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“Essa crise mostrou que um bom Governo importa, que eleições importam”, diz Obama ao endossar Biden

Após um ano em absoluto silêncio durante as primárias, ex-presidente pede voto nome que enfrentará Trump

Pablo Ximénez de Sandoval
Obama e Biden.
Obama e Biden.Jonathan Ernst (Reuters)

O ex-presidente Barack Obama declarou nesta terça-feira seu apoio público ao ex-vice-presidente Joe Biden para ser o candidato democrata à Casa Branca nas eleições de novembro. Com o apoio de Obama, fecha-se definitivamente o círculo um processo interno de primárias que começou há um ano com mais de 20 aspirantes e cujo debate girou em torno da renovação de ideias e rostos do partido perante o establishment. O pronunciamento de Obama, que guardou um escrupuloso silêncio durante todo o processo, chega um dia depois de o principal rival de Biden, o senador Bernie Sanders, lhe desse seu respaldo inequívoco em um vídeo conjunto. Na mensagem de Obama, também emitida em vídeo, o ex-presidente apela diretamente ao partido ao propor uma “mudança estrutural real”, assumindo que Sanders e o coronavírus mudaram por completo o discurso democrata em 2020.

“Escolher a Joe para ser meu vice-presidente foi uma das melhores decisões que já tomei. Ele se tornou um bom amigo. Acredito que Joe tenha todas as qualidades que necessitamos em um presidente neste momento”, declarou Obama no vídeo. Assim como deixou claro no começo das primárias que respeitaria o processo mantendo distância, agora que ele foi resolvido Obama anuncia sua intenção de “fazer campanha agressivamente” em favor do candidato, que foi seu vice durante os oito anos que duraram seus dois mandatos consecutivos.

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Seu anúncio ocorre quando já não tem mais nenhuma influência sobre o resultado das primárias. Biden emergiu como ganhador depois de uma virada que entrará para os livros de História. As primárias de Nevada deixaram claro que enquanto houvesse vários candidatos moderados Bernie Sanders podia continuar vencendo por ter o apoio de um terço do partido. Na véspera das primárias da Carolina do Sul, a campanha de Biden convenceu outros dois candidatos a se retirarem para apoiá-lo publicamente. Biden arrasou naquelas primárias e na Superterça subsequente, e continuou ganhando desde então, até tornar impossível uma vitória de Sanders. O senador por Vermont continua na cédula, mas as primárias na prática terminaram quando, na segunda-feira, ele apareceu em uma mensagem conjunta em vídeo dando seu apoio a Biden.

Num país que está em pausa devido à crise do coronavírus e onde ninguém sabe ao certo como será a campanha, o discurso de Obama deu algumas pistas sobre os argumentos que estão por vir. “Vou começar apontando o óbvio, estes não são tempos normais”, começa Obama em sua fala, gravada na sua casa e divulgada nas redes sociais. Talvez em outras circunstâncias a encenação fosse diferente. Obama começa dizendo que “o tipo de liderança que se baseia no conhecimento e na experiência, na humildade e na honestidade, na empatia e na elegância, esse tipo de liderança não tem que estar só nos capitólios estaduais e nas prefeituras. Tem que estar na Casa Branca”.

O democrata adere assim ao primeiro grande argumento de campanha que vai se formando para novembro: a imagem de Donald Trump como um líder caótico, refratário às críticas e aos dados. Milhares de pessoas estão morrendo de Covid-19, e a economia se encaminha para uma recessão sem precedentes em um século. “Joe estava lá quando reconstruímos a economia depois da Grande Recessão e resgatamos a indústria automobilística”, diz Obama. “Ele era quem perguntava como cada decisão política beneficiava a classe média”. Mais ainda, “Joe me ajudou a administrar o H1N1 (o anterior vírus com potencial de pandemia) e prevenir a epidemia do ebola”, diz Obama. “Joe tem o caráter e a experiência para nos guiar em um de nossos momentos mais sombrios e nos curarmos numa recuperação que será longa.”

Se não influencia o resultado das primárias, o discurso de Obama é relevante na tarefa de unificação do partido depois da agitação de uma ampla base esquerdista que via no senador Bernie Sanders a esperança de transformar o Partido Democrata dos EUA numa espécie de partido social-democrata de corte europeu. Joe Biden é a máxima representação de um suposto establishment antigo e carente de ambição progressista que uma parte desse eleitorado vê com muito ressentimento. A tarefa começou cedo, ao contrário do que ocorreu em 2016, e tem o próprio Sanders como seu principal garante, mas neste momento ninguém pode dar esses votos como certos.

Obama diz sobre Sanders: “Os dois sabemos que não há nada mais poderoso que milhões de vozes pedindo mudança. E as ideias que ele tem defendido, o entusiasmo e a energia que inspira, especialmente entre os jovens, serão fundamentais para mover os Estados Unidos em uma direção de esperança e progresso”. É importante que Sanders tenha admitido sua derrota a tempo, mas também que a campanha de Biden assuma boa parte dos postulados do senador para atrair um eleitor a quem as palavras de Obama não dizem nada, como se demonstrou em 2016.

Se há uma coisa que se pode esperar de Obama é a escolha das palavras exatas, na ordem precisa. “O mundo não é como em 2008”, disse. Desde antes da pandemia “estava claro que necessitávamos de uma mudança estrutural real”. Obama pede em seu discurso que o partido “vá além” na expansão da cobertura médica que ele iniciou com o programa Obamacare e “dê a todos uma opção pública” de atendimento médico. Como fazer isso tem sido o principal ponto de atrito entre os democratas e desponta como o grande debate da convenção partidária de junho. “Essa crise mostrou que um bom Governo importa, que eleições importam”, disse Obama. E adverte: “O futuro do nosso país depende desta eleição”.

A atitude de Obama nestas primárias será estudada no futuro como um exemplo de como se fazer de esfinge na política. Com um partido aparentemente muito dividido, os democratas procuraram durante meses em Obama o oráculo que lhes desse uma pista sobre a direção a tomar. Vários candidatos utilizaram suas imagens de arquivo com o ex-presidente nos anúncios eleitorais. O político com mais seguidores no Twitter em todo o mundo deu um jeito de acompanhar o noticiário, de enviar mensagens de boas festas e de se manter em ativo ignorando completamente o que estava acontecendo. Menos um dia. Durante um ato de um grupo democrata em novembro passado, disse que “o americano médio não acredita que seja preciso derrubar o sistema para reconstruí-lo”. Era uma mensagem aos jovens. Suas palavras foram estudadas pelos kremlinólogos democratas para concluir que eram uma advertência contra as promessas revolucionárias de Bernie Sanders e a favor de opções mais moderadas.

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