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Portugal passa de exemplo europeu a pária entre os vizinhos no combate à covid-19

País se tornou destino turístico vetado por vizinhos da União Europeia após ter escalada de casos

Mulheres com máscara em Lisboa, em 23 de junho.
Mulheres com máscara em Lisboa, em 23 de junho.Pedro Fiuza/ZUMA Wire/dpa (Europa Press)

Portugal acordou da sua ilusão na sexta-feira passada, ao receber um balde de água fria do Reino Unido. A inclusão do país ibérico na lista britânica de destinos considerados pouco seguros fez Lisboa perceber sua nova condição de lugar vetado na Europa por causa da gestão da pandemia. Em questão de semanas, Portugal tinha deixado de ser tratado como exemplo ― foi escolhido como sede das fases finais da Champions League ― para virar um destino turístico vetado em uma dezena de países europeus. A razão: os portugueses têm umas das piores cifras de novos contágios por 100.000 habitantes. Há uma semana, só o desempenho da Suécia ― país que resistiu a aplicar um confinamento generalizado ― era pior na Europa. Em 1º de julho, Luxemburgo tomou o segundo lugar dos portugueses, mas as cifras continuam desanimadoras.

Os indícios já vinham se somando. Primeiro, o Governo do socialista António Costa decretou o confinamento obrigatório em 19 bairros da Grande Lisboa por causa do aumento significativo dos contágios. Depois, pouco a pouco os países foram anunciando sua decisão de manter as fronteiras fechadas a viajantes provenientes de Portugal, incluindo Áustria, Finlândia e Dinamarca (onde um governo regional chegou a ameaçar de demissão os funcionários que violem a proibição). Também países como a Bulgária, a República Tcheca e o Reino Unido exigem que indivíduos que tenham visitado Portugal permaneçam em quarentena durante 14 dias ou apresentem um exame negativo da doença.

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Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia na Universidade de Lisboa, assim resume os motivos da nova situação: “Os casos se concentram nos subúrbios de Lisboa, onde há uma alta densidade populacional, onde as pessoas não podem teletrabalhar e de onde têm de viajar em transporte público. Um dos problemas foi a diminuição da frequência das rotas, mas essa parte já se está a solucionar”. Empresas privadas de transporte que haviam dispensado temporariamente parte das equipes operam nas zonas mais afetadas. Só este mês chegaram a um acordo com o Governo para funcionar com 90% da sua capacidade.

Gomes, membro de uma equipe acadêmica que assessora o Ministério da Saúde, acrescenta: “Outro ponto chave é que, depois da reabertura, não se reforçaram os serviços de saúde pública de Lisboa que permitem dar uma resposta rápida ao registro de novos casos e rastrear com agilidade possíveis cadeias de contágio, mas isso é algo que também se está a solucionar”. O próprio prefeito de Lisboa, o socialista Fernando Medina, criticou as autoridades sanitárias pela falta de recursos e pessoal: “Não me parece normal que nos fins de semana se interrompam os testes epidemiológicos. O vírus não descansa”. Fontes da Administração Regional de Saúde de Lisboa e do Vale do Tejo, região que concentra quase 80% das novas infecções no país, informam que 30 médicos reforçaram a equipe de choque regional e que há outros 80 em processo de serem integrados. Além disso, acrescentam, estão sendo feitas campanhas informativas nas ruas, apoiadas por líderes das comunidades mais afetadas.

Ao todo, segundo as cifras da Organização Mundial da Saúde (OMS), Portugal acumula 44.129 casos de coronavírus, com 1.620 mortes. A taxa de novos contágios por 100.000 habitantes não caiu significativamente desde o final de maio no país, segundo dados do Centro Europeu para a Prevenção e Controle de Doenças. Nas últimas duas semanas se manteve acima de 3 novos contagiados por dia para cada 100.000 habitantes; nesse período a taxa da vizinha Espanha não passou de 1. No auge da crise, no final de março, a taxa espanhola chegou a ser de quase 17, enquanto a dos portugueses era de menos da metade. Teresa Leão, médica do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, considera que esse indicador não é o melhor para avaliar a situação geral de um país, embora seja isso que os vizinhos europeus levaram em conta ao vetar Portugal: “O problema com esse indicador é que penaliza os países mais pequenos. É como se ao mesmo tempo se desatasse um incêndio em uma floresta grande e em uma pequena. Na grande o fogo vai demorar mais a consumi-la inteira, embora a resposta em ambos seja a mesma, a menos que na floresta grande as coisas se façam muito mal, como nos Estados Unidos”.

Pedro Caetano, especialista em farmacoepidemiologia e diretor global de uma empresa farmacêutica na região de Oxford, tem uma visão completamente diferente. Já em meados de abril ele tinha alertado na imprensa nacional que as taxas de contágios e mortes não eram dignas de serem comemoradas. “A sensação de tranquilidade que a propaganda do Governo transmitiu é prejudicial, as pessoas se relaxam, acreditam que a ameaça desapareceu. Isto é o que aconteceu em Portugal, por isso pioraram as cifras, que mesmo antes tampouco eram boas”, afirma. “O Reino Unido tem razão com o veto. Portugal, diferentemente da Itália e de Espanha, não passa de um fornecedor de sol para os britânicos. Os turistas do Reino Unido que quiserem praias seguras podem ir à Grécia ou a Chipre.”

O presidente da Associação de Médicos de Portugal, Miguel Guimarães, apontou na mesma direção nesta terça-feira: “A fase de desconfinamento foi feita com muito otimismo, um excesso de otimismo. A mensagem foi de que tudo estava bem, quando não estava, e isso dá às pessoas mais liberdade em sua obrigação de se protegerem a si mesmas e aos demais”.

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