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Aferrado ao poder, Netanyahu se senta no banco dos réus para responder por corrupção

Primeiro-ministro de Israel comparece a audiência do seu julgamento por suborno, que pode resultar em pena de até 10 anos de prisão

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em uma sala do tribunal distrital de Jerusalém, neste domingo.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em uma sala do tribunal distrital de Jerusalém, neste domingo.RONEN ZVULUN / POOL (EL PAÍS)
Juan Carlos Sanz

Benjamin Netanyahu tenta transformar o início de seu processo judicial em uma demonstração de força política. Centenas de partidários do primeiro-ministro e muitos membros do Governo o acompanham desde as 9h deste domingo (hora de Brasília) em frente à sede do Tribunal do Distrito da Cidade Santa, onde o líder político comparece pela primeira vez perante os três magistrados que o julgarão por corrupção. Em sua defesa, não hesita em pôr contra as cordas o Estado de direito, com graves acusações aos juízes e promotores por parte do presidente do Parlamento e de vários ministros. A polícia se mobilizou em Jerusalém Oriental (território palestino ocupado por Israel desde 1967, e onde fica o tribunal) para evitar confrontos com grupos da esquerda israelense, que se manifestam para pedir sua demissão.

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Primeiro chefe de Governo da história de Israel a se sentar no banco dos réus durante seu mandato, Netanyahu sabe bem que seu antecessor imediato no cargo, Ehud Olmert, pagou com 14 meses de prisão por receber comissões numa galinha-morta urbanística. Em meio à complexidade que o cerca desde sua criação, em 1948, o Estado judaico nunca mostrou reparos em processar seus dirigentes e mandá-los para trás das grades. Este foi também o caso de um chefe do Estado, Moshe Katsav, sentenciado em 2010 a cinco anos de prisão por estupro e agressões sexuais. Netanyahu pode agora ser condenado a até 10 anos de prisão se os juízes confirmarem a acusação do procurador-geral em três casos de suborno, fraude e abuso de autoridade. Do sumário do processo emana sua obsessão ilimitada por usar o poder para promover sua imagem.

O processo evoca as investigações contra a máfia, pela presença de arrependidos dispostos a depor contra seu ex-chefe em troca de uma redução de penas, mas também recorda os julgamentos por tráfico de influência em Wall Street, dada a longa lista de nomes de milionário e magnatas interrogados. “Este é o dia de prestar contas, o valioso momento que celebra a força da democracia”, afirma o colunista Anshel Pfeffer no Haaretz. “Mas devemos ver o julgamento como sintoma da moralidade de Israel?”, pergunta-se.

O primeiro Governo de Netanyahu (1996-1999) foi marcado pelo então recente assassinato do mandatário trabalhista Isaac Rabin. Na época, acusou um “Estado profundo”, dominado por promotores e jornalistas de esquerda, de atrapalhar sua carreira política. Depois de uma década de travessia do deserto, retornou ao poder com a pretensão de limitar a supervisão da magistratura sobre o Executivo e obter tratamento favorável a seus interesses nos meios de comunicação. Desde o começo de 2009, continua instalado ininterruptamente na residência oficial da rua Balfour, em Jerusalém, depois de acumular mais de 14 anos em mandatos.

Qualificado pela imprensa local como algo digno da realeza absolutista, o estilo de vida refinado da família integrada pelo primeiro-ministro, por sua esposa, Sara, e por seu primogênito, Yair, foi a primeira pista evidente seguida pela brigada policial anticorrupção Lahav-433. O apreço dos Netanyahu pelo luxo é o eixo central da acusação no chamado Caso 1.000. Até 2016, receberam presentes caros —joias, charutos cubanos Cohiba e champanhe rosé— avaliados em um milhão de shequels (1,57 milhão de reais) das mãos, entre outros, do produtor de Hollywood Arnon Milchan, responsável por sucessos de bilheteria como Uma Linda Mulher e Los Angeles, Cidade Proibida.

Milchan —que nas décadas de 1970 e 80 colaborou com o Mossad, o serviço israelense de espionagem, para a aquisição de componentes de armas nucleares— pode ter recebido em troca milhões de dólares em benefícios fiscais e o respaldo do primeiro-ministro para obter um visto de residência nos Estados Unidos. Os presentes chegavam à rua Balfour em caixas pretas lacradas com códigos criptografados.

A acusação da procuradoria se estende também ao Caso 2.000, que revelou as conexões do governante com Arnon Noni Mozes, editor do jornal Yedioth Ahronoth, o de maior circulação em Israel, para contar com uma cobertura favorável a seus interesses, em troca de medidas legais que melhorassem a difusão do jornal. Noni Mozes mantinha na época uma disputa comercial com o magnata dos cassinos asiáticos Sheldon Adelson, que financia a fundo perdido o jornal gratuito Israel Hayom, o meio mais inclinado a Netanyahu na imprensa hebraica. Adelson esteve prestes a romper com o primeiro-ministro quando veio a público uma gravação de sua conversa com o editor do Yedioth Ahronoth. “Bibi [apelido familiar do mandatário] considera Noni como um inimigo mais perigoso que o Estado Islâmico”, declarou à polícia o bilionário Milchan, também relacionado com esse processo.

A pedra angular do processo de Netanyahu é sem dúvida o Caso 4.000, no qual são investigados favores governamentais de Netanyahu que resultaram em uma vantagem fiscal ao grupo de telecomunicações Bezeq estimada entre 1,5 e 2,4 bilhões de reais. Em troca, a companhia pôs o popular portal informativo Walla a serviço dos interesses do primeiro-ministro e de sua família. O principal acionista do Bezeq, Shaul Elovitch, e sua esposa, Iris, também aparecem como réus no processo por suborno, enquanto Mozes está imputado por fraude.

Documentos em poder da polícia e da comissão que controla a Bolsa de Tel Aviv mostram que entre 2012 e 2017 “Netanyahu e seu entorno mais próximo intervieram notoriamente e de forma regular na redação dos conteúdos do site Walla, ao mesmo tempo em que influenciaram na designação de redatores e editores servindo-se de seus estreitos vínculos com Elovitch”. Seu objetivo era publicar “artigos e fotos elogiosos e suprimir o conteúdo crítico contra o primeiro-ministro e sua família”.

Netanyahu acumulou o cargo de ministro das Comunicações entre 2015 e 2017, por isso era também o máximo responsável político do marco regulatório ao qual estava submetido o Bezeq, grupo empresarial que abrange telefonia fixa, serviço de Internet, celulares, meios de comunicação e plataforma de TV paga.

O tribunal se dispõe a interrogar até 140 testemunhas, entre eles ex-ministros como Tzipi Livni, que foi titular de Justiça e Relações Exteriores, o atual presidente do Knesset (Parlamento), Yariv Levin, e o recém-nomeado embaixador na ONU, Gilad Erdan. As acusações foram resumidas em um sumário de mais de 800 páginas redigido por uma equipe de promotores.

O primeiro-ministro sempre rejeitou todas as acusações, que qualifica como uma “caça às bruxas” desencadeada pela esquerda a partir de seus feudos na polícia, no Ministério Público e na imprensa. Alega que nunca interveio nas concessões públicas ao Bezeq, que eram feitas por técnicos do ministério; que é habitual que políticos e jornalistas mantenham contatos, e que contava com autorização da Procuradoria Geral para receber “presentes de amigos”. Netanyahu alega que o processo representa uma “tentativa de gole de Estado” contra a vontade das urnas.

O princípio de uma condenação midiática

O julgamento de Netanyahu provavelmente se estenderá por muito tempo —Olmert renunciou em 2009 depois das primeiras acusações e só foi para a cadeia em 2016—, mas sua passagem pelo banco dos réus já representa o princípio de condenação midiática que pretendia evitar a todo custo desde que os agentes da Lahav-433 começaram a divulgar suas investigações.

Há apenas uma semana, o conservador Netanyahu conseguia revalidar sua investidura como primeiro-ministro. Apresenta-se perante os juízes ratificado no poder, mas obrigado a compor uma coalizão de última hora —justificada pela emergência sanitária e econômica causada pela pandemia— com seu principal adversário político, o centrista Benny Gantz. Antes, os israelenses tiveram que comparecer três vezes às urnas em menos de um ano, dados os resultados inconclusivos. O líder do Likud perseguia uma maioria absoluta no Knesset (Parlamento) junto com seus sócios da direita ultrarreligiosa e nacionalista para poder garantir sua imunidade à frente do Governo.

Sua tentativa de evitar primeiro a audiência do julgamento, alegando que se tratava de um mero trâmite processual, foi rejeitada terminantemente pela Justiça. Uma amostra de sua crescente debilidade são as manobras políticas que empreendeu na última hora, em que seus partidários ameaçam voltar às ruas contra os juízes por questionarem “um líder eleito pelo povo”. Um de seus escudeiros mais fiéis, o ministro das Comunicações, David Ansalem, qualificou o procurador-geral, Avichai Mandelblit, de “suposto delinquente”. Seguindo recomendações do Shin Bet (serviço de segurança interna), a polícia estabeleceu um serviço de escolta para proteger juízes e promotores relacionados com o julgamento do primeiro-ministro.

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