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Violência e denúncias contra as Forças Armadas afetam o Governo de Iván Duque

Massacres, assassinatos de civis e uma rede de espionagem ilegal marcam os dois anos de mandato do presidente da Colômbia. O Executivo se defende com a redução dos homicídios

Amigos e familiares se despedem de um dos oito jovens assassinados em Samaniego (Nariño), no sul da Colômbia.
Amigos e familiares se despedem de um dos oito jovens assassinados em Samaniego (Nariño), no sul da Colômbia.LEONARDO CASTRO (AFP)
Catalina Oquendo

As recentes matanças de jovens em duas regiões da Colômbia instalaram uma sensação de retorno a um passado marcado pela violência no país andino. Embora o Governo de Iván Duque defenda que houve uma redução de 11% dos homicídios até agora neste ano em comparação com o mesmo período de 2019, organizações internacionais alertam sobre vários assassinatos múltiplos e ataques a líderes sociais em áreas rurais. O Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Colômbia instou o Governo a “tomar todas as medidas necessárias para eliminar essa violência”. Segundo a organização, até o momento no mandato de Duque já ocorreram 69 massacres, além de sete pendentes de documentar.

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Jorge Restrepo, diretor do Centro de Recursos para Análise de Conflitos (Cerac), destaca as nuances do cenário de segurança no país. “Em geral, no nível urbano houve uma melhora substancial, acelerada com a quarentena, e há quedas dos homicídios que não observávamos há três anos”, diz o analista. O Governo se aferra a esses números, assim como à redução dos sequestros e extorsões, mas observadores como Restrepo apontam que estes são benefícios do pós-conflito depois do acordo de paz firmado entre as FARC e o Governo de Juan Manuel Santos. No entanto, esclarece, “essa melhora na segurança do cidadão contrasta com o aumento da violência política, das disputas e uma intensificação do conflito com o Exército de Libertação Nacional, ELN, (a última guerrilha ativa na Colômbia)”. Ele se refere aos assassinatos de defensores dos direitos humanos e de ex-combatentes das FARC, especialmente em cidades deixadas pela guerrilha.

A resposta do Governo a cada ataque ou massacre foi aumentar as tropas em regiões como Catatumbo, Cauca e Nariño, as mais afetadas pelos grupos armados. Mas o surgimento de dissidências e de grupos paramilitares que disputam as rotas do narcotráfico e outros negócios ilegais depois do acordo de paz torna o panorama mais complexo.

A situação é precedida por um declínio na imagem das forças militares que estão em um fosso que não tinham alcançado nas últimas duas décadas. Uma pesquisa da empresa Invamer Gallup revelou em junho que a opinião favorável sobre elas caiu 37 pontos e chegou a 48%, um dado marcante para uma das instituições mais importantes de um país que esteve durante mais de cinco décadas em guerra com as FARC. Os sucessivos escândalos, denúncias de corrupção na cúpula, execuções extrajudiciais e, mais recentemente, o reconhecimento de 70 investigações militares por abuso sexual de menores afetaram a instituição dirigida pelo presidente, como comandante-em-chefe das Forças Armadas.

O descontrole das forças militares

A trama de espionagem ilegal e perfilamentos de jornalistas e políticos da oposição por parte do Exército, que veio à luz no início de 2020, também ganhou alcance internacional. Recentemente, o congressista norte-americano Jim McGovern apresentou um projeto de lei que visa condicionar a ajuda à Colômbia por parte dos Estados Unidos, devido à vigilância ilegal. Enquanto a representante democrata Alexandria Ocasio-Cortez apresentou uma emenda para que o Governo de Donald Trump não destine dinheiro através do Departamento de Defesa para a fumigação aérea na Colômbia “a menos que o Governo (colombiano) demonstre que está aderindo às leis e regulamentos nacionais e locais”.

Para o senador Roy Barreras, que em novembro denunciou que o Exército ocultou a morte de oito menores em um bombardeio contra guerrilheiros dissidentes em uma acusação que levou à renúncia do então ministro da Defesa Guillermo Botero, a deterioração das forças militares tem a ver com a falta de liderança presidencial, que as politizou, desviando-as de seu objetivo de controle do território. “As forças militares são muito grandes, meio milhão de pessoas, e são apolíticas, não beligerantes. Não é culpa delas, então, como corpo, se são mal dirigidas por um governante que as conduz à guerra e não à paz ou por um governante inepto que as faz perder o controle do território, a responsabilidade é do Governo que as dirige mal”, opina.

Barreras afirma que a decadência ocorreu em três etapas nos últimos dois anos. A primeira, diz, quando Duque recebeu uma cúpula militar vinda do Governo de Juan Manuel Santos e estava em uma transição da guerra à paz. Por um tempo, o chefe de Governo a manteve até “ceder às pressões de seu partido”, o Centro Democrático. Na segunda, de 2018 a novembro de 2019, na qual, segundo sua teoria, pessoas que juram lealdade ao uribismo são entronizadas no comando e começa “o maior e pior efeito do Governo sobre as forças militares, que é a politização das mesmas, com uma ideologia de reivindicação da guerra”, avalia. Restrepo, por outro lado, não considera que haja uma politização, mas sim uma revisão da doutrina que “retrocedeu ao menos 22 anos muitos avanços na política de segurança do Exército”.

Durante 2019, conforme documentado por diversos meios de comunicação, foram denunciadas execuções extrajudiciais e a militarização do combate ao narcotráfico, o que implicou a mudança da substituição voluntária de plantações ilícitas pela erradicação forçada das plantações de coca, com a presença de militares. “Com as FARC desarmadas, precisam voltar à lógica do terror interno e externo e fabricam duas frentes: uma internacional, com a Venezuela e o Governo imaginário de Juan Guaidó frente à ditadura de Maduro; e internamente, a negação do acordo para dizer que nunca houve paz e que a prova disso é a proliferação das dissidências. É a profecia autorrealizável”, afirma o deputado. Foi assim, afirma, que se chegou ao terceiro momento, o atual, que chama de perda de controle territorial.

Com a renúncia do ministro da Defesa Guillermo Botero e a chegada de Carlos Homes Trujillo à pasta, o Governo anunciou reformas e investigações a fundo das sucessivas denúncias contra militares. “A mensagem é clara: há tolerância zero para qualquer ato que esteja fora da Constituição e da lei e nisso somos contundentes”, disse o atual ministro.

José Miguel Vivanco, diretor da Divisão das Américas da Human Rights Watch, concorda que o chefe de Governo “teve a oportunidade de repensar o papel e a estrutura de forças militares em conformidade com as necessidades do país”, depois do desarmamento das FARC. “Em vez disso, o Governo insistiu no modelo tradicional de forças militares –e com algumas de suas piores características. Mobilizou as forças militares diante de cada crise, mas ao mesmo tempo não fez maiores esforços para promover iniciativas de desenvolvimento local e de fortalecimento da Justiça”, acrescenta.

Vivanco aponta que um dos momentos críticos desse modelo foi a ascensão de oficiais que, “segundo provas credíveis, estariam associados a falsos positivos, entre eles o então comandante do Exército Nicacio Martínez, que assim que assumiu o cargo restabeleceu algumas das políticas de segurança que há uma década levaram a assassinatos a sangue frio de milhares de civis”.

As perspectivas de mudança não são animadoras. “O Governo tem a oportunidade de repensar sua política de segurança. Mas temo que será uma oportunidade perdida e que veremos continuidade. Ou seja, persistência da violência que prejudica a política, principalmente no nível territorial, e reduções graduais em matéria de insegurança urbana”, considera Restrepo.

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