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“Por favor, não comam pastilhas de detergente nem se injetem nenhum tipo de desinfetante”, pedem médicos

Após desastrosa sugestão de Trump, Maryland registra mais de 100 chamadas sobre as propriedades curativas dos produtos. Serviços de emergências dos EUA alertam para que ninguém leve as palavras do presidente ao pé da letra

O presidente Donald Trump se dirige aos repórteres na Casa Branca, na sexta-feira (legendas em espanhol). JONATHAN ERNST (REUTERS) / VÍDEO: REUTERS
Pablo Guimón

“Lysol”; “Injetar desinfetante”; “Não beba água sanitária”; “Desinfetante”. Encabeçada pela popular marca de produtos de limpeza, esta era a lista de trending topics do Twitter nos Estados Unidos na tarde de sexta-feira. A gozação geral se deve à última incursão de Donald Trump nas tempestuosas águas da ciência. Na quinta-feira à tarde, em sua entrevista coletiva diária sobre a evolução da crise do coronavírus, o presidente se perguntou se não seria uma boa ideia injetar desinfetante no corpo dos pacientes de covid-19 ou expô-los a uma “tremenda luz ultravioleta”, dada a eficácia de ambos na hora de liquidar o agente patogênico fora do organismo.

A comunidade científica saiu em peso para alertar à população contra o perigo de levar as palavras do presidente ao pé da letra. E até a empresa Reckitt Benckiser (RB), fabricante de populares produtos de limpeza e desinfecção como Lysol e Dettol, emitiu um comunicado desaconselhando experimentos do gênero: “Devido à recente especulação e atividade em redes sociais, alguns perguntaram à RB se a administração interna de desinfetantes pode ser apropriada para a pesquisa ou seu uso como tratamento para o coronavírus. Como líderes globais em produtos de saúde e higiene, devemos deixar claro que sob nenhuma circunstância nossos produtos desinfetantes devem ser administrados no organismo humano, seja por injeção, ingestão ou qualquer outra via”, diz o comunicado.

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As autoridades de emergências do Estado de Maryland enviaram um alerta aos cidadãos para lhes pedir que não bebam desinfetante, depois de terem recebido mais de 100 chamadas perguntando sobre seu possível consumo como tratamento para a covid-19. “Este é um aviso de que sob nenhuma circunstância nenhum produto desinfetante deveria ser administrado no organismo, por ingestão, injeção ou qualquer outra via”, tuitou a agência de emergências, sem citar detalhes sobre qual seria a “outra via” possível.

O surgeon general (coordenador federal de saúde pública) dos Estados Unidos, Jerome Adams, se viu na obrigação de advertir às pessoas contra a automedicação. “Um aviso para todos os norte-americanos”, dizia na manhã desta sexta pelo Twitter. “POR FAVOR, sempre consultem seu profissional de saúde antes de se administrar qualquer tratamento ou medicamento a você ou a um ser querido”. Ainda mais explícito foi o serviço de emergências do Estado de Washington (Costa Oeste), em sua advertência divulgada pelo Twitter na noite de quinta: “Por favor, não comam pastilhas de detergente nem se injetem nenhum tipo de desinfetante”. O virtual rival de Trump na eleição presidencial de novembro, o democrata Joe Biden, não deixou a oportunidade escapar. “Não posso acreditar que tenha que dizer isto, mas, por favor, não bebam água sanitária”, tuitou.

As redes sociais e televisões se encheram de elucidações por parte da comunidade científica. “Para quem precisa escutar isto esta noite: os produtos usados para matar diretamente vírus e bactérias normalmente matam células humanas saudáveis também”, dizia no Twitter o médico toxicologista Ryan Marino, dos hospitais universitários de Cleveland. “Por favor, não façam isso. Atentamente, todos os toxicologistas”, tuitava o professor de Harvard Bryan D. Hayes. “Injetar-se ou ingerir qualquer tipo de produto de limpeza”, recordou o pneumologista Vin Gupta na NBC, “é um método habitual para as pessoas que querem se matar”.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, tentou contestar as críticas na sexta-feira. “O presidente Trump diz repetidamente que os norte-americanos devem consultar médicos sobre o tratamento do coronavírus, algo que enfatizou de novo durante sua coletiva de ontem. São os meios de comunicação que irresponsavelmente tiram o presidente Trump de contexto e publicam manchetes negativas”, afirmou.

O próprio presidente disse esta sexta-feira aos jornalistas que estava fazendo uma brincadeira. “Formulava a pergunta de maneira sarcástica aos jornalistas como vocês, só para ver o que acontecia”, disse. Mas nem o contexto nem o tom parecem corroborar a versão oficial oferecida a posteriori.

“Suponhamos que exponhamos o corpo a uma tremenda luz ultravioleta, ou simplesmente a uma luz muito poderosa”, disse o presidente na quinta-feira, depois que Bill Bryan, diretor da Divisão de Tecnologia e Ciência do Departamento de Segurança Nacional, fez uma exposição sobre determinadas medidas para evitar a propagação do coronavírus. “Dito isso, suponhamos que você leva essa luz para dentro do corpo, através da pele ou de alguma outra maneira. Depois vejo o desinfetante, que nocauteia [o vírus] em um minuto – há alguma maneira de que possamos fazer algo assim mediante uma injeção? Porque a gente vê que entra nos pulmões e causa um dano tremendo nos pulmões, então seria interessante testar.”

O certo é que não se trata da primeira vez que o presidente Trump abre mão despudoradamente do rigor científico em seus pronunciamentos aos cidadãos. Já disse que o vírus desapareceria “milagrosamente” com a chegada do calor, deu trela apressadamente a hipóteses científicas não contrastadas, e os perigos são evidentes. Um homem já morreu em março no Arizona ao se automedicar com uma substância para aquários que contém hidroxicloroquina, o mesmo princípio ativo que o fármaco contra a malária cujo uso contra o coronavírus, não respaldado pela ciência, o presidente promoveu alegando que “não há nada a perder”.

Também nesta sexta, a FDA (órgão regulador de alimentos e remédios) advertiu de que as pessoas não devem tomar cloroquina ou hidroxicloroquina para tratar a Covid-19 fora de um hospital ou um ensaio clínico, alegando relatos de “graves problemas de ritmo cardíaco”. “Continuaremos investigando os riscos associados ao uso de hidroxicloroquina e cloroquina para a Covid-19, e quando tivermos mais informação a comunicaremos publicamente”, diz a agência.

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