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Argentina espionou as famílias dos 44 tripulantes mortos no submarino ‘ARA San Juan’

Arquivo entregue à Justiça revela monitoramento ilegal durante as tarefas de busca no Atlântico

Federico Rivas Molina
Familiares dos 44 tripulantes do 'ARA San Juan'.
Familiares dos 44 tripulantes do 'ARA San Juan'.AFP

Enquanto equipes de resgates procuravam os restos do submarino ARA San Juan no fundo do oceano Atlântico, o Governo argentino investigava os familiares dos 44 militares que se encontravam a bordo. A Agência Federal de Inteligência (AFI) localizou em seus arquivos fotos e documentos que provam esse monitoramento. A descoberta introduz um novo elemento de disputa entre a atual chefia da AFI, que assumiu a agência após a posse de Alberto Fernández na Casa Rosada, e a equipe que a antecedeu durante a gestão de Mauricio Macri.

“As tarefas [de espionagem contra familiares do ARA San Juan] não se encontram ordenadas nem autorizadas por nenhum magistrado; só foram determinadas pelas autoridades do organismo que hoje está sob intervenção”, disseram autoridades da AFI na apresentação das informações à Justiça, nesta quarta-feira. Os relatórios localizados datam de janeiro a junho de 2018, revelando o monitoramento sistemático das pessoas que durante aqueles dias passavam pela Base Naval de Mar del Plata, centro operacional do resgate do submarino.

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Nos arquivos “há fotos e boletins de inteligência com a identificação de alguns familiares. Em outros mais extensos há fotos em primeiro plano tiradas na porta da Base Naval de Mar del Plata em que essas pessoas são identificadas. E há boletins com nome e sobrenome de familiares em que se antecipam as reivindicações que fariam”, afirmam fontes governamentais próximas à descoberta. Todas as fichas correspondem ao período de busca do submarino e são ilegais.

A legislação argentina só permite atividades de inteligência desse tipo com ordem judicial e tendo como alvo “grupos terroristas e/ou do crime organizado”, conforme esclarece a AFI em sua apresentação. Por isso, a agência pediu que os ex-diretores da instituição e o ex-presidente Mauricio Macri sejam intimados a depor – o último por ser considerado como “responsável por fixar os esboços estratégicos e objetivos gerais da Política de Inteligência Nacional”. Macri não comentou a denúncia.

O atual ministro da Defesa, Agustín Rossi, afirmou que o monitoramento dos familiares das vítimas ocorreu num momento em que o importante seria “dedicar toda a energia e recursos a procurar o submarino ARA San Juan e amparar as famílias dos tripulantes”. Luis Tagliapetra, pai de uma das vítimas do naufrágio, disse que a revelação é “perversa”. “Tomara que esta seja a ponta do novelo que nos permita chegar ao fundo de tudo isto”, afirmou, observando que a ação judicial que investiga as responsabilidades penais do acidente está paralisada.

O ARA San Juan se comunicou pela última vez com sua base de operações em Mar del Plata na manhã de 15 de novembro de 2017. Seu capitão informou na ocasião que a água havia invadido um banco de baterias, causando um curto-circuito que resultou em um princípio de incêndio. Horas depois, um sistema de alertas de testes militares detectou uma explosão no Atlântico Sul, e tanto o Governo argentino como as famílias souberam que se tratava do ARA San Juan. As buscas duraram um ano inteiro, e nesse período dezenas de familiares dos 44 tripulantes visitaram diariamente a base naval de Mar del Plata em busca de notícias. Também fizeram passeatas e apresentaram abaixo-assinados às autoridades, atividades que, segundo a denúncia, foram acompanhadas atentamente pelos serviços de inteligência.

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