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Trump e Biden disputam a retórica da linha dura contra a China

Candidato democrata endurece seu discurso contra Pequim, enquanto o presidente republicano promete reduzir os vínculos econômicos com o gigante asiático

Amanda Mars
O candidato democrata a presidente dos EUA, Joe Biden, visita um grupo de trabalhadores na Pensilvânia.
O candidato democrata a presidente dos EUA, Joe Biden, visita um grupo de trabalhadores na Pensilvânia.CHIP SOMODEVILLA (AFP)

Na campanha presidencial norte-americana de 2020, ninguém quer fazer o papel de policial bom com a China. O gigante asiático e a maior potência mundial se engalfinham num duelo de múltiplas frentes ― comercial, tecnológica, geopolítica ― que pode ser qualificado como uma nova guerra fria e acabou sendo agravado pela pandemia. O candidato democrata a presidente dos EUA, Joe Biden, endureceu seu discurso contra o regime, ao qual não deixa de apontar como rival em seu programa econômico, e chegou a qualificar seu líder, Xi Jinping, de “valentão”. Enquanto isso, Donald Trump promete reduzir ao mínimo os estreitos vínculos que atualmente unem as duas economias.

“Fabricaremos nossos suprimentos essenciais nos Estados Unidos, criaremos créditos fiscais para a economia made in America, traremos nossos postos de trabalho de volta aos Estados Unidos e imporemos tarifas às companhias que desertarem dos Estados Unidos para gerar empregos na China e outros países”, disse o presidente republicano na segunda-feira passada a jornalistas na Casa Branca por ocasião do Dia do Trabalho. “Vamos acabar com a nossa dependência em relação à China, porque não podemos depender deles e não quero que construam a força militar que estão construindo com nosso dinheiro”, acrescentou.

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Um volume de intercâmbios de 590 bilhões de dólares (3,15 bilhões de reais) por ano se encontra no centro da disputa comercial entre as potências. A maior parte é de exportações chinesas para os Estados Unidos (451,6 bilhões de dólares em 2019), frente às vendas de empresas norte-americanas para a China (106,45 bilhões no mesmo período), e essa disparidade é o déficit comercial que Trump combateu com braço de ferro desde sua primeira campanha eleitoral, em 2016.

A retórica contra a China não surpreende em sua corrida à reeleição, mas impregnou também a do seu rival democrata, muito consciente dos estragos que a desindustrialização causou na classe média e trabalhadora americana. Robotização à parte, esses eleitores não têm como não associar a perda de empregos industriais com as fugas de produção a outros países.

Biden fez da estratégia made in America o coração de seu programa econômico e fala também explicitamente de “recuperar as cadeias de suprimentos críticos para os Estados Unidos, de modo a não dependermos da China ou de nenhum outro país para a produção de artigos essenciais em tempos de crise”, após os momentos de carência de equipamentos médicos que muitos países enfrentaram durante a pandemia. Ele promete “pulso firme” contra as empresas que etiquetam de forma errônea seus produtos como sendo made in USA, quando na verdade procedem da China, e acusa o regime de “continuar com seus abusos comerciais”. Além disso, alerta que Pequim está a caminho de superar os EUA em pesquisa e desenvolvimento. E assim, 24 vezes, em resumo, aparece a palavra China no plano de reativação industrial que o rival de Trump propõe.

O discurso do Biden candidato é muito diferente do que o Biden senador ou vice-presidente adotava a respeito da China. Em 2001, ao voltar de uma viagem pelo país, o então senador disse: “Os Estados Unidos dão as boas vindas à ascensão de uma China próspera e integrada no cenário global porque esperamos que seja uma China que joga conforme as regras”.

Dezenove anos depois, não sente que Pequim tenha agido desse modo. Em um artigo publicado em abril na Foreign Affairs, o aspirante à Casa Branca alegava que os Estados Unidos deviam “ser firmes” com a China. Se Pequim conseguir o que deseja, acrescentava o texto, continuará “roubando a propriedade intelectual e tecnológica das empresas americanas”.

Biden se distancia de Trump em estilo e em parte no conteúdo ― o ex-vice-presidente não estimulou a narrativa do “vírus chinês”, como faz o republicano, tentando culpar Pequim pela atual pandemia ―, mas deixou claro que também adotará um discurso duro contra o regime de Xi Jinping. Em um debate entre pré-candidatos democratas em fevereiro passado, chamou Xi de “valentão” e o acusou de não ter “um só osso democrático” em seu corpo. “É um sujeito que pôs um milhão de uigures em campos de reconstrução, o que significa campos de concentração, e vejam o que está acontecendo em Hong Kong”, acrescentou.

O endurecimento da postura em relação à China também reflete uma decepção generalizada nos escassos avanços de abertura econômica e em liberdades e direitos realizados pelo regime autoritário após sua entrada no mercado global.

A escalada tarifária promovida por Trump contra a China ― que respondeu em uma medida menor, pois é muito menor o volume que importa dos EUA ― reduziu esse déficit comercial em 18% desde o início da guerra comercial, em 2018, a que se seguiu uma espiral de ameaças, sanções e acusações de espionagem. Ambas as potências se lançaram, além disso, em uma corrida em diversos âmbitos, como a influência mundial, a inovação tecnológica, o armamento ultramoderno e, por último, pela descoberta da vacina para a covid-19. A rivalidade e a desconfiança entre os dois países já eram manifestas em 2016, mas a campanha eleitoral de 2020 coincide com uma situação de tensão inédita em décadas.

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