_
_
_
_
_

A rede de mentiras da entrevista mais famosa de Lady Di provoca um escândalo na BBC

O encontro de Martin Bashir com a princesa em 1995 foi qualificado como “a exclusiva do século”, mas agora um documentário revela que o jornalista convenceu a princesa usando documentos falsos

Lady Di
A princesa Diana em sua entrevista a Martin Bashir para o programa ‘Panorama’, da BBC, em 1995.
María Porcel

“A exclusiva do século.” Assim, entre a admiração e a inveja, a mídia britânica qualificou aquela que é sem dúvida uma das entrevistas mais famosas das últimas décadas. A que a princesa Diana de Gales concedeu ao jornalista Martin Bashir no programa Panorama, da BBC, em novembro de 1995, e que foi eleita em 2007 por 3.000 britânicos como “a mais memorável” da história da emissora pública. Uma conversa em que a princesa, separada havia três anos do príncipe Charles, expunha seus medos, fragilidades e necessidade de ser ouvida. Nela, e perante mais de 23 milhões de espectadores, falou das infidelidades de ambos, questionou a capacidades do seu ainda marido e deixou frases memoráveis como “Não quero piedade, tenho mais dignidade que tudo isso” e, claro, “Éramos três neste matrimônio. Estava um pouco superpovoado”. O divórcio foi imediato.

Mais informações
La reina Isabel II, en su mensaje de Navidad grabado en el castillo de Windsor.
Um guia literário para conhecer os segredos da família real britânica
Posado oficial de la reina Isabel II rodeada de sus nietos y bisnietos con motivo del 90 cumpleaños de la monarca, en uno de los salones del Castillo de Windsor, Reino Unido. En la imagen, la reina Isabel II posa con sus nietos James (i) y Lady Luisa Mountbatten-Windsor (2-i), y con sus bisnietos Mia Tindall (3-i), Savannah (3-d), Isla Phillips (d), el príncipe Jorge de Cambridge (2-d) y la princesa Charlotte, hijos de los duques de Cambridge, Guillermo y Catalina.
O bebê de Meghan e Harry e outros nascimentos da família real britânica
La princesa Diana con sus hijos, Enrique y Guillermo, durante una visita a un parque de atracciones.
As homenagens a Lady Di no casamento do príncipe Harry com Meghan Markle

Exatamente 25 anos depois, tudo aquilo voou pelos ares e a credibilidade do Panorama, de Bashir e da própria BBC está em xeque. Um documentário do canal britânico ITV intitulado The Diana Interview: Revenge of a Princess (“A entrevista de Diana: vingança de uma princesa”), exibido na segunda e terça-feira desta semana, revelou toda uma trama de chantagens e mentiras usadas para convencer a então ainda esposa do herdeiro do trono.

O documentário mostra que Bashir mentiu e falsificou documentos para ganhar a confiança de Diana e conseguir a entrevista, tratando de lhe demonstrar seus amplos conhecimentos sobre a família real e fazendo-a crer que ela estava começando a ficar à margem e devia erguer a voz. O primeiro a quem mentiu foi a Charles Spencer, irmão da princesa, que agora revela a rede de mentiras em que foi envolvido pelo jornalista. Ele reconhece que foi quem apresentou Bashir à princesa, depois que o jornalista lhe mostrou dois extratos bancários – falsos, como se sabe hoje – para demonstrar que dois dos seus guarda-costas estavam recebendo dinheiro dos serviços de inteligência para espiar a irmã dele. Segundo Spencer, que qualifica as táticas de Bashir como “puramente desonestas”, sem esses documentos ele nunca teria tomado a decisão de apresentar a sua irmã ao jornalista.

A princesa Diana durante entrevista concedida ao programa Panorama, em 1995.
A princesa Diana durante entrevista concedida ao programa Panorama, em 1995.

Veículos como o Daily Mail revelam agora outras mentiras que Bashir contou à princesa, aparentemente para meter-lhe medo e convencê-la a se abrir. Assim, informou-lhe que sua correspondência era aberta às escondidas, que era seguida sempre que entrava em um carro, e que seu telefone estava grampeado. Também lhe disse – segundo as anotações que o conde Spencer ainda conserva - que o serviço secreto britânico tinha gravado o príncipe Charles e seu secretário privado planejando “o final”, e que tanto seu guarda-costas como seus melhores amigos a estavam traindo. Além disso, Bashir atacou com falsidades, como ao dizer que a rainha Elizabeth II tinha problemas cardíacos e que o príncipe Edward, o mais novo dos quatro filhos da soberana, estava sendo tratado de aids num hospital londrino.

Todas essas mentiras se transformaram em um escândalo descomunal para a BBC, que anunciou uma comissão de investigação a respeito. A corporação está tratando de manter uma conduta exemplar e inclusive vem publicando em seu site, diariamente, os novos capítulos dessa novela. Já se desculpou pelos documentos falsos, mas, conforme afirma, eles não tiveram nada a ver com a decisão de Diana de participar da entrevista. De fato, apenas oito pessoas sabiam, naquele novembro de 1995, que a princesa apareceria no programa. Nem sequer o então presidente da emissora, Marmaduke Hussey, estava informado, pois era amigo íntimo do príncipe Charles e porque sua mulher, Susan, era (e continua sendo) amiga e dama de companhia de Elizabeth II. Hussey nunca se sentiu cômodo com essa entrevista, que rompeu os até então sólidos laços entre a BBC e Buckingham.

Hussey morreu em 2006, mas lorde Michael Grade, que presidiu o canal em meados da década de 2000, agora deseja esclarecer a trama. “Há uma nuvem muito negra sobre o jornalismo da BBC”, afirmou ele na própria emissora, defendendo que a comissão de investigação interna comece a funcionar “imediatamente” e acrescentando que seus resultados “devem ser divulgados publicamente”. Seu hoje diretor-geral, Tim Davie, afirmou no começo da semana que a instituição está “levando tudo isto muito a sério”. “Queremos saber a verdade”, acrescentou.

Quem não se pronunciou a respeito foi Martin Bashir. O hoje editor de religião da BBC está gravemente doente. Uma porta-voz informou que “está se recuperando de uma cirurgia de quádruplo bypass e sofre complicações importantes após ter contraído covid-19 no começo do ano”.

Michael Jackson  junto ao repórter Martin Bashir.
Michael Jackson junto ao repórter Martin Bashir.

Como se faltasse alguém no assunto, apareceu até o ilustrador a quem Bashir teria pedido para falsificar os extratos bancários para a entrevista do Panorama. Esse homem, chamado Matt Wiessler, afirma que já houve uma investigação interna, em que ele foi “o bode expiatório”. Essa investigação data de 1996 e esteve a cargo do então diretor de jornalismo, Tony Hall. A conclusão foi que Bashir era “um homem honesto”, mas que o ilustrador nunca voltaria a trabalhar para a BBC. Quando soube o resultado, ficou “absolutamente atônito”.

No documentário, Wiessler argumenta que tudo aquilo não foi ideia dele: “É como culpar uma caneta por escrever uma carta ruim”. “Não sei como alguém pode contar a história de que um ilustrador é o culpado de utilizar documentos copiados como uma falsificação. Convivi com isto por 25 anos.” Tanto que decidiu ir embora de Londres e começar uma nova vida. Agora, quer ter sua reputação restaurada e que não o chamem mais de falsificador diante de seus filhos. “Quem tem que dar as caras é Martin Bashir. É o único que tem as respostas.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_