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Estados Unidos submetem a onda populista mundial a um plebiscito

Eleitores escolhem entre a marca nacionalista de Donald Trump e a moderação de Joe Biden

Donald Trump faz comício eleitoral no aeroporto de Scranton, Pensilvania, nesta segunda-feira.
Donald Trump faz comício eleitoral no aeroporto de Scranton, Pensilvania, nesta segunda-feira.Evan Vucci (AP)
Amanda Mars

Com as eleições presidenciais desta terça-feira, os Estados Unidos submetem a um plebiscito a onda de populismo que abalou a política dos dois lados do Atlântico nos últimos anos. Uma derrota contundente de Donald Trump representaria um repúdio à virada nacionalista e divisionista que o país viveu, da mesma forma que sua reeleição causaria comoção em meio mundo. Seu rival e favorito nas pesquisas, o candidato democrata Joe Biden, encarna um político tradicional e moderado, um veterano exemplar desse establishment de Washington que, com suas glórias e misérias, deixa muita gente com saudade.

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Os norte-americanos escolhem mais do que seu líder nos próximos quatro anos, escolhem a pessoa com quem vão sair da crise econômica mais grave desde a Grande Depressão de 1929, da pior pandemia em um século e, também, superar uma onda de tensões raciais que não existiam desde a morte de Martin Luther King Jr. Na abertura das seções eleitorais nesta terça-feira, quase 100 milhões de pessoas já terão votado antecipadamente, recorde que aponta para uma grande participação e demonstra a convicção geral de que, de fato, neste país de 330 milhões de habitantes, do tamanho de um continente e com a economia de um gigante, o futuro de várias gerações está em jogo.

Homens, brancos e idosos, Trump, 74 anos, e Biden, 77, são antagônicos em tudo o mais. O atual presidente percebeu a exasperação da classe trabalhadora branca, empobrecida e com medo da imigração, e venceu as eleições com a promessa de um renascimento industrial, sob a premissa de que um empresário saberia governar melhor o país do que a classe política. A ascensão do populismo não começou naquele 8 de novembro de 2016. Nessa época, a França já havia visto o surgimento de um novo lepenismo e o Reino Unido havia votado a favor do Brexit.

A vitória de Trump, no entanto, funcionou como amplificador, iluminou um bando de imitadores e transformou figuras periféricas como Steve Bannon em estrelas ultraconservadoras na Europa. Agora, o populismo sofre reveses em países como o Reino Unido, onde o apoio ao Brexit está diminuindo, e a Alemanha, com uma freada da extrema direita. Os Estados Unidos oferecem um grande novo teste de resistência aos movimentos populistas. Se eles crescem ante a erosão do poder, como navegam em sua própria erosão quando se tornam um aparato do Governo?

O próprio Trump encarou a eleição como um plebiscito sobre sua pessoa e sua liderança. O Partido Republicano nem se deu ao trabalho de aprovar uma nova plataforma, uma espécie de carta de princípios e promessas equivalente aos programas eleitorais europeus que os partidos deliberam em sua convenção de meio de ano, quando votam em seus candidatos presidenciais e de Governo. Pela primeira vez, o Grand Old Party de Abraham Lincoln anunciou que se limitava a “respaldar de modo entusiasta” a agenda do presidente.

A pandemia tirou do magnata um de seus grandes trunfos eleitorais, uma economia que ia de vento em popa, com o menor nível de desemprego em meio século e o mais longo ciclo expansivo da história. Mas a crise da saúde também mostrou a versão mais errática de Trump, determinado a desempenhar o papel de antissistema estando no coração do sistema, declarando guerra às diretrizes de prevenção de seu próprio Governo. A média das pesquisas nacionais o apontam seis pontos e meio atrás de Biden, de acordo com o Real Clear Politics, uma grande diferença, mas que diminuiu nos últimos dias.

Medo de distúrbios

O presidente continua a endossar a mensagem antiestablishment —"Vamos derrubar a classe política fracassada e salvaremos o sonho americano", tuitou ele nesta segunda-feira— e a explorar medos ancestrais para tentar mobilizar suas bases. Promete lei e ordem ante os protestos contra o racismo e um escudo contra o comunismo. Afirma que, com Biden, a economia demorará mais para se abrir e cairá nas mãos do socialismo autoritário.

Não está claro que efeito essa declaração pode ter para além de seus seguidores mais leais. A trajetória moderada do vice-presidente da era Obama, eleito senador pela primeira vez em 1972, é bem conhecida e, embora ao longo do tempo tenha desviado para a esquerda, como fez o conjunto do Partido Democrata, ele faz parte da corrente centrista. O setor mais progressista assumiu que o político veterano concentrava o maior número de apoios e decidiu cerrar fileiras em torno dele. Biden alerta para aumento de impostos “para os mais ricos”, ao mesmo tempo em que faz acenos aos eleitores republicanos.

Os democratas buscam superar o trauma de 2016, quando uma candidata de manual como Hillary Clinton caiu derrotada, contra todos os prognósticos, para um milionário sem nenhuma experiência política, famoso por seu papel como apresentador ogro de um reality show, O Aprendiz.

Como fez em 2016, Trump mais uma vez semeia as dúvidas sobre o rigor do processo, estimulando, sem fundamento, suspeitas de fraude. A polarização política se agravou e o país, que sempre se orgulhou de suas transições de poder pacíficas, amanheceu ontem com reforços na proteção dos estabelecimentos e repleto de novos seguranças, por medo de distúrbios. O homem que ganha as eleições assume as rédeas de um país destroçado.

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