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Revoltas instigadas por Trump semeiam caos em Washington

Milhares de simpatizantes do presidente Trump cercam o Capitólio e impedem confirmação da vitória do democrata

Seguidor de Trump sentado no escritório de Nancy Pelosi depois da invasão do Capitólio nesta quarta-feira. Em vídeo, vários momentos dos protestos no Capitólio.Foto: EFE | EPV
Amanda Mars
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LAS VEGAS, NEVADA - OCTOBER 23, 2020: Organized by Mi Familia Vota, Latino women rally to celebrate the political influence of Latinas in US politics and to get out the vote in Nevada in Las Vegas, Nevada on Friday, October 23, 2020. (Photo by Melina Mara/The Washington Post via Getty Images)
Identidade, voto e futuro: o coração político latino depois de Trump
Signs calling for more relief, a second Paycheck Protection Program, and support from elected officials are setup as part of a campaign by Goldman Sachs supporting small businesses near the US Capitol in Washington, DC on January 5, 2021. (Photo by Andrew CABALLERO-REYNOLDS / AFP)
Trump pressiona seu vice a rejeitar os votos eleitorais democratas e não proclamar Biden vencedor
Trump supporters try to break through a police barrier, Wednesday, Jan. 6, 2021, at the Capitol in Washington. As Congress prepares to affirm President-elect Joe Biden's victory, thousands of people have gathered to show their support for President Donald Trump and his claims of election fraud. (AP Photo/Julio Cortez)
Caos se apodera de Washington na sessão para confirmar vitória de Joe Biden

O caos tomou conta de Washington nesta quarta-feira quando o Congresso se dispunha a confirmar o democrata Joe Biden como próximo presidente, uma formalidade que normalmente ocorre sem maiores problemas e que neste 6 de janeiro de 2021 ficará escrita nos livros de história. Milhares de seguidores de Donald Trump, atiçados por suas acusações infundadas de fraude eleitoral, cercaram o Capitólio e ultrapassaram de forma violenta os cordões policiais, provocando confrontos dentro do edifício. A sessão foi suspensa, a cidade decretou toque de recolher, a Guarda Nacional foi mobilizada e o mundo viu uma imagem incomum dos Estados Unidos, o país que se orgulha de ser a primeira democracia do mundo.

O vice-presidente Mike Pence foi evacuado e os legisladores se colocaram a salvo enquanto a polícia usava gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes dentro do prédio, tentando evitar medidas mais duras que desencadeassem uma escalada de violência. Uma mulher morreu depois de um disparo, segundo a polícia. Na televisão foi possível ver imagens de agentes de segurança com armas em punho protegendo as portas das salas do plenário e de cidadãos quebrando as janelas para entrar. Os comentaristas repetiam frases como: “Isto é os Estados Unidos da América” e “Isto é o Congresso dos Estados Unidos”, desconcertados diante da deriva de seu país.

Por volta das 16h30 (18h30 em Brasília), com a situação fora de controle havia horas, Trump publicou uma declaração gravada pedindo que seus seguidores abandonassem o local, mas jogou mais gasolina no fogo insistindo que lhes tinham “roubado” a eleição. “Vão para casa, amamos vocês, são muito especiais, mas têm de ir para casa”, disse. O presidente eleito, Joe Biden, denunciou que o ocorrido foi “uma insurreição, não um protesto” e instou Trump a pedir o fim do assédio. Às 17h ainda não havia dados conclusivos sobre os detidos ou feridos. Entre os grupos de manifestantes, a participação do grupo de extrema direita Proud Boys era esperada há dias.

A capital norte-americana era uma panela de pressão desde o início da manhã. O Senado e a Câmara dos Representantes realizavam a sessão conjunta prevista pela Constituição para contar os votos eleitorais enviados por cada Estado e certificar a vitória de Biden, enquanto Trump continuava pressionando os membros do seu partido e agitando seus seguidores com o fantasma da eleição fraudulenta que, como concluíram a Justiça e as autoridades, não o é.

Os manifestantes se reuniram em frente à Casa Branca, onde aguardavam para ouvir as palavras do presidente em exercício, ainda encastelado em suas teorias conspiratórias sobre as urnas. “Nunca nos renderemos, nunca reconheceremos [a vitória de Biden]”, enfatizou Trump diante da multidão pouco depois das 11 da manhã. Depois de sua fala, os trumpistas percorreram a longa Avenida Constituição e o National Mall em direção ao Capitólio. Uma vez lá, saltaram as faíscas.

Dentro, o Partido Republicano exibia sua fratura diante da figura de Trump e seu último grande desafio contra o sistema. Um grupo de senadores e congressistas tinha preparado uma bateria de objeções aos votos dos Estados, embora sem o apoio da maior parte dos conservadores. O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, fez um discurso duro desacreditando a ofensiva de Trump depois de quatro anos de convivência pragmática com o homem que conquistou a Casa Branca em 2016. “Os eleitores, os tribunais e o Estados falaram. Se os revertermos, prejudicaremos nossa República para sempre”, disse. “Se anularmos essas eleições por meras acusações do grupo perdedor, nossa democracia entrará em uma espiral mortal”, acrescentou. Do outro lado dessas paredes, a tensão tinha começado a aumentar e os manifestantes tinham provocado as primeiras altercações.

É impossível calcular agora as consequências que um dia como esta quarta-feira deixará no sistema e na confiança dos cidadãos. Às 15h30, depois de uma hora de tumulto, o presidente ainda não havia pedido aos seus acólitos que deixassem o Congresso e tinha se limitado a escrever em sua conta no Twitter: “Por favor, apoiem a polícia e a polícia do Capitólio. Eles estão verdadeiramente do lado do nosso país. Mantenham-se em paz!”. Pouco depois, acrescentou uma mensagem no mesmo sentido: “Peço a todos os que estão no Capitólio que permaneçam em paz. Sem violência! Lembrem-se: NÓS somos o partido da lei e da ordem”.

As críticas vinham de seu próprio partido. Em declarações por telefone à CNN, Mike Gallagher, o congressista republicano do Wisconsin, apelou ao magnata nova-iorquino: “Senhor presidente, acabe com isto, precisamos que acabe com isto”.

Joe Biden derrotou Donald Trump nas eleições presidenciais de 3 de novembro por 306 votos eleitorais contra 232 do republicano. Para vencer são necessários 270 votos. Os 50 Estados certificaram esses votos em 14 de dezembro e, depois de mais de meia centena de ações judiciais, nenhum juiz encontrou vestígios das irregularidades de que fala o presidente. A maior parte do establishment republicano ―com McConnell à frente― decidiu então reconhecer Biden como presidente eleito e deixar a cruzada de Trump para trás, mas Mike Pence ficou ao lado de Trump e manteve a pressão até o último momento.

“Os Estados querem corrigir os votos que sabem que estão baseados em fraudes e irregularidades”, afirmou falsamente Trump nesta manhã em sua conta no Twitter. “Tudo o que Mike Pence precisa fazer é mandá-los de volta para os Estados e nós ganhamos.” O vice-presidente, encarregado de presidir a sessão, divulgou um comunicado pela manhã, pouco antes do início da sessão no Congresso, ressaltando que cumpriria seu dever constitucional, uma obviedade que, na era Trump, se tornou uma declaração de peso, pois deixou seu presidente abandonado.

O partido de Abraham Lincoln enfrenta uma boa temporada no divã. A jornada teve lugar depois das eleições para o Senado na Geórgia, que devolveram aos democratas o controle do Senado, o que em princípio abre o caminho para a nova Administração de Biden, que governará as duas Câmaras com maioria de seu partido. Tudo, no entanto, foi ofuscado pelos episódios acontecidos no Capitólio. Nada parece fácil de governar nos Estados Unidos, independentemente da aritmética parlamentar. Nas pesquisas, mais da metade dos eleitores de Trump afirma que Biden ganhou a eleição de forma ilegítima.

“Não houve transparência, não foram verificadas as irregularidades, os votos supostamente dados por pessoas que na verdade morreram. Se Trump realmente perdeu, eu aceito, mas não sabemos”, reclamava no início da manhã John Kayne, de 29 anos, que havia dirigido durante 14 horas desde Iowa para participar da manifestação.

Quando lhe foi dito que nenhum tribunal dos Estados Unidos encontrou provas de uma fraude capaz de alterar o resultado eleitoral depois de mais de meia centena de ações judiciais; que as autoridades locais ―muitas delas republicanas― também aceitaram o desenvolvimento da eleição; ou que o Departamento de Justiça tampouco constatou irregularidades, respondeu que “ninguém quis se envolver nisso, por alguma razão, política ou de segurança”. “Nós somos os únicos que continuamos aqui”, disse.

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