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Pedido de Madri para abrandar confinamento gera tempestade na política regional

Secretário de Saúde enviou o relatório técnico ao Governo central na última hora, sem o aval da diretora-geral de Saúde Pública, que pediu demissão

Yolanda Fontes, em uma entrevista coletiva em fevereiro.
Yolanda Fontes, em uma entrevista coletiva em fevereiro.Rodrigo Jiménez (EFE)
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Espanha e Coreia do Sul, exemplos opostos de controle epidemiológico do coronavírus
14-03-20. (DVD 992). La ciudad de Madrid practicamente vacia a consecuencia del cierre de tiendas y el servicio de hosteleria por el coronavirus. En la imagen, el paseo de la Castellana.
Jaime Villanueva
Diário de como um vírus parou um país

Carmen Yolanda Fuentes, diretora-geral de Saúde Pública da Comunidade de Madri (região que inclui a capital espanhola), pediu demissão nesta quinta-feira em protesto pela decisão de solicitar que a região entre, a partir da próxima segunda, na chamada fase 1 de retirada das restrições impostas pela crise do coronavírus. Contrariando a opinião dela, o Governo regional fez a solicitação às autoridades nacionais em um documento enviado depois das 22h (hora local) de quinta. Fuentes era a principal encarregada de administrar a crise em Madri, a máxima autoridade técnica nesse âmbito. A Secretaria de Saúde alegou que os relatórios “não precisam ser assinados”. “É um documento com indicadores, com casinhas para preencher. E é entregue pela Secretaria”, disse um porta-voz.

A região de Madri é o epicentro da pandemia do coronavírus na Espanha, com mais de 67.000 casos confirmados e 15.000 mortes vinculadas à doença. A renúncia da executiva ―uma “servidora pública muito metódica e de caráter”, segundo descrevem seus colegas― culmina um momento de fortes tensões dentro do Executivo regional nos últimos dias. Os constantes vaivéns e desencontros entre os partidos PP e Ciudadanos, sócios na coalizão regional de centro-direita, impediam de conhecer a postura e os planos do Governo com relação à pandemia.

Fuentes, que já se opusera anteriormente a um relaxamento prematuro das medidas de distanciamento físico, deixou o Executivo logo antes que a presidenta (governadora) Isabel Díaz Ayuso anunciasse a nomeação como vice-secretário de Saúde Pública e coordenador do plano Covid-19 de Antonio Zapatero, que foi diretor do hospital de campanha da Ifema e é diretor do hospital de Fuenlabrada. Ele assumirá as funções de Fuentes.

Segundo a carta de renúncia de Yolanda Fuentes, a decisão do Executivo regional “não se baseou nos critérios de saúde”, pois predominaram outras questões “políticas e econômicas”

Conforme o Servimedia, Fuentes salientou na sua carta ao secretário de Saúde, Enrique Díaz Escudero, que para iniciar a desescalada do lockdown seria preciso se basear em indicadores tanto epidemiológicos como de atendimento hospitalar, e considera que Madri não os cumpre. Na mensagem, afirma que seu compromisso com a administração pública a impede de concordar com esta decisão e afirma que a solicitação “não se baseou nos critérios de saúde”, que, recorda, devem imperar sobre outras questões políticas e econômicas. Por isso, Fuentes destacava que não tinha “outra opção” senão apresentar sua demissão.

A presidenta Isabel Ayuso reconheceu nesta sexta-feira que o principal critério para solicitar ao governo que mude a região para a fase 1 não é a saúde, mas a economia, e que a renúncia de Carmen Yolanda Fuentes ocorreu porque ela não queria endossar o relatório apresentado por Madri ao Ministério da Saúde. “Um critério médico é sempre estar na posição mais cautelosa, mas para evitar qualquer recuperação, teríamos que ficar em casa para sempre”, argumentou a presidenta, que vê até o risco de um surto social se a economia não for reativada.

A decisão da Comunidade de Madri provocou estupor em outras regiões espanholas, como a vizinha Castela e Leão, que decidiu não solicitar sua passagem à fase 1, entre outros motivos, por sua incidência acumulada: é a mais alta de todas as 17 comunidades autônomas espanholas, 88,14 casos por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias. Madri é a quinta com maior incidência (58,26), atrás também de La Rioja, Catalunha e Navarra.

Em 31 de março se deu o pico de hospitalizados, 15.227. Dois dias depois, em 2 de abril, foi a vez das UTIs baterem recordes de ocupação, com 1.528 pacientes intubados. Os hospitais madrilenhos, submetidos a uma pressão inédita, foram capazes de se adaptar em poucos dias e conseguiram multiplicar por seis sua capacidade nas unidades de pacientes críticos, e por centenas de vezes os leitos para pacientes agudos. Isso faz só um mês.

As consequências de tudo aquilo são agora as que permitem que Madri ―com o contexto atual e com os dados oficiais disponíveis― cumpra os critérios quantitativos, os dois únicos conhecidos de forma concreta, por terem sido publicados no diário oficial espanhol em 3 de maio: “Dispor ou ter acesso ou capacidade de instalar em um prazo máximo de cinco dias entre 1,5 e 2 leitos de tratamento intensivo por 10.000 habitantes, e entre 37 e 40 leitos para doentes agudos por 10.000 habitantes”.

Segundo os critérios do Ministério da Saúde, a região, com 6,64 milhões de habitantes, teria que oferecer entre 24.575 e 26.568 vagas para internação e de 996 a 1.328 leitos de UTI em caso de necessidade. A região as tem, contando com o hospital de campanha da Ifema ―que foi esvaziado de pacientes em 1º de maio, mas permanece montado para o caso de possível recrudescimento da epidemia― e com a multiplicação de leitos já providenciada pelos hospitais, transformando as suítes em quartos duplos ou até triplos. Entretanto, não cumpre a infraestrutura prevista pelo Ministério para passar de fase.

Segundo a Saúde, a avaliação partirá da incidência acumulada, os casos por 100.000 habitantes notificados nos últimos 14 dias, e a partir daí se correlacionará essa cifra com as demais variáveis: a capacidade para isolar e controlar as fontes de contágio confirmadas, ter um sistema de alerta precoce e fazer a vigilância epidemiológica necessária para identificar e conter as potenciais fontes de contágio, a capacidade de atendimento primário e hospitalar e poder garantir a proteção coletiva.

Até esta quinta-feira, a Comunidade não informou sobre reforços em termos humanos ou materiais para alcançar essas metas. Só na terça-feira a presidenta Díaz Ayuso anunciou uma prorrogação até dezembro dos mais de 8.000 profissionais contratados como reforço contra a covid-19, mas ainda não há nada formalizado. E o atendimento primário, que precisa arcar com todo o ônus de acompanhar os pacientes após a alta, fazer testes em massa e manter sua atividade habitual, tampouco foi reforçado e enfrenta esta carga extra de trabalho após anos de cortes por parte do Governo regional.

Agora, está nas mãos do Ministério da Saúde decidir se Madri e as demais regiões que assim solicitaram passarão à próxima fase da desescalada. O anúncio, a ser feito nesta sexta ou no sábado, terá consequências. “Estamos todos assustados com o que pode acontecer? Claro”, admite uma fonte governamental. “Mas é preciso tomar decisões difíceis, que é o que faz a presidenta, e não estão escritas em nenhum manual”.

O que significa entrar na fase 1?

Estas são as mudanças previstas na fase 1 de retirada das restrições na Espanha, com duração de pelo menos duas semanas: permitem-se reuniões sociais de até 10 pessoas respeitando a distância física; abertura do pequeno comércio; abertura de terraços (ocupação de até 50%); abertura de hotéis e de alojamentos turísticos excluindo zonas comuns; os locais de culto terão limitação de 30%; permite-se esporte não profissional para atividades que não impliquem contato físico nem uso de vestiários; feiras livres, com condições de distanciamento entre as bancas; espetáculos culturais para menos de 30 pessoas em lugares fechados (com um terço da lotação) e de menos de 200 pessoas ao ar livre; visita a museus limitadas a um terço da capacidade, e velórios para um número limitado de presentes.

 

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