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Cenas de horror dos incêndios nos EUA colocam em xeque negacionismo climático de Trump

Presidente consegue evitar completamente o debate ambiental em uma visita de duas horas à Califórnia enquanto Biden o chama de “piromaníaco climático”

Trump escuta as explicações do governador Newsom sobre os incêndios, na segunda-feira em Sacramento.
Trump escuta as explicações do governador Newsom sobre os incêndios, na segunda-feira em Sacramento.Andrew Harnik (AP)
Pablo Ximénez de Sandoval

O negacionista em chefe dos Estados Unidos aterrissou na segunda-feira no centro de uma das maiores evidências dos efeitos da mudança climática presenciadas pelo país desde que existe esse conceito. Donald Trump viajou rapidamente à Califórnia para se informar sobre as queimadas, ao mesmo tempo em que seu rival democrata nas eleições, Joe Biden, fazia um discurso sobre mudança climática. A extraordinária crise de incêndios vivenciada pelo Oeste norte-americano se transformou em um tema de campanha inevitável que só deve crescer.

Após dias sem se referir a uma emergência que afeta a Califórnia, Oregon e Washington, Trump falou na semana passada para culpar a “gestão das florestas”. Todos os governadores desses Estados afirmam que as causas dos incêndios são variadas, mas a razão pela qual os recordes são batidos cada vez mais depressa é o endurecimento das condições climáticas pelo aquecimento global provocado por gases de efeito estufa. Não há debate científico sobre isso.

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A visita à Califórnia de Donald Trump, cuja Administração não só descartou qualquer avanço na luta contra o aquecimento global como reverteu as políticas em andamento, coloca seu discurso diante de um cenário de pesadelo. Matas arrasadas, cidades asfixiadas em fumaça, bairros calcinados e, principalmente, um número de mortos ainda provisório que na segunda-feira estava em 33. Todos os Estados Unidos estão vendo em suas televisões e jornais uma catástrofe em tempo real muito difícil de responder com ceticismo de ocasião.

Trump, entretanto, evitou completamente o debate sobre a mudança climática. O presidente repetiu ao chegar ao aeroporto de Sacramento a frase sobre a gestão florestal e culpou as “árvores que agem como fósforos” pelos incêndios, que morrem e secam nas matas. Em uma mesa redonda em que estava o governador da Califórnia e os chefes de emergências do Estado, Trump perguntou quantos incêndios havia. Responderam que 29 grandes ativos. O governador, Gavin Newsom, interrompeu para dizer que haviam sido 1.100 nos últimos 29 dias. “O calor está ficando mais quente e a secura, mais seca”, disse Newsom a Trump. A transmissão do encontro não mostrou se Trump respondeu.

Depois, Trump presidiu uma cerimônia para homenagear os pilotos da Guarda Nacional da Califórnia que realizaram vários resgates aéreos in extremis de famílias presas em uma área de lazer cercada pelo chamado Creek Fire (Rio de Fogo), perto de Fresno. Terminada a cerimônia, partiu a um ato de campanha em Phoenix. Definitivamente, Trump conseguiu passar duas horas na Califórnia sem ver um só incêndio e evitando completamente um confronto público sobre a realidade da mudança climática.

Desde a semana passada, o Partido Democrata está aproveitando para colocar a mudança climática no centro do debate como mais uma consequência brutal da incompetência de Trump, como a tragédia do coronavírus e a crise econômica. Basicamente, com as queimadas como pano de fundo, os democratas tentam fazer com que o eleitorado se pergunte se os EUA podem se permitir mais quatro anos de uma Casa Branca que nega a mudança climática e boicota as políticas ambientais.

Minutos antes de Trump chegar à Califórnia, o democrata Joe Biden fez um discurso em Delaware em que chamou Trump de “piromaníaco climático” e apresentou um ambicioso programa de transformação a uma economia verde. “Essa é outra crise pela qual não irá se responsabilizar”, disse Biden. “Com mais quatro anos de Donald Trump, quantos bairros mais irão desaparecer?” pelos incêndios, furacões e inundações, disse Biden.

A Califórnia viu queimar 12.000 quilômetros quadrados em 2020, a maioria nas últimas três semanas, desde que uma tempestade elétrica em meados de agosto iniciou centenas de queimadas simultâneas que colapsaram os recursos do Estado. É 10 vezes a extensão de Nova York e quase 30 vezes mais do que os recordes anteriores de hectares queimados. O normal é que os grandes incêndios comecem no final de setembro e durem até novembro. No vizinho Oregon também foi batido o recorde de hectares queimados.

“O debate sobre a mudança climática acabou”, disse na sexta-feira visivelmente irritado o governador da Califórnia, Gavin Newsom. “Isso é uma maldita emergência climática”. Newsom havia previsto se reunir a portas fechadas com Trump a quem, por outro lado, sempre agradeceu em tom institucional a ajuda federal à Califórnia na luta contra o coronavírus e os meios de emergência. A visita do presidente evitou completamente o confronto em público.

Na última década, a luta contra a mudança climática se transformou em um assunto de Estado na Califórnia, ao ponto de que o Partido Republicano local quase não protesta sobre os objetivos de redução de emissões (parecidos aos da UE e os mais ambiciosos dos EUA). Simplesmente, não se discute. O negacionismo de Trump e setores republicanos de outros Estados é visto como uma excentricidade que provoca espanto e irritação. Trump, por sua vez, tentou acabar com a autoridade da Califórnia para fixar seus próprios limites de emissões. O meio ambiente é o assunto em que o choque entre a Califórnia (autoproclamado Estado resistência) e Trump foi mais pesado, junto com as políticas de imigração.

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