário discurso que o republicano proferiu ao lado da Casa Branca poucas horas antes de o Congresso se reunir em sessão conjunta para certificar a vitória nas urnas do candidato democrata, o que habitualmente é mera formalidade. Naquela manhã, Trump encorajou milhares de apoiadores de todo o país a “lutar como o demônio” e seguir até o Capitólio para protestar.

À medida que as investigações avançam, fica cada vez mais claro que os agressores poderiam ter causado danos ainda maiores, pois possuíam armas, artefatos explosivos caseiros e até amarras para possível tomada de reféns. As forças de segurança abriram pelo menos 25 ações por terrorismo doméstico e o Pentágono está analisando novas ameaças terroristas para a véspera e o dia da posse de Biden na presidência. O atual processo de impeachment tem um caminho relativamente sem obstáculos na Câmara dos Representantes, pois conta com maioria democrata ―222 dos 435 membros― e o partido espera conquistar o apoio de algum deputado republicano para a causa. A resolução apresentada nesta segunda-feira com a acusação conta com a assinatura de pelo menos 210 parlamentares democratas.

No entanto, as coisas se complicam no Senado, que acolhe a segunda fase desse processo, o julgamento político em si mesmo. Na Câmara Alta, republicanos e democratas estarão empatados numericamente (50-50) e, embora a futura vice-presidenta, Kamala Harris, vote e decida em caso de empate, um veredicto requer o apoio de dois terços dos senadores. Apenas dois republicanos até agora, Lisa Murkowski, do Alasca, e Pat Toomey, da Pensilvânia, disseram que o presidente republicano precisa deixar o poder imediatamente.

Dado que Trump não planeja renunciar, nem sua equipe de Governo mostra disposição para destituí-lo, os democratas não veem outra saída senão o impeachment para garantir que as ações do republicano não fiquem impunes.

O processo tem impacto direto na Administração de Biden, que começa no dia 20 de janeiro e pode ter sua agenda política prejudicada por um procedimento como o impeachment, que domina a atividade do Capitólio por semanas ou meses. Afeta também o chamado à reconciliação e unidade que o presidente eleito adotou como plataforma, já que a maior parte dos eleitores republicanos (quase metade do país) não considera que Trump deva ser julgado pela tragédia de 6 de janeiro, de acordo com as pesquisas de fim de semana.

Nessa linha, o deputado democrata James E. Clyburn, terceiro do partido com mais responsabilidade na instituição, avançou neste final de semana que poderiam aprovar o impeachment na Câmara dos Representantes, mas adiar o envio da matéria ao Senado durante semanas a fim de abrir espaço para a nova Administração democrata. “Vamos dar ao presidente eleito Biden os 100 dias de que ele precisa para colocar sua agenda em movimento”, disse Clyburn. Esta tem como ponto central a promessa de “curar feridas”. A deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de linha progressista, destacou neste domingo, em um resumo do que os democratas avaliam nos últimos dias, que “o processo de cura requer prestação de contas, do contrário, isto acontecerá de novo”.

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