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Trump deixa hospital e minimiza covid-19, que matou 210.000 nos EUA: “Não tenham medo”

Presidente fez da saída do centro médico militar um ato de campanha. Profissional que o acompanha diz que é cedo para garantir recuperação total

O presidente Donald Trump, na Casa Branca.
O presidente Donald Trump, na Casa Branca.ERIN SCOTT (Reuters)
Yolanda Monge
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A member of the Proud Boys, right, stands in front of a counter protester as members of the Proud Boys and other right-wing demonstrators rally on Saturday, Sept. 26, 2020, in Portland. President Donald Trump didn't condemn white supremacist groups and their role in violence in some American cities this summer. Instead, he said the violence is a “left-wing" problem and he told one far-right extremist group to “stand back and stand by.” His comments Tuesday night were in response to debate moderator Chris Wallace asking if he would condemn white supremacists and militia groups. Trump's exchange with Democrat Joe Biden left the extremist group Proud Boys celebrating what some of its members saw as tacit approval. (AP Photo/John Locher)
Proud Boys, o grupo de ultradireita só de homens que Trump se negou a condenar
LOS ANGELES, CALIFORNIA - OCTOBER 03: A poster reads 'Vote' and includes a voter registration QR code below (NOT VISIBLE) on October 3, 2020 in Los Angeles, California. President Donald Trump and Democratic presidential nominee Joe Biden are on the ballot for the 2020 presidential elections on November 3.   Mario Tama/Getty Images/AFP
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David Remnick, director de la revista 'The New Yorker' desde 1998.
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, transformou sua alta voluntária do hospital em um ato de campanha e uma reafirmação de si mesmo. Oito minutos depois do horário previsto (18h30 hora local), o presidente, infectado pelo coronavírus, deixou por decisão própria ―afinal, ele é o comandante-chefe e seu médico é um militar sob suas ordens— o hospital militar em que estava confinado desde sexta-feira. O presidente desceu as escadas da entrada do hospital Walter Reed em Bethesda (Maryland, nos arredores de Washington) para fazer um primeiro gesto à imprensa com o polegar para cima. Não respondeu a nenhuma pergunta. Antes de entrar no carro, Trump repetiu o mesmo gesto e mexeu o punho em sinal de força. Depois embarcou no Marine One, o helicóptero que o levou para a Casa Branca, de onde partira na sexta-feira em meio a uma grande confusão sobre seu verdadeiro estado de saúde. Segundo informou em sua conta no Twitter, Trump garantiu que logo estaria de volta à estrada para continuar a campanha eleitoral.

Durante a manhã, Trump decidiu saltar todos os protocolos nesta segunda-feira e não esperar que sua equipe médica anunciasse sua alta médica. Via Twitter, claro, o presidente escreveu o seguinte: “Deixarei o hospital Walter Reed hoje às 18h30 (horário de Nova York). Me sinto muito bem! Não tenham medo da covid-19. Não deixem que domine a sua vida”, escreveu, apesar de mais de 210.000 norte-americanos terem morrido dessa doença, que contagiou mais de sete milhões nos EUA. Trump continuará em convalescença na Casa Branca, mas não se sabe se estará em quarentena ou se vai se relacionar com sua equipe. Ele não perdeu a oportunidade de se vangloriar e nessa mesma mensagem declarou que sob sua Administração medicamentos muito bons foram desenvolvidos. “Sinto-me melhor do que há 20 anos!”, disse, como se tivesse bebido da fonte da juventude em vez de ter sido submetido a um tratamento experimental agressivo.

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Pouco depois do anúncio do presidente veio a tão esperada coletiva de imprensa de sua equipe médica, que mais uma vez voltou a pisar em ovos. Quando questionado por repórteres se tinha alguma preocupação em relação à evolução da saúde de Trump, o Sean Conley afirmou que sim, embora com muitas nuances. Para o médico do presidente, isso ainda está “em território inexplorado” porque não se sabe como um paciente que recebe tratamentos tão agressivos como os que Trump recebeu (incluindo um coquetel experimental de anticorpos) evolui em um estágio tão inicial da doença. Para Conley, será crucial que ele passe o próximo fim de semana evoluindo bem. Apesar de os jornalistas insistirem em saber qual foi o último teste negativo de Trump, Conley se recusou a responder, citando a proteção da informação.

O presidente Donald Trump queria retornar à Casa Branca no domingo, sem parecer se importar que teve que receber oxigênio na última sexta-feira e sábado e que estava sendo tratado com drogas que demonstram a gravidade da situação que está vivendo. Segundo fontes citadas pela CNN, “Trump estava farto do hospital” e, em sua opinião, isso o fazia parecer “fraco”. Talvez seja por isso que a Casa Branca embarcou em uma comunicação confusa sobre a saúde do presidente, cheia de contradições e que lhe rendeu críticas muito fortes. Somente pelo fato de ser um presidente viciado em holofotes e alheio ao bem-estar dos outros é que se pode explicar sua ousadia de dar uma volta vitoriosa de carro diante de apoiadores que o aclamavam no Hospital Militar Walter Reed, nos arredores de Washington.

O tratamento recebido pelo presidente se choca de frente com a realidade de uma alta hospitalar próxima. Desde sexta-feira vêm sendo dadas informações sobre a saúde do presidente, mas é uma comunicação cheia de lacunas que deixou mais perguntas do que respostas. Trump teve “febre alta” na sexta-feira, mas a temperatura não foi divulgada. O nível de oxigênio caiu abaixo de 95% em duas ocasiões, uma delas para 93, embora nunca tenha ficado abaixo de 90%. Os médicos lhe deram dexametasona no sábado, que é basicamente um esteroide usado em casos graves. Na sexta-feira, ele recebeu uma dose de um coquetel de antivirais experimental. Nada do exposto se encaixa com uma alta três dias após a internação.

Tudo isso foi dito ―com mais ou menos fórceps por parte da imprensa― pelo médico pessoal do presidente, Sean Conley, ao longo dos dias desde sua internação na sexta-feira. Mesmo assim, o chefe de Gabinete do presidente, Mark Meadows, disse nesta segunda-feira que Trump estava fazendo “um progresso incrível” e estava “pronto para retomar a sua agenda normal de trabalho”. “Ele se reunirá com seus médicos e enfermeiros hoje para realizar avaliações adicionais de seu progresso”, disse Meadows, em entrevista à Fox News. Nesta mesma tarde [de segunda-feira], acrescentou, será decidido se ele pode deixar o hospital e regressar à Casa Branca.

De acordo com Meadows, sobre quem é provável que caia toda a fúria do presidente, já que no sábado ele fez declarações muito mais lúgubres sobre seu estado de saúde do que as oferecidas à opinião pública pelo médico do presidente, a saúde de Trump melhorou durante a noite e havia “otimismo” no Governo quanto à possibilidade de ele deixar o hospital Walter Reed nesta segunda-feira. “Seu tratamento tem sido notável”, disse Meadows, “e sua força tem sido incrível.”

Barulho e fúria no Twitter

Trump começou sua segunda-feira com uma enxurrada de tuítes furiosos, todos em maiúsculas, mas, ao contrário de outros dias de barulho e fúria no Twitter por parte do presidente, desta vez ele está sob os efeitos do esteroide dexametasona e com pelo menos quatro dias recebendo o medicamento em fase de experimentação Remdesivir, após ter sido tratado, além disso, em um primeiro momento, com uma terapia experimental de anticorpos desenvolvida por uma empresa de biotecnologia, a farmacêutica Regeneron.

A Casa Branca, que tem insistido em que Trump continua em suas funções presidenciais, expôs uma série de fotos nas quais ele é visto trabalhando no hospital, além de ter divulgado vários vídeos com mensagens para deixar claro que ele não está fraco nem alheio ao cargo de chefe de Estado. De acordo com a estação de rádio pública NPR (sigla em inglês), o vice-presidente Mike Pence, que não tem sido visto em público desde que Trump adoeceu, deveria deixar Washington a caminho de Utah nesta segunda-feira, dando início a uma semana cheia de eventos de campanha, cujo ponto alto será o debate na noite desta terça-feira contra a candidata democrata à vice-presidência, Kamala Harris.

As reclamações sobre o modo de conduzir uma situação nada convencional, uma doença grave contraída pelo líder dos Estados Unidos, não arrefeceram. A última a atirar dardos foi Nancy Pelosi, líder da maioria democrata na Câmara dos Deputados e segunda na linha de sucessão presidencial, depois do vice-presidente Mike Pence, que garantiu não ter sido informada sobre o estado de Trump desde que ele foi diagnosticado com covid-19. “Estamos obtendo nossas informações como todo mundo, pela mídia”, disse Pelosi em uma entrevista à televisão no domingo. A líder democrata, que teve resultado negativo para coronavírus em um teste na sexta-feira, desejou a Trump uma “recuperação rápida”.

A partir desta segunda-feira, a Casa Branca permanecerá em atividade mínima. Pela manhã, caiu a penúltima peça do dominó da Administração afetada pelo coronavírus. A chefa da Imprensa, Kayleigh McEnany, anunciou que havia testado positivo para coronavírus. À noite, antes de saber de seu diagnóstico, a Casa Branca enviou um e-mail a todos os seus funcionários pedindo-lhes que não viessem ao trabalho se apresentassem sintomas de covid-19. “Lembramos que se você estiver tendo sintomas como dor de garganta, tosse, febre, dor de cabeça, perda de paladar ou cheiro, dores musculares, calafrios, diarreia ou falta de ar, por favor, fique em casa e não venha trabalhar até estar livre de sintomas”, dizia o e-mail. No caso de aparecerem sintomas no local de trabalho, a instrução é “voltar para casa imediatamente” e ver o médico habitual, não o serviço médico da Casa Branca. Uma Casa Branca deserta à qual Trump se prepara para retornar antes de uma campanha eleitoral totalmente por definir.

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