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Coronavírus coloca os Estados Unidos contra as cordas outra vez

País atravessa o pior momento da pandemia, em plena transição de poder e enquanto se esperam os efeitos da Ação de Graças e a chegada do inverno e das festas de fim de ano

Paciente com covid-19 dá entrada num hospital de Nova York.
Paciente com covid-19 dá entrada num hospital de Nova York.CARLO ALLEGRI (Reuters)
Pablo Guimón

Em plena transição de poder, às portas da chegada do inverno, os Estados Unidos atravessam o pior momento de uma pandemia que, nove meses depois de começar a golpear o país, não dá qualquer sinal de remissão. Na quarta-feira passada foram registradas 2.804 mortes por covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, 52 a mais que em 15 de abril, o recorde anterior. Também na quarta-feira se alcançaram 100.000 hospitalizações provocadas pelo coronavírus, mais que o dobro do que ocorria no começo de novembro e quase o dobro do pico anterior da epidemia, no final do primeiro semestre. Uma tendência que faz antever semanas muito duras.

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O cenário de uma avalanche de pacientes que superasse a capacidade dos hospitais era justamente o que os especialistas mais temiam. “Trata-se de um cenário muito grave, mas é concebível que aconteça”, disse em meados de março o médico Anthony Fauci, especialista da equipe da Casa Branca para a reposta à crise sanitária. Esse cenário nunca chegou a ocorrer em escala nacional, mas é dele que o país se aproxima nesta semana. Desde 1º de novembro, o número de pacientes internados com covid-19 nos hospitais duplicou; desde 1º de outubro, triplicou. “Com o repique de casos de covid, projetamos que a Pensilvânia ficará sem leitos de UTI em meados de dezembro”, dizia Tom Wolf, governador do Estado, no Twitter.

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Há profundas diferenças em relação aos picos da pandemia no primeiro semestre, as quais tornam a situação atual mais preocupante. Em abril, os contágios e mortes se concentravam no nordeste do país, particularmente em Nova York e nos Estados da Nova Inglaterra. Hoje, a devastação da pandemia se distribui por toda a vasta geografia do país. Nesta sexta-feira, pela primeira vez, cada um dos sete Estados mais povoados (Califórnia, Nova York, Texas, Flórida, Illinois, Ohio e Pensilvânia) notificaram mais de 10.000 novos casos cada um. O número de novos contágios detectados nesse dia em todo o país alcançou 227.885, marcando um novo recorde.

O pico de abril pôde ser contido graças às rigorosas medidas de restrição de movimentos impostas nos Estados mais atingidos. Agora, os especialistas temem que nos próximos dias comecem a ser notados os efeitos dos deslocamentos e reuniões familiares do feriadão de Ação de Graças, na semana passada. E se aproximam as celebrações do Natal e Ano Novo, com mais reuniões familiares e viagens.

A detecção de novos casos derruba recordes, superando o milhão de contágios semanais. Graças à melhora nos tratamentos, a percentagem de infecções que termina em falecimento do paciente caiu de 6,7% em abril para 1,9% em setembro, segundo os Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC). E mesmo assim, as mortes continuam subindo e já superaram as 279.000 em todo o país.

Ocorre, porém, que o número de hospitalizações cresce, mas a um ritmo menor que o número de novos casos. Ou seja, o percentual de contagiados que acabam sendo internados está diminuindo. Para isso há duas possíveis explicações. Uma, que o aumento no número de exames levaria ao diagnóstico de casos mais leves. Outra, mais preocupante, é que a tendência decrescente ocorra porque os hospitais estariam evitando internar pacientes, temendo uma saturação. “Pacientes que teriam sido hospitalizados no mês passado hoje estão sendo mandados para casa”, dizia o infectologista Michael Osterholm, membro da equipe de assessoria do presidente-eleito Joe Biden, ao The New York Times.

“A realidade é que dezembro, janeiro e fevereiro serão tempos duros”, disse nesta semana Robert Redfield, diretor dos Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC). “Acredito, de fato, que será o momento mais difícil na história da saúde pública desta nação.”

As autoridades dos Estados pedem à população que redobre a precaução e voltam a tomar medidas incômodas. O governador da Califórnia, Gavin Newsom, anunciou na quinta-feira que ordenará o fechamento de negócios e serviços não essenciais durante três semanas em áreas onde houver uma especial pressão sobre os hospitais. Na baía de San Francisco, as autoridades locais ordenaram o confinamento domiciliar. “Sabemos que, se esperarmos, só estaríamos adiando o inevitável”, afirmou a prefeita de San Francisco, London Breed.

Na outra costa, em Nova York, o governador Andrew Cuomo alertou que poderiam ser repetir as rigorosas medidas adotadas no primeiro semestre, caso o repique desemboque numa “crise de hospitalizações”. Algumas das localidades do Estado que foram epicentro da pandemia na primavera norte-americana e que depois conseguiram dobrar a curva de contágios, como a cidade de New Rochelle, assistem novamente a um recrudescimento dos contágios.

A ameaça de novos fechamentos redobra a pressão sobre o Capitólio de Washington, onde continua bloqueada a aprovação de um novo pacote de ajuda à economia, vital para amortecer o efeito da crise quando as medidas do resgate anterior já estão expirando. Nesta semana, a urgência produziu certo otimismo quanto à possibilidade de um acordo bipartidário para aprovar novas ajudas a desempregados, empresas, escolas e postos de saúde.

Os CDC pediram na sexta-feira aos cidadãos que evitem viagens natalinas e, pela primeira vez, recomendaram a utilização de máscaras em espaços fechados que não sejam a própria residência. Os Estados Unidos, alertaram os CDC, entraram em “uma fase de alto nível de transmissão” à medida que as baixas temperaturas e a temporada de férias empurram as pessoas a espaços fechados. O uso “constante e correto” de máscaras é chave para controlar o vírus, acrescentam, especialmente pelo fato de os últimos estudos indicarem que quase 50% dos contágios provêm de pessoas assintomáticas.

O presidente-eleito Joe Biden anunciou que, quando tomar posse, em 20 de janeiro, pedirá aos cidadãos que usem máscara durante os primeiros cem dias de seu mandato. Algo que se tornará obrigatório onde sua competência permitir, como edifícios federais, viagens interestaduais e o transporte aéreo.

O presidente Trump, enquanto isso, parece alheio à crise desde que perdeu as eleições de 3 de novembro. Não fez qualquer pronunciamento público significativo abordando o agravamento da pandemia, nem sua Administração tomou qualquer medida relevante. Enquanto as boas notícias sobre as vacinas proporcionam um horizonte de otimismo aos cidadãos, aproximam-se meses em que a contenção da propagação será decisiva.


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