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Luta pela água no México revolta os camponeses da fronteira com os EUA

Centenas de agricultores tomam o controle de uma barragem no Estado de Chihuahua e ameaçam desencadear novas tensões diplomáticas com os norte-americanos

Agricultores enfrentam membros da Guarda Nacional.
Agricultores enfrentam membros da Guarda Nacional.JOSE LUIS GONZALEZ (Reuters)
Carlos S. Maldonado

A luta pelo abastecimento de água no Estado de Chihuahua, no noroeste do México, ameaça desencadear uma nova tensão diplomática entre o Governo de Andrés Manuel López Obrador e os Estados Unidos. Na terça-feira, centenas de agricultores armados com tacos de beisebol e suas ferramentas de cultivo tomaram a barragem de La Boquilla e fecharam as comportas, interrompendo o fluxo de água que o México deve entregar ao vizinho do norte por conta de um tratado internacional assinado em 1944, que determina o uso das águas dos rios Grande e Colorado pelos dois países. Os produtores afirmam que necessitam do líquido para fazer seus campos produzirem em meio a uma forte seca que atinge a região. As autoridades afirmam que por trás desses acontecimentos há manipulação política por parte de grupos de oposição, mas também pressão de poderosos produtores de nozes e alfafa, que necessitam da água para manter suas enormes plantações.

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A tensão aumentou na noite de terça-feira, quando houve um confronto com membros da Guarda Nacional que deixou pelo menos dois mortos e vários feridos, entre eles cinco soldados. A Guarda Nacional informou nesta quarta-feira que seus “elementos foram interceptados por civis armados em vários veículos, que os atacaram com armas de fogo”, razão pela qual tiveram de “repelir” a agressão. A instituição informou ainda que prendeu três pessoas que portavam granadas de gás lacrimogêneo e um carregador de arma de fogo. As autoridades iniciaram uma investigação para esclarecer esses fatos, enquanto os agricultores permanecem na barragem reclamando o fornecimento de água.

“Lamentamos o ocorrido. O Governo do México prometeu que não faltaria água na região, coisa que cumpriu totalmente”, explica por telefone Juan Carlos Lorea, delegado de programas do Governo Federal em Chihuahua. “Desde o ano passado, antes do início do ciclo agrícola, os agricultores apresentaram o plano de irrigação para que a Conagua [Comissão Nacional da Água] o autorizasse. Em La Boquilla a entrega está prestes a ser concluída. Não faltou água para os produtores”, acrescenta. Essa barragem, que faz parte das 813 administradas pela Conagua em todo o país, foi construída no leito do Rio Conchos –afluente do Rio Grande– e é um dos principais sistemas hídricos do norte do México.

O conflito pela água nesta região do nordeste do México é antigo e envolve as relações diplomáticas com os Estados Unidos, depois da assinatura de um tratado internacional de águas em 1944 –ratificado pelo México um ano depois–, que estabelece uma divisão das águas do Rio Colorado e do Rio Grande entre os dois países. Segundo o acordo, os Estados Unidos se comprometem a entregar 1,8 bilhão de metros cúbicos de água do Rio Colorado ao México todos os anos, enquanto o Governo mexicano deve entregar 2,2 bilhões de metros cúbicos do Rio Grande a cada cinco anos. Lorea afirma que as Administrações de Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto descumpriram o tratado entre 2010 e 2015, mas que o Executivo de Andrés Manuel López Obrador se comprometeu a retomá-lo para manter as delicadas relações diplomáticas com o vizinho do norte e evitar sanções de Washington aos produtos mexicanos.

“O que o México está fazendo é cumprir os planos de irrigação, avaliando os volumes de água restantes e entregando os volumes estabelecidos no acordo, que são entregues à Comissão Internacional de Limites e Águas, responsável pela contagem da água que se entrega”, explica Lorea. O conflito começou quando os agricultores reclamaram o excedente de água para suas atividades agrícolas, principalmente para a irrigação de grandes áreas onde são cultivadas nozes e alfafa, utilizada para engordar o gado e manter a alta produção de leite na região.

São culturas que substituíram a tradicional produção de feijão, trigo, milho e algodão. Os preços desses produtos caíram depois da entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio, de forma que os agricultores tiveram que buscar novos cultivos. Tanto a noz quanto a alfafa mantêm seus preços altos, o que gera maior renda para os produtores, mas afeta os recursos hídricos da região. “O clima árido que prevalece no Estado de Chihuahua torna necessária uma gestão eficiente da água, principalmente no setor que mais consome este recurso natural: o agrícola. Porém, o panorama da produção de alimentos não foi o correto neste Estado, já que foram privilegiadas as culturas perenes e de alto consumo de água, como as nozes e a alfafa. Esses cultivos não só contribuem para enfraquecer a segurança alimentar do nosso país –que apresenta déficit na produção de grãos básicos como trigo e feijão–, como também promovem a concentração da riqueza em poucas mãos”, alertou o Governo federal em um comunicado divulgado por seu delegado no Estado.

Para Lorea, os acontecimentos da noite de terça-feira foram motivados por “interesses políticos e econômicos”, tanto de partidos de oposição que esperam o apoio do setor agrícola nas eleições regionais que ocorrerão no próximo ano quanto de poderosos produtores que esperam manter altas as colheitas de nozes e alfafa. “O mais importante é manter um estado de paz na região. O Governo agiu de forma responsável”, afirma o funcionário. O presidente López Obrador falou sobre a tensão em Chihuahua e sugeriu que as Nações Unidas analisem os planos de alocação de água, informa a agência Reuters. O presidente defendeu a posição de seu Governo de respeitar o tratado com os Estados Unidos e alertou que, se não o fizer, o México poderia sofrer sanções do vizinho do norte. No entanto, a tensão continuou nesta quarta-feira, com centenas de camponeses revoltados na fronteira para exigir o que consideram um recurso valioso que lhes pertence.

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