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Campanha de reeleição de Donald Trump ameaça a paz na Colômbia

Ataques do republicano ao acordo com as FARC coincidem com um Governo de Iván Duque reticente a implementar plenamente o pactuado há quatro anos

O presidente colombiano, Iván Duque, e o norte-americano, Donald Trump.
O presidente colombiano, Iván Duque, e o norte-americano, Donald Trump.César Carrión (EFE)
Santiago Torrado
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FILE PHOTO: Rodrigo Londono, known by his nom de guerre Timochenko, former commander of the Revolutionary Armed Forces of Colombia (FARC) speaks during a news conference at Special Jurisdiction for Peace tribunal in Bogota, Colombia September 23, 2019. REUTERS/Luisa Gonzalez/File Photo
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se assegurou de que a Colômbia irrompa em sua campanha pela reeleição em meio à intensa luta que sustenta com o democrata Joe Biden para conquistar o voto latino na Flórida, o de maior peso entre os chamados Estados-pêndulo. Entre suas recentes mensagens de apoio ao ex-presidente Álvaro Uribe, o mentor político de Iván Duque, o republicano até reciclou as alusões ao “castrochavismo”, o termo cunhado pela direita colombiana reunida em torno ao partido do Governo para atacar o acordo de paz selado por Juan Manuel Santos com a extinta guerrilha das FARC.

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Trump trabalhou contra esse pacto, arduamente negociado, que permitiu o desarmamento de 13.000 rebeldes. As outrora Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia se transformaram em um partido político que possui 10 cadeiras no Congresso. “A Administração anterior negociou o terrível tratado Obama-Biden-Santos com os cartéis de droga colombianos, se renderam aos narcoterroristas e fizeram com que a produção de drogas aumentasse”, chegou a afirmar Trump no mês passado em um evento em Miami, uma retórica que lembrou as posições mais radicais do uribismo.

A sociedade colombiana procura virar a página da violência. Duque, eleito há dois anos com o apoio dos setores que se opuseram aos diálogos de Havana, deve implementar um acordo que contou com o decidido respaldo do grosso da comunidade internacional. Preso, desde que foi assinado há quatro anos, no fogo cruzado da polarização política colombiana, o acordo de paz agora vê sua frágil implementação ameaçada em meio à polarização da campanha norte-americana.

As abundantes críticas à visão de Duque sobre os acordos, que ele prometeu não “destruir”, como pedem os setores mais intransigentes de seu partido, adquiriram um novo matiz nesta semana. “O acordo não está sendo implementado satisfatoriamente”, avaliou Bernard Aronson, que foi delegado especial dos Estados Unidos para acompanhar os diálogos de Havana durante a era Barack Obama, um inegável suporte à negociação. “O apoio dado por Obama ao acordo de paz foi absoluto. Foram reservados 450 milhões de dólares (2,5 bilhões de reais) ao chamado Plano Paz Colômbia e quando veio a nova Administração, Donald Trump tentou apagar tudo o que havia sido feito. O único assunto em que Trump parece estar interessado em relação à Colômbia é na quantidade de produção de coca”, acrescentou o diplomata norte-americano em uma entrevista ao jornal El Espectador.

A resposta não demorou. Em um inusual aumento de tom diplomático, o embaixador colombiano em Washington, Francisco Santos, ex-vice-presidente de Uribe, respondeu às críticas de Aronson. “Suas colocações ignoram dramaticamente a realidade sobre nossa convicção de avançar no cumprimento dos compromissos pactuados através da política de Paz com Legalidade. Os avanços falam por si mesmos”, afirmou o embaixador. Diversas vozes, entretanto, questionam a vontade política do Executivo de Duque para implementar o pacto, e sua ambiguidade cobrou o preço.

A Colômbia deve avançar a uma nova fase com maior enfoque territorial, especialmente onde a presença do Estado tem sido precária, frisou em junho o instituto Kroc para Estudos Internacionais de Paz. O quarto relatório do instituto, encarregado de acompanhar o pactuado, abarca o período compreendido entre dezembro de 2018 e novembro de 2019, o terceiro ano transcorrido após a assinatura no Teatro Colón de Bogotá. Nesse período, o avanço geral da implementação foi de apenas 6%, um número menor do que em anos anteriores.

A eventual reeleição de Trump colocaria o plano de paz em crise, alerta a internacionalista Laura Gil, muito envolvida na Defendamos a Paz, uma plataforma civil para respaldar o pacto. “Até agora se tratou de conter a capacidade do Governo de destruir a paz. Se Trump vencer, o empoderamento para realmente destruí-la aumenta muito. O que existe é um compasso de espera de todo mundo para ver o que acontecerá nessas eleições”, diz.

“As críticas de Aronson são as mesmas que muitos defensores do acordo de paz fazem na Colômbia. O Governo não gosta de ser contrariado por figuras que têm um peso diplomático e uma credibilidade que fazem com que seus argumentos caiam por seu próprio peso”, diz Sergio Guzmán, diretor da consultoria Colombia Risk Analysis. “A comunidade internacional tem um papel importante em fazer com que o Governo colombiano cumpra os compromissos que assinou como Estado”, avalia o analista. Mas “sob o Governo de Trump isso não importou, porque na realidade o que lhe importa em relação à Colômbia não é paz, e sim o narcotráfico e sua posição sobre a Venezuela”, acrescenta. Sob uma administração democrata, liderada, além disso, pelo que foi vice-presidente de Obama, seria outra história.

O próprio Duque reconheceu que a relação com Washington está “narcotizada” pelos altos níveis de plantação de narcóticos herdados por seu Governo. A Colômbia tinha 154.000 hectares de cultivos ilícitos no final de 2019, de acordo com a medição oficial. O Executivo colombiano se propõe a retomar as polêmicas fumigações aéreas com glifosato, um herbicida potencialmente cancerígeno cujo uso foi suspenso em 2015, mas a Casa Branca de Trump o promove com insistência apesar dos programas de substituição voluntária acertada com os camponeses que entraram nos acordos.

A batalha pela justiça transicional

O Centro Democrático, o partido do Governo fundado por Uribe e mais ferrenho crítico dos acordos, ataca com particular veemência o sistema de justiça transicional encarregado de julgar os crimes mais graves ocorridos durante o conflito armado. Duque propôs em 2019 modificar a Jurisdição Especial para a Paz (JEP), considerada a coluna vertebral do pacto, com uma série de objeções que sofreram uma estrondosa derrota no Congresso. Uribe, entretanto, mencionou na segunda-feira, em sua primeira declaração após a Justiça ordenar sua liberdade após mais de dois meses de prisão domiciliar por um caso de manipulação de testemunhas, em revogar a JEP e reformar os acordos.

Essa visão contrasta com a da missão de verificação da ONU no país. “O processo de justiça transicional está ganhando impulso”, declarou na quarta-feira Carlos Ruiz Massieu, o chefe da missão, em seu relatório trimestral ao Conselho de Segurança. “Nas últimas semanas, vários dos principais líderes do partido FARC admitiram sua responsabilidade pelo papel que desempenharam em diferentes crimes cometidos durante o conflito, demonstrando de maneira contundente que o processo de paz está começando a cumprir sua promessa de dilucidar os horrores do passado, que é um elemento essencial para curar a sociedade colombiana”, afirmou.

O Executivo de Duque faz um discurso duplo, como exemplifica o fato de que diante da ONU afirme que está comprometido em fazer com que a JEP cumpra seu propósito enquanto o partido do Governo se mostra empenhado em que isso não ocorra, diz Guzmán. “Há uma diplomacia mista sobre o tema que com Trump é tolerável aos Estados Unidos, mas em um cenário diferente não acho que essa posição da Colômbia seja tão atraente”, afirma. “Internacionalmente esse duplo discurso de não fazer na Colômbia, e dizer fora que se faz, já está esgotado”, concorda Laura Gil.


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