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Dois mortos e mais de 30 contágios pela covid-19 em uma prisão com repressores da ditadura argentina

Presos, considerados grupo de risco por sua idade avançada, foram levados a hospitais penitenciários

Uma mulher sustenta mensagem de repúdio à liberdade de repressores da ditadura argentina, em maio de 2017.
Uma mulher sustenta mensagem de repúdio à liberdade de repressores da ditadura argentina, em maio de 2017.Julian E. Varela (Telam)

O Campo de Mayo é o maior complexo militar da Argentina. Em seus 8.000 hectares abriga numerosos edifícios, entre eles uma prisão com detidos por crimes de lesa-humanidade em que se registra um dos maiores surtos de covid-19 detectados até agora em penitenciárias argentinas: 28 presos e sete carcereiros deram positivo. O Exército confirmou a morte de dois ex-militares presos. São Juan Domingo Salerno, ex-repressor da polícia de Buenos Aires durante a última ditadura (1976-1983), e Edberto González de la Vega, condenado pela explosão de uma fábrica de armamento militar na cidade de Río Tercero, em 1995.

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O primeiro contágio detectado na unidade penitenciária é do final de junho. Luis Muiña, condenado a 13 anos de cadeia por sequestrar e torturar cinco trabalhadores do Hospital Posadas, deu positivo após uma saída médica e foi enviado a um hospital público de Buenos Aires. O nome de Muiña foi associado à maciça mobilização da sociedade argentina em 2017 contra a sentença da Suprema Corte que reduziu sua condenação e abriu a porta à libertação de outros repressores. As suspeitas sobre a origem do surto atual recaem em um dos penitenciários. Diante do surgimento de sintomas em vários presos, se decidiu testar todo o pavilhão.

“São grupo de risco porque têm sobrepeso, idade avançada, mas apresentam um quadro sem inconvenientes”, afirma por telefone a titular do Serviço Penitenciário Federal, María Laura Garrigós de Rébori. Outras fontes, por sua vez, falam de um preso em estado crítico. A unidade penal abriga 70 réus, em sua maioria por delitos de lesa-humanidade, com média de idade de 74 anos. Os que deram positivo para o coronavírus foram enviados a diferentes hospitais e estão sob supervisão médica, enquanto os outros permanecem isolados na prisão de Campo de Mayo, o maior prédio militar da Argentina, na periferia da cidade de Buenos Aires.

Em 19 de março, quando a Argentina declarou a quarentena obrigatória pela pandemia, cinco presos morreram em motins em cadeias em que os presos pediam libertações e medidas preventivas contra os contágios. As visitas de familiares e as saídas provisórias de réus foram suspensas para reduzir ao mínimo a circulação do vírus e a Justiça abrandou as penas de centenas de presos considerados de risco por sua idade e por apresentar patologias prévias. Os repressores encarcerados no Campo de Mayo também solicitaram comutar a prisão por prisão domiciliar. Seus pedidos foram recusados em quase todos os casos por se tratar de crimes graves e por considerar que havia risco de fuga.

Os últimos recursos aos tribunais, por enquanto, também receberam a negativa judicial. “Não pode ser esquecido que o preso [Gonzalo] Sánchez, condenado pela comissão de crimes contra a humanidade, se manteve foragido desde 2005, e se escondeu no Brasil, de onde evitou a ordem de captura, até que pelos enormes esforços feitos pela diplomacia argentina foi recentemente preso pela Polícia Federal brasileira na cidade de Paraty (Estado do Rio de Janeiro), para definitivamente poder ser extraditado a nosso país e submetido ao processo”, afirmou o juiz Alejandro Slokar em uma sentença recente da Câmara de Cassação citada pelo jornal Página 12.

Gonzalo Sánchez, um dos infectados, é acusado de participar do sequestro e desaparecimento do escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh em 25 de março de 1977. O ex-oficial da Prefeitura, a força policial argentina que custodia as vias navegáveis, também é acusado de participar dos chamados voos da morte nos quais a ditadura lançou centenas de sequestrados no Rio da Prata. Após permanecer foragido da Justiça, foi preso no Brasil em maio e extraditado à Argentina, onde foi preso no Campo de Mayo.

Os órgãos de Direitos Humanos se mantiveram em silêncio por enquanto diante do surto de covid registrado na unidade penitenciária do regimento militar. Em abril, o grupo HIJOS repudiou com dureza a libertação do médico Carlos Capdevila, triplamente condenado por crimes de lesa-humanidade. “O que Capdevila fazia na ESMA? Como médico, participou no roubo de bebês e se encarregava de ver quanto tempo mais podiam continuar torturando as vítimas”, disse o grupo através das redes sociais, onde pediu que os repressores cumpram sua sentença na prisão comum e fiquem excluídos de quaisquer benefícios. O Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) não fez declaração públicas, mas em maio alertou em um relatório da superlotação nas prisões argentinas e ecoou as recomendações da Organização Mundial da Saúde de abrandar as penas de presos considerados de grupos de risco.

De acordo com os últimos dados da Procuradoria de Crimes contra a Humanidade, foram negados 73% dos 107 recursos de outorga de prisões domiciliares e outras formas de abrandamento da pena apresentados até 19 de julho. A Procuração Penitenciária da Nação contabilizou até metade de julho 120 casos positivos de covid nas prisões federais argentinas.

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