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Uma polêmica lei limitará a difusão de imagens da polícia na França

Jornalistas e a Defensoria Pública criticam a proposta do Governo Macron de restrição à liberdade de informar

Protesto em 17 de novembro em Paris contra a nova lei de segurança.
Protesto em 17 de novembro em Paris contra a nova lei de segurança.Bardos Florent/ABACA (GTRES)
Marc Bassets

Mais proteção para a polícia, novas restrições à informação. A França está preparando uma lei que limitará a divulgação de imagens de agentes da ordem. Se ficar comprovado que as imagens foram publicadas com o intuito de prejudicar a polícia ou os gendarmes (polícia militar), o responsável será punido com um ano de prisão e multa de 45.000 euros (cerca de 290.000 reais). Jornalistas e instituições de direitos humanos acusam os promotores da lei de violar a liberdade de expressão e obstruir a fiscalização da polícia e da gendarmaria. O Governo alega a necessidade de proteger os agentes de ameaças e agressões.

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“Eu devo proteger aqueles que nos protegem, a polícia e os gendarmes. Por natureza, estou com eles. O que me revolta é que sejam agredidos na vida pessoal “, afirmou, em entrevista publicada neste domingo no jornal Le Parisien, o ministro do Interior, Gérald Darmanin. “Há anos os policiais vêm sendo cuspidos na cara”, acrescentou. Desde que o presidente Emmanuel Macron o nomeou, em meados do ano, o ministro emergiu como a voz da ala dura do Governo em questões de segurança. É a encarnação de uma guinada à direita que preocupa alguns deputados do A República em Marcha (LREM), o partido de Macron, e que poderá levá-los a se distanciarem da nova lei.

O texto começou a ser debatido terça-feira à noite na Assembleia Nacional. Enquanto isso, cerca de mil pessoas se concentraram diante do edifício em um protesto que culminou em confrontos com a polícia, manifestantes filmando os agentes com seus telefones, destruição de mobiliário urbano, 33 presos, incluindo um jornalista, e dez pessoas levemente feridas – entre as quais nove policiais, segundo a Prefeitura—, e uma polêmica que retroalimenta o que se discutia no Parlamento.

“Acho que o essencial, para o legislador e para o ministério, é mandar uma mensagem, e é uma mensagem de intimidação”, diz por telefone David Dufresne, um jornalista que durante a revolta dos coletes amarelos publicou relatos, com fotos, dos feridos nas manifestações. “Trata-se de dizer aos jornalistas e cidadãos: Já chega’. É hipócrita dizer que você pode filmar, mas não transmitir”, completa.

Em uma França em tensão pelos atentados terroristas, protestos sociais e agora o coronavírus, as forças da ordem com frequência estão no centro dos debates. Em 2015, após os ataques jihadistas que deixaram 148 mortos, os policiais eram heróis. Eram aplaudidos na rua. Mas a suspeita logo se instalou pela força de alguns nos protestos sociais.

A partir do fim de 2018, multiplicaram-se as denúncias de agressões aos coletes amarelos, um movimento com uma tendência de violência nas ruas. Muitas das acusações se apoiavam em imagens veiculadas nas redes sociais. A ação das forças de segurança francesas foi criticada por representantes de instituições internacionais, como a comissária para os Direitos Humanos, Dunja Mijatovic, e a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet.

Ao mesmo tempo, a polícia e o Governo denunciavam que algumas destas imagens foram tiradas do contexto e em algumas ocasiões serviam para colocar os agentes e as suas famílias em ponto de mira. Na entrevista citada, Darmanin mencionou os chamados à violação de mulheres policiais ou um atentado a faca em 2016, em que o terrorista matou um casal de policiais em sua casa na frente de seu filho de três anos.

A solução, proposta pelo Governo e pelo LREM, e com o apoio da direita tradicional do partido Os Republicanos (LR), consistiu em introduzir, no âmbito de uma lei mais ampla de segurança, o artigo 24, que visa proteger a identidade dos policiais e gendarmes.

O artigo, parecido com um da chamada lei da mordaça espanhola, de 2015, diz: “Será punido com um ano de prisão e multa de 45.000 euros o ato de difundir, por qualquer meio e em qualquer plataforma, e com o objetivo de atentar contra a sua integridade física ou psíquica, a imagem do rosto ou qualquer outro elemento de identificação de um agente da polícia nacional ou da gendarmaria nacional, exceto o seu número de identificação individual quando atua no âmbito de uma operação policial”.

“O artigo foi redigido para proteger a polícia e os gendarmes”, argumentou na rede RTL o deputado e ex-policial Jean-Michel Fauvergue, relator da lei. Mas ele acrescentou: “Se você vai a uma manifestação e a filma e a transmite, não há problema”. No fim da noite desta quinta-feira, o Governo introduziu uma emenda para aplacar as críticas. A alteração especificará que “as disposições contempladas não constituirão nenhum obstáculo à liberdade de informar”. Acrescentará também que o objetivo de atentar contra a integridade do agente deve estar “manifesto”.

O problema é como estabelecer a diferença entre a tomada e divulgação de fotos e vídeos de policiais e a intenção malévola que no futuro poderia penalizar essa prática. Em um comunicado, a Repórteres Sem Fronteiras explica que, “embora o risco de condenação de um jornalista com base neste texto seja fraco”, os policiais poderiam prender um jornalista que filmasse suas ações, no próprio local, o que violaria o direito de informar. E alertam para o risco de que, após receber uma denúncia, um promotor “possa usar a mínima declaração crítica ou virulenta contra as forças da ordem e a violência policial difundida nas redes sociais para demonstrar a intenção de prejudicar e, assim, justificar uma condenação”. As redações de cerca de 30 meios de comunicação franceses pediram em um manifesto a retirada do artigo 24 por “ameaçar a liberdade de informar”.

Claire Hédon, a defensora pública da França, alertou que a proposta “não questiona o direito de captura de imagens”, mas “as privaria de qualquer efeito ao limitar sua difusão”. “A adoção deste artigo”, conclui Hédon, “levaria a uma violação do exercício da liberdade de expressão e de comunicação que não é necessária, nem adaptada, nem proporcional, e que ao mesmo tempo seria um obstáculo ao controle das forças de segurança”.

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