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Constituinte do chavismo encerrará suas funções em dezembro

Nicolás Maduro faz acordo com setores minoritários da oposição e centra sua aposta no desenrolar harmônico de eleições legislativas organizadas sob os seus termos

O presidente Nicolás Maduro durante um discurso na Assembleia Constituinte, em janeiro de 2020.
O presidente Nicolás Maduro durante um discurso na Assembleia Constituinte, em janeiro de 2020.FEDERICO PARRA (AFP)
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FILE - In this March 4, 2020 file  photo, opposition leader Juan Guaido listens during a legislative session being held at a religious, private school in Caracas, Venezuela, an alternative location due to the government continuously blocking their access to National Assembly chambers. Guaidó said Monday, May 11, 2020 that two U.S.-based political advisers have resigned following a failed incursion into Venezuela aimed at capturing President Nicolás Maduro. (AP Photo/Ariana Cubillos, File)
Oposição a Maduro oficializa sua decisão de não participar das eleições legislativas na Venezuela
Venezuela's Vice President Delcy Rodriguez, Defense Minister Vladimir Padrino and Commander of the Strategic Operational Command, Admiral Remigio Ceballos are seen before a speech during the arrival of humanitarian aid coming from China at Simon Bolivar international airport during the national quarantine in response to the spread of the coronavirus disease (COVID-19) in Caracas, Venezuela March 28, 2020. REUTERS/Manaure Quintero
Ministro da Defesa de Maduro alerta opositores de que “nunca poderão exercer o poder político”
People wearing face masks as a preventive measure against the spread of the novel coronavirus, COVID-19, do their shopping at "Megasis," the first Iranian supermarket in Venezuela, in Caracas on July 31, 2020. - The relationship between Tehran and Caracas is growing, challenging their common enemy, the United States. First, five oil tankers arrived, weeks later a new ship with food to supply the first Iranian supermarket in Venezuela docked in the crisis-hit South American country. (Photo by STR / AFP)
A geopolítica de um supermercado iraniano em Caracas

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que a Assembleia Nacional Constituinte, um fórum convocado de forma unilateral e imposto à força pelo chavismo na crise política de 2017, encerrará suas funções em dezembro deste ano. A medida foi discutida e aprovada dentro do próprio órgão, a partir de uma proposta feita pelo legislador Pedro Carreño. Diosdado Cabello, líder do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e presidente do órgão legislativo chavista, manifestou que a Assembleia “continuará exercendo suas funções até 31 de dezembro de 2020”.

Maduro, por sua vez, comentou que o organismo será encarregado de emitir “um conjunto de decretos” antes das eleições parlamentares marcadas pelo regime para dezembro deste ano. O mandatário fez a declaração em rede nacional, durante uma reunião por teleconferência do PSUV, que marcou a volta de Diosdado Cabello à cena pública, recuperando-se em casa da covid-19.

O anúncio de Maduro foi interpretado como uma fuga para frente: embora ainda não haja nada firme, a oposição acredita que pode ser uma tentativa do chavismo de preparar um referendo para aprovar uma nova Constituição resultante dos debates constituintes —ou modificar a atual para fortalecer seus interesses hegemônicos—, enquanto organiza, nos seus próprios termos, as novas eleições parlamentares com setores minoritários e moderados da oposição dispostos a participar. Uma jogada para estabilizar o país, aliviar a pressão internacional e recuperar credibilidade interna e externa.

Há poucos dias, 21 organizações opositoras vinculadas à presidência interina de Juan Guaidó anunciaram sua decisão de não participar de uma consulta eleitoral que consideram fraudulenta, interessada e assimétrica, semelhante, segundo alegam, à que possibilitou a reeleição presidencial de Maduro, em 30 de maio de 2018. Aquela votação foi considerada ilegítima por Estados Unidos, Europa e boa parte das nações latino-americanas, além da própria oposição, já que muitos partidos foram impedidos de participar.

O chavismo pactuou com a chamada Mesa de Diálogo Nacional a formação dos novos integrantes do Conselho Nacional Eleitoral, cedendo a esses pequenos partidos alguns espaços em seu interior. Nesse contexto, a renúncia de um deles, Rafael Simón Jiménez, abriu lugar à imediata designação de Leonardo Morales. Este acordo excluiu a Assembleia Nacional (Parlamento), a única instância com faculdades constitucionais para antecipar esse processo, dominada atualmente pela oposição leal a Juan Guaidó, o presidente do organismo opositor.

Com esse acordo “ganha-ganha” com Maduro —que não foi anunciado formalmente—, os pequenos partidos da Mesa de Diálogo poderiam avultar suas diminutas dimensões atuais e inclusive tentar algumas modificações “por dentro” na gestão chavista, como muitos deles costumam afirmar. Em um cenário de alta abstenção, o chavismo poderia reter o controle do novo Parlamento, afincado em seu poderoso aparelho organizativo político-militar. Seria então a hora de colocar o chapéu de democrata, argumentando ter celebrado uma consulta plural.

Em sua declaração televisiva, Nicolás Maduro se dedicou a destacar “o que muita gente desconhece” sobre a realidade venezuelana. “Mais de 100 organizações de todo o espectro ideológico” participarão desta consulta parlamentar, disse. Além disso, argumentou que historicamente o chavismo “organizou 21 consultas eleitorais, das quais saiu ganhador em 19, conquistando também limpamente a presidência da República e a maioria dos Governos estaduais e prefeituras deste país”.

A Assembleia Nacional Constituinte de 2017 foi convocada unilateralmente pelo chavismo em meio à grave crise de ordem pública daquele ano, quando durante quatro meses houve enormes protestos contra Maduro em todas as ruas do país, com um saldo de 117 mortos e milhares de feridos. A eclosão ocorreu logo depois que o Tribunal Supremo de Justiça, dominado pelo chavismo, em 30 de março de 2017, assumiu funções legislativas e anulou todas as atribuições da Assembleia Nacional, de maioria opositora.

Para a Constituinte, convocada por Maduro em maio, o Governo redigiu suas próprias bases eleitorais, inaceitáveis para a óptica opositora. Convocou eleições sem organizar um referendo consultivo para isso, como obrigava a Constituição de 1999 e como fez em seu momento o próprio Hugo Chávez. No dia da consulta, houve 19 mortos em protestos.

Um poder paralelo

Assumida como “plenipotenciária e supraconstitucional” pela militância do PSUV e pela cúpula militar, a Constituinte se tornou uma espécie de Poder Legislativo paralelo, tutelando o marco regulador do país e emitindo algumas “leis constitucionais”, como a famosa Lei contra o Ódio, que criminaliza a dissidência ao estabelecer penas severas, de 10 a 20 anos da prisão, contra tudo o que for considerado uma incitação ao ódio.

Os conteúdos e debates do hipotético novo projeto constitucional chavista tiveram pouquíssimo destaque, e a própria Assembleia Constituinte reduziu notoriamente sua incumbência pública neste tempo. O constituinte chavista Hermann Escarra chegou a afirmar há alguns meses que o novo texto constitucional do chavismo já está preparado e só espera a oportunidade de ser aprovado.

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