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Joseph Stiglitz: “Warren Buffett paga menos impostos que a secretária dele”

O vencedor do Nobel de Economia afirma que a reforma tributária do governo americano trouxe mais desigualdade e que está pessimista sobre a recuperação. Trump é um “desastre econômico”, diz

Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel de economia
Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel de economia
Amanda Mars

Os Estados Unidos viviam o período de crescimento mais longo de sua história quando, em março, a pandemia mergulhou o país no pior desastre desde a Grande Depressão. O republicano Donald Trump ficou sem o grande trunfo eleitoral que é uma economia dinâmica. No entanto, a gestão econômica continua sendo uma das ações mais bem-avaliadas do presidente que, antes de completar seu primeiro ano no poder, conseguiu aprovar o maior corte de impostos desde o ex-mandatário Ronald Reagan. Para muitos economistas, essa reforma tributária representa um buraco insustentável nos cofres públicos e é um gerador de desigualdade. Um deles é o progressista Joseph Stiglitz. Em conversa por telefone com EL PAÍS, o ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2001, que foi assessor do Governo Bill Clinton (1993-2001), aborda a era Trump e os desafios do país. São tempos estranhos. Wall Street se comporta como se o mundo fosse bom e um candidato à presidência, o democrata Joe Biden, pede o voto dos cidadãos acenando com a bandeira do aumento de impostos.

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Pergunta. Independentemente da crise atual, que legado a política econômica de Trump vai deixar?

Resposta. Trump foi um desastre econômico. A força do nosso país é o investimento em ciência, em tecnologia e em educação, e ele minou isso. Todos os anos ele pediu cortes no orçamento da ciência. Atacou nossas melhores universidades e lhes impôs tributos, quando o que a maioria dos Governos faz é lhes dar subsídios. Além disso, em uma economia moderna você precisa de cooperação mundial e ele se afastou dela e foi contra os acordos internacionais, em detrimento dos Estados Unidos. Também fui crítico e disse que as normas têm que ser decididas de uma forma mais democrática, mas esse não é um argumento para abandoná-las. Para mim, esses quatro anos foram um desastre econômico e, se não o revertermos, isso marcará o início do declínio dos Estados Unidos.

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P. Biden faz campanha alertando que vai aumentar os impostos. Hoje, nos Estados Unidos, é possível ganhar uma eleição dizendo isso?

R. Lembre-se que Trump reduziu impostos para os bilionários e para as empresas em dezembro de 2017 e, na mesma lei, aumentou-os para a maioria das pessoas intermediárias, que são as que vêm passando dificuldades nos últimos 40 anos. O que Biden prometeu é reverter isso e fazer com que as empresas e as grandes fortunas paguem impostos justos, o que me parece uma boa política econômica. O corte de impostos de 2017 resultou em uma elevação no açúcar da economia, mas qualquer modelo econômico mostrará que isso não é sustentável, que levará a déficits recordes. Claro, você vai crescer mais rápido, mas não é sustentável. Além disso, foi uma reforma mal planejada. Antes da pandemia, a previsão de crescimento dos EUA já era anêmica, abaixo de 2%, e o dinheiro não se transformou em mais investimento mas em mais dividendos ou recompra de ações. A desigualdade é um dos maiores problemas deste país.

P. A desigualdade nos Estados Unidos tem sido um problema por décadas, com Governos republicanos e com Governos democratas. Tem solução?

R. É preciso de um conjunto de políticas de fundo. Primeiro, é necessário dar mais poder de barganha aos trabalhadores, fortalecer os sindicatos, reescrever as regras da globalização, da governança corporativa, reduzir o poder dos monopólios. Em segundo lugar, obviamente, precisamos de uma política fiscal e de gastos públicos mais progressiva. É muito curioso que nos Estados Unidos as pessoas no topo paguem menos impostos do que as pessoas na base. Warren Buffet assinalou: ele paga uma taxa de imposto mais baixa do que sua secretária. Em se tratando de gastos, os Estados Unidos não são apenas o país com maior nível de desigualdade, mas também o único que não reconhece a saúde como um direito básico, por isso precisamos de melhores políticas de gastos.

P. Biden não entoa o “Estados Unidos primeiro” de Trump, mas colocou o slogan “Made in America” no centro de sua política econômica. Os Governos de Bill Clinton (1993-2001) e Barack Obama (2009-2017) subestimaram os danos que a globalização causava à classe trabalhadora norte-americana?

R. Posso falar mais pela Administração Clinton. Partes dessa Administração acreditavam na teoria da economia trickle-down [de gotejamento, ou seja, que o crescimento econômico, por si só, beneficiaria a todos]. Nem todos acreditavam nisso, mas o próprio Clinton sim. Alguns como eu, ou como Bob Reich [assessor também nos Governos de Gerald Ford e Jimmy Carter], tínhamos mais dúvidas e acreditávamos que era preciso mais ajuda para os prejudicados. Aqui estava o erro crítico. Quando falávamos da globalização, defendíamos com veemência ajuda aos trabalhadores deslocados, uma ajuda por ajustes do comércio. Mas os republicanos rejeitaram.

P. Com estratégias diferentes, Biden e Trump também concordam em que a China deve jogar de acordo com novas regras na economia. Considera que esse é um consenso geral?

R. Sim, mas a maioria dos economistas põe o foco nos desequilíbrios comerciais multilaterais, não no déficit comercial bilateral entre os Estados Unidos e a China, que tem sido o foco de preocupação de Trump. Em relação à China, os democratas e os republicanos tradicionais estão mais preocupados com os problemas de democracia e direitos humanos do que com a questão comercial. Costumava-se falar muito sobre se a China abriria seu mercado para as seguradoras dos EUA, para as empresas de Wall Street ... Mas isso não vai resolver o problema do setor industrial dos EUA. Muitos desses empregos já desapareceram, o emprego está diminuindo como um todo na indústria. Trump desviou o foco de outras questões para as quais deveríamos estar nos voltando, como a segurança cibernética, a vigilância e os direitos humanos.

P. Durante meses, Wall Street pareceu alheia a esta grande crise. O que uma lacuna tão grande entre o mercado de ações e a chamada economia real revela dos Estados Unidos?

R. Isso reflete uma grande desigualdade. É preciso se dar conta de que a Bolsa de Valores não é nem mesmo um reflexo do setor empresarial. As pequenas empresas não fazem parte do mercado de ações, mas são as que proporcionam a metade dos empregos da economia, e não vão bem. Já para as gigantes da Internet as coisas estão indo bem. Além disso, as cotações sobem quando os salários estão baixos, e agora estão baixos. Por outro lado, juros baixos indicam mais lucros e dividendos futuros, de forma que isso também os favorece na bolsa de valores, mas esses juros estão baixos porque a economia está fraca. E a liquidez que o Federal Reserve está injetando no mercado não está indo para a compra de bens e serviços, as pessoas estão economizando por causa da incerteza e colocando o dinheiro em ativos. Portanto, de certa forma, o êxito da Bolsa é reflexo do fracasso da política econômica.

P. Está otimista quanto a uma rápida recuperação nos Estados Unidos?

R. Está claro que não vamos ter uma recuperação em forma de V, como se esperava em março. Lembrem-se de que o primeiro programa de ajuda aprovado foi criado com base no pressuposto de que a economia voltaria ao normal no mais tardar no final de junho, portanto, o plano foi programado para 10 semanas ou algo assim. Mas nós caímos no barranco. É outubro e não voltamos à normalidade. No momento estou muito pessimista, as ajudas expiraram faz tempo e as negociações [entre a Casa Branca, os republicanos e os democratas] para um novo programa foram interrompidas. E a recuperação está se desacelerando. Acredito que não chegaremos a uma Grande Depressão, que os Governos acabarão dando um passo adiante, mas não podemos descartar isso.

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