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Polícia chilena no olho do furacão após jovem ser empurrado de uma ponte em meio a uma manifestação

O menor de idade acabou ferido ao cair no rio Mapocho, o principal da capital chilena, devido à ação de um carabineiro, segundo vídeos divulgados por diferentes fontes

Integrantes dos carabineros observam um manifestante que está inconsciente após cair no rio Mapocho durante protestos contra o Governo de Sebastián Piñera, nesta sexta-feira, em Santiago (vídeo em espanhol).
Rocío Montes

Duas semanas antes do primeiro aniversário da explosão social de 18 de outubro de 2019 no Chile, uma data à qual as autoridades chilenas estão atentas pela possibilidade de ressurgimento de protestos em larga escala, os Carabineiros (polícia uniformizada) estão novamente sob forte pressão. Um jovem de 16 anos que se manifestava em Santiago na noite de sexta-feira acabou ferido ao cair de uma ponte no rio Mapocho, o principal da capital chilena, devido à ação de um carabineiro que o teria empurrado, segundo vídeos divulgados por diferentes fontes. A Procuradoria investiga o caso. O Governo do presidente Sebastián Piñera demorou para se pronunciar. A instituição policial iniciou uma investigação administrativa e suspendeu seu funcionário do trabalho nas ruas. Ao mesmo tempo, a oposição política pediu a renúncia do diretor-geral dos Carabineiros, Mario Rozas.

“Diante dos registros em vídeo que mostram como um funcionário dos Carabineiros empurra um adolescente ―que está internado em um centro de saúde― para o leito do rio Mapocho, apresentaremos uma denúncia por tentativa de homicídio”, anunciou na noite de sexta-feira a Defensoria da Infância.

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Segundo o ministro do Interior, Víctor Pérez, “a verdade dos fatos será determinada pela investigação do Ministério Público e pelos tribunais”. Além de lamentar “que um jovem acabe ferido em uma manifestação” e colocar à disposição das autoridades todas as informações disponíveis, o responsável pela segurança interna e pela ordem pública disse que o fato ocorreu em meio a “um procedimento policial rápido, onde as pessoas estão correndo”, e no qual “foram utilizados novos protocolos”.

O ministro se referia às novas práticas que, supostamente, a criticada instituição está adotando nos protestos. Durante a revolta social do ano passado, os Carabineiros foram a instituição mais envolvida em casos de uso excessivo da força, abusos e “graves violações dos direitos humanos”, como denunciou a Human Right Watch (HRW). Segundo um relatório da Procuradoria com dados atualizados até março, das 493 pessoas denunciadas por diversos crimes cometidos por agentes do Estado, 444 pertencem aos Carabineiros, 30 à Polícia de Investigações, 13 ao Exército, 4 à Marinha e 2 a outras instituições.

“Não sabemos o que aconteceu”, assinala Lucía Dammert, professora da Universidade de Santiago e especialista em segurança. “Além das sugestões de duas comissões de especialistas e das conversações com o Governo para avançar no processo de reforma, não há um acompanhamento do processo, ficamos sabendo pela imprensa que nas últimas semanas foram anunciadas mudanças e reestruturações”, acrescenta. “Ou seja, talvez estejam promovendo mudanças, mas sua opacidade impede o estabelecimento de uma relação de confiança com outros atores”, prossegue Dammert, que considera necessário um plano de reforma de longo prazo com etapas claras.

Enquanto as restrições de mobilidade devido à pandemia vão sendo levantadas ―quase toda Santiago está sem quarentena―, os protestos das sextas-feiras na Praça Itália já recomeçaram. Quando a crise sanitária começou, em meados de março, o movimento social chileno mostrava sua força ―como em 8 de março, quando cerca de dois milhões de mulheres foram às ruas, segundo as organizadoras. A covid-19, no entanto, freou as manifestações de rua.

Na noite de sexta, centenas de pessoas se reuniram no epicentro urbano das mobilizações sociais na capital e, como costuma acontecer, ocorreram confrontos entre manifestantes e carabineiros. Pelo menos 21 pessoas foram detidas e 18 carabineiros ficaram feridos, segundo a informação oficial. Foi nesse contexto que ocorreu a queda do jovem de 16 anos: ele estava escapando, juntamente com uma multidão, de um grupo de policiais. De acordo com diversos vídeos que foram divulgados ―incluindo um da administração municipal de Santiago―, um carabineiro que ia detê-lo teria empurrado o jovem. O adolescente ficou estendido de barriga para baixo no leito do rio, sem movimento, e outros manifestantes desceram para resgatá-lo.

Os Carabineiros foram mudando suas versões dos fatos. Na sexta-feira à noite, o tenente Rodrigo Soto negou, inicialmente, que um policial tivesse empurrado o menor de idade no rio: “Quero desmentir categoricamente este tipo de situação. (…) Chega de mentir às pessoas com coisas que os Carabineiros jamais cometeram”. Depois, ainda na noite de sexta, em uma segunda declaração, Soto afirmou: “O que os Carabineiros desmentiram e voltam a desmentir totalmente é que essa pessoa tenha sido pega pelos pés ou que tenha sido lançada ao rio pelo jato d'água [da polícia], como inventaram testemunhas em redes sociais”.

Na manhã deste sábado, no entanto, o chefe da Área Metropolitana Oeste dos Carabineiros, general Enrique Monrás, declarou: “Um de nossos carabineiros tentava deter um jovem e este perdeu o equilíbrio no corrimão da ponte Pio Nono e caiu na margem do rio Mapocho”. Segundo o general, as autoridades estão investigando se o menor caiu sozinho ou foi empurrado. Ele disse que os próprios Carabineiros chamaram os serviços de primeiros socorros e os bombeiros para o resgate e, se não colaboraram no resgate, foi porque os policiais estavam sendo atacados pela multidão.

A duas semanas do aniversário da explosão social e a três do plebiscito constitucional no qual o Chile decidirá se substitui ou não a Carta de 1980, redigida na ditadura de Augusto Pinochet, o caso de sexta-feira coloca em apuros as autoridades do Governo de Piñera. Por um lado, o Executivo deve garantir a ordem pública e, por outro, não pode permitir novos abusos policiais, que poderiam desencadear uma nova onda de protestos.

Apesar da pandemia, circulam neste sábado pelas redes sociais dezenas de convocações de protestos contra o incidente de sexta-feira.

O jovem ferido está internado na clínica Santa María de Santiago e não corre risco de morrer. Sofreu traumatismo craniano fechado, fratura nos pulsos e um corte no couro cabeludo. Encontra-se consciente, estável e sob observação.


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