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Eleições EUA 2020
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Trump se reconcilia com o eleitor republicano tradicional

Diferenças reais entre os candidatos não se traduziram em uma vitória clara na noite desta quinta. Tudo está em aberto

Antoni Gutiérrez-Rubí
Biden e Trump num momento do debate.
Biden e Trump num momento do debate.JIM BOURG / POOL (EFE)

Aconteceu na noite desta quinta um debate que certamente decepcionou os mais aguerridos (de ambos os lados), mas talvez tenha dado muitas pistas a essa minoria crucial nos Estados decisivos. Há menos indecisos do que nunca (apenas 5%), Joe Biden arrecada o triplo que Donald Trump, está na frente nas pesquisas e é o favorito; mas nesta noite essas diferenças reais não se traduziram em uma vitória clara. Tudo está em aberto.

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A moderadora Kristen Welker começou com uma advertência a Trump ―“Esperamos que não se interrompam, porque queremos escutar suas propostas”― e ditou muito bem o ritmo do debate. Ouvimos, realmente, visões e propostas. Trump chegou previamente a questioná-la (“Uma pessoa da Administração Obama”) para insinuar que teria um viés preconceituoso, mas elogiou-a durante o evento ao afirmar que “até agora não tenho nenhuma queixa de como você conduz o debate”. Não se chocou com ela por tudo o que ela representa: jornalista profissional e mulher afrodescendente. Controlou sua atitude, seu instinto encrenqueiro, e lutou a sério por cada voto, por cada segmento eleitoral.

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Biden chegou de máscara e a exibiu nos primeiros momentos do debate. Com menos maquiagem e uma imagem menos engessada, mais natural, esteve de cenho franzido, com determinação, manifestando um caráter que revela seus valores e suas convicções (em especial no trecho do debate sobre a política imigratória). Enfatizou sua promessa de unir uma sociedade profundamente polarizada e dividida: “Não quero Estados vermelhos e azuis”, disse, em alusão às cores tradicionais dos republicanos e democratas, respectivamente.

O candidato Trump esteve mais sério que o presidente Trump. Apresentou mais ideias, propostas e visões. Trump se esforçou, menos arrogante e displicente. Um novo Trump, que foi mais convincente para os que ainda duvidam. Dirigiu-se mais a estes eleitores que a seus partidários fervorosos. Parecia um debate tedioso, sendo que não foi. Realmente nos acostumamos muito ao Trump grotesco. Mas o suposto e esperado ataque hiperbólico do presidente acabou sendo uma ordenada e metódica estratégia de desgaste do rival, semeando dúvidas. “Eu me candidatei por sua causa, por causa do que Obama e você fizeram”, disse Trump, acusando constantemente Biden de “falar muito e não fazer nada”, além de buscar minar sua reputação (“Você é um político corrupto, não se faça de inocente”).

A palavra “plano” esteve muito presente a noite toda. Biden usou-a constantemente contra Trump para dizer que este não tem planos contra a covid-19 nem outras políticas públicas, enfatizando o caráter frívolo, irresponsável e improvisado do presidente. E Trump salientou que “os planos de Biden” custarão muito dinheiro, mirando os setores da classe média temerosos de uma política fiscal mais agressiva.

Biden, que passou quase a noite toda com uma caneta nas mãos, mostrou uma atitude prudente apesar da vantagem que as pesquisas lhe atributem. Quis mostrar um estilo atento, receptivo e eficiente, frente às acusações de “fala muito e não faz nada” e as menções aos 47 anos em cargos públicos. E se desvencilhou da sombra de financiamento irregular que Trump lançou sobre a reputação de seus filhos e irmãos (“Eram como um aspirador de dinheiro”), elogiando o trabalho de sua filha como assistente social e o quanto aprendeu com ela. “O importante não é a sua família ou a minha, e sim suas famílias e seus problemas”, respondeu Biden.

“A quem você dá ouvidos?” perguntou ele à moderadora, logo no início do debate, questionando a relação de Trump com os cientistas. Não sabemos a quem o presidente dá ouvidos, mas o fato é que ele prestou bastante atenção ao que lhe disseram seus assessores, que o prepararam bem para o debate.

Biden apresentou “minha reputação e a sua, e que nossos caráteres são claros e diferentes”, como último argumento eleitoral. É verdade que na noite desta quinta os argumentos de Trump foram mais visíveis que suas fanfarronices e seus excessos (“Sou a pessoa menos racista do mundo, a menos racista que há na sala”, disse o presidente em pleno delírio narcisista).

Abraham Lincoln, o 16º presidente dos Estados Unidos, citado várias vezes durante a noite, afirmou certa vez que “quase todos podemos suportar a adversidade, mas se você quiser realmente testar o caráter de um homem, lhe dê poder”. Os dois candidatos fecharam a pergunta final (“O que diria aos que não votaram no senhor se chegar a ser presidente?”) fixando muito bem seus pontos fortes. Trump, apelando ao sucesso econômico (“Se ele ganhar, vamos ter uma depressão como nunca”), e Biden ao sonho americano (“Escolher a esperança contra o medo”). Ou ao mercado, ou à nação. Ou ao sucesso segundo a sorte de cada um, ou a direitos para todos, sem distinção. Esta é a questão de fundo, que será respondida em 3 de novembro. Um debate que nos leva a pensar, seriamente, no que está em jogo nesta eleição.

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