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Com Biden no comando dos EUA, China espera abrir nova fase na relação mais importante do mundo

Futuro presidente norte-americano terá que administrar o diálogo com um gigante em ascensão, que aspira chegar a 2035 como a maior potência econômica e diplomática

Entregador passa em frente a um bar de Xangai que exibiu a apuração das eleições norte-americanas.
Entregador passa em frente a um bar de Xangai que exibiu a apuração das eleições norte-americanas.ALEX PLAVEVSKI (EFE)
Macarena Vidal Liy
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15/05/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
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O presidente-eleito dos Estados Unidos, Joseph Biden, não poderá esperar a posse, em 20 de janeiro, para encarar alguns conflitos. Durante os quase três meses da transição que começa agora, ele terá que dedicar boa parte de sua atenção a um dos assuntos mais espinhosos na política externa dos EUA: a relação com a China, seu rival estratégico. A segunda maior economia do mundo, com um Governo reforçado pelo sucesso no combate à pandemia, já planeja seu itinerário para ser cada vez mais forte e chegar a 2035 —daqui a 15 anos— como uma potência diplomática e econômica.

Até o momento, e a exemplo de Governos como os da Rússia, México e Brasil, Pequim reluta em felicitar o próximo presidente. Nesta segunda-feira, o porta-voz da chancelaria, Wang Wenbin, se limitou a apontar que o Governo chinês compreende “que o resultado das eleições norte-americanas será determinado de acordo com as leis e procedimentos nacionais”. Também salientou que se espera da “próxima Administração norte-americana que dê sinais de uma vontade de conciliação” e que as relações bilaterais possam voltar aos trilhos.

Aperar da sua aparente reticência em se pronunciar, a China acompanhou com enorme interesse o processo eleitoral norte-americano. De seu resultado dependia a continuidade do forte desgaste nas relações bilaterais sofrido nos dois últimos anos da Administração de Donald Trump, ou que se abrisse uma etapa de maior tranquilidade.

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Não é que se prevejam grandes reviravoltas em questões de fundo. A China não parece disposta a grandes concessões —Wang advertiu que Pequim continuará defendendo “sua soberania, sua segurança e seu desenvolvimento”—, nem prevê mudanças fundamentais nas posições em Washington. Já faz tempo que os líderes chineses chegaram à conclusão de que os Estados Unidos são uma potência em decadência, enfraquecida por suas divisões internas. O longo processo de apuração eleitoral, as críticas de Trump e um resultado que põe em evidência o profundo cisma entre democratas e republicanos só corroboraram essa impressão. “Eleições de 2020 refletem o rápido declínio e decadência política dos EUA”, dizia na semana passada o título de um artigo de opinião no jornal Global Times, de linha editorial nacionalista.

Aos olhos de Pequim, essa mesma fragilidade leva os EUA, independentemente de quem seja o presidente, a se sentirem ameaçados pela expansão da China e a tentarem freá-la como for. Apesar da substituição na Casa Branca, “a política de conter a China não vai variar. Os Estados Unidos não podem admitir a ideia de se tornarem o número dois”, argumenta o professor Wang Yiwei, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Renmin, em Pequim.

O Governo de Xi Jinping antecipa, isso sim, mudanças de forma que facilitem a coexistência. Biden é um velho conhecido das autoridades chinesas, que teve o cuidado de cultivar bons laços com Xi durante os anos em que ambos eram vice-presidentes de seus respectivos países (2009-2013).

O novo presidente pode trazer “mais previsibilidade e estabilidade às relações”, aponta o professor Shi Yinhong, especialista em relações sino-americanas, da Universidade Renmin, prevendo uma iminente chuva de contatos telefônicos e visitas entre os dois Governos para “reverter o distanciamento diplomático dos últimos meses”.

A nova Administração democrata pode levar, na opinião de Shi, a uma renegociação da primeira fase do acordo que suspendeu a guerra comercial entre os dois países, em janeiro, e que obriga a China a aumentar suas compras de produtos norte-americanos. Também poderia ser retomada a colaboração bilateral em questões de interesse global, como a luta contra o terrorismo e a mudança climática. Entretanto, “os resultados na prática serão modestos”, admite.

Porque as atitudes mudaram durante os quatro anos de mandato de Trump. No Congresso, o ceticismo em relação a Pequim já é coisa tanto de republicanos como de democratas. O próprio Biden endureceu sua posição ao longo da campanha e prometeu se mostrar “firme” com a China em assuntos como Taiwan, suas “injustas” práticas comerciais e o respeito aos direitos humanos.

As opiniões públicas também radicalizaram sua percepção mútua: 74% dos norte-americanos tem uma opinião ruim sobre o colosso asiático, segundo o Centro Pew; na China, o índice que avalia favoravelmente aos EUA caiu de 5,77 (numa escala de 1 a 10) em junho de 2019 para 4,77 em maio de 2020, segundo uma pesquisa da Universidade de San Diego.

Cenário de longo prazo

A China também tomou nota do enorme respaldo que Trump demonstrou apesar da sua derrota, ao obter 71 milhões de votos. Embora Biden tenha vencido desta vez, Pequim calcula que é bem possível que um candidato de perfil trumpista seja eleito dentro de quatro ou oito anos, dando início a uma nova etapa de hostilidades.

Estas perspectivas, aceleradas pela guerra comercial e as tensões dos últimos dois anos, deram mais urgência aos planos já existentes do Governo Xi para se transformar em uma superpotência pioneira em inovação tecnológica, com um Exército de primeira classe e líder da comunidade internacional. Esses planos são sua prioridade absoluta e ele não pensa alterá-los, haja o que houver.

A reunião plenária da liderança comunista há 10 dias já deixou isso claro. Os objetivos de longo prazo se aceleram: o de dobrar o PIB per capita com relação ao nível de 2020 —uma meta em princípio fixada para 2049, centenário da fundação da República Popular— será antecipado para 2035, um feito que obrigará a um crescimento anual de quase 5%. O próximo plano quinquenal (2021-2025) porá ênfase no desenvolvimento do mercado interno, para tentar blindar a economia contra possíveis turbulências decorrentes da rivalidade com os Estados Unidos e a tendência à desglobalização. A inovação e a autossuficiência tecnológica se tornarão um “pilar estratégico” do desenvolvimento.

“Nosso país tem [nos próximos 15 anos] vantagens únicas do ponto de vista político, institucional, de desenvolvimento e de oportunidade”, disse Xi em seu discurso àquele plenário, salientando a convicção dos líderes quanto ao caminho escolhido.

Em todo caso, a China promete que não haverá o temido desacoplamento entre os dois países, ou será apenas de modo parcial em áreas como a alta tecnologia. “O desacoplamento não funciona”, afirmou Huang Qifan, ex-prefeito da megalópole chinesa de Chongqing e atual pesquisador econômico do Governo. Ele calcula que uma separação completa das duas economias causaria a perda de quatro milhões de postos de trabalho e mais de seis trilhões de reais. “Precisamos colaborar com as firmas europeias, asiáticas e americanas de alta tecnologia”, declarou. “Essa continua sendo uma direção importante. Eliminar a colaboração devido aos problemas atuais e nos desacoplar não faz sentido, nem pode acontecer.”

Temor quanto a uma frente internacional

Uma mudança que a China teme é que, durante o mandato de Biden, os Estados Unidos voltem a se aproximar dos aliados dos quais se distanciou durante a Administração Trump. O presidente-eleito, na opinião do professor Shi, vai tentar “reparar a aliança de seu país com a UE e os países da Ásia-Pacífico, liderando ou promovendo uma frente ampla contra a China no Ocidente”.

É uma perspectiva que este país quer evitar a todo custo. Em setembro, líderes da chancelaria viajaram à Europa, e em outubro aos países do Sudeste Asiático, com a missão expressa de reforçar laços com essas nações e evitar que estes blocos possam se aproximar mais de Washington durante a nova Administração.

Em sua ofensiva diplomática de sedução —e consciente do abalo que a pandemia causou à sua imagem internacional—, a China quer se apresentar como um ator global responsável e com capacidade de liderança. A suas promessas de que oferecerá suas vacinas contra a covid-19 ao resto do mundo se somou, em setembro, o anúncio do presidente Xi Jinping na ONU de que a China alcançará a neutralidade de carbono até 2060. Em outubro, o Japão e a Coreia do Sul seguiram esse exemplo e prometeram objetivos similares até 2050.

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