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“Sai daqui ou você vai nos contagiar, seu filho da...”: médicos argentinos sofrem o repúdio de seus vizinhos

Pandemia multiplica mensagens anônimas contra os trabalhadores da saúde em elevadores e áreas comuns de edifícios

Federico Rivas Molina
Imagem da advertência enviada ao farmacêutico Fernando Gaitán no elevador de seu prédio de Buenos Aires.
Imagem da advertência enviada ao farmacêutico Fernando Gaitán no elevador de seu prédio de Buenos Aires.
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Entregador de alimentos de uma empresa de aplicativos nesta segunda-feira, em Buenos Aires.
Que mundo teremos depois disso?
A man walks past a graffiti of Brazil's President Jair Bolsonaro wearing a protective mask during the new coronavirus outbreak in Rio de Janeiro, Brazil, Tuesday, April 7, 2020. (AP Photo/Silvia Izquierdo)
O futuro pós-coronavírus já está em disputa
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Todas as noites, às 21h, os argentinos se unem num aplauso. Das suas janelas e sacadas, os moradores das principais cidades prestam assim uma homenagem aos profissionais da saúde que expõem o corpo à pandemia. Mas, da porta para dentro, no pequeno mundo dos edifícios, proliferam mensagens pouco amistosas. “Se você for médico, enfermeiro, farmacêutica ou se dedica à saúde!!! Fora do prédio, porque você vai contagiar todo mundo, seu filho da p...!!!”, leu Fernando Gaitán no elevador do edifício de classe média onde vive, em Buenos Aires. Gaitán é farmacêutico. Primeiro chorou de impotência, depois publicou a mensagem nas redes sociais, e mais tarde fez uma denúncia à polícia por discriminação. Seu caso não foi o único.

À evidente pressão do trabalho em hospitais soma-se, no caso de alguns médicos, o repúdio de muitos vizinhos que veem neles uma fonte de contágio pelo coronavírus. Os casos se multiplicaram porque são muitos os que decidiram se mudar sozinhos para apartamentos alugados a fim de se isolarem das suas próprias famílias. Foi o que ocorreu com uma jovem médica do bairro de Belgrano, que até uma semana atrás vivia com seus pais idosos, que são parte do grupo de risco.

No dia seguinte à mudança para a casa nova, um vizinho lhe passou por debaixo da porta um papel impresso em que a ameaçava com um processo penal. “Dado o alto risco criado por sua atividade, comunicou-se à autoridade correspondente a situação de risco gerada para edifício e, até que se tome outra medida, a intima a evitar o trânsito e permanência em zonas comuns”, leu a mulher, que não quis revelar seu nome. A dona do apartamento decidiu publicar a carta nas redes sociais. "A médica me ligou chorando, desesperada. Pedi a ela que me enviasse a carta e comecei assessorá-la legalmente. Também lhe disse que se tranquilizasse, que isto não tinha nenhum valor, e que focasse exclusivamente no seu trabalho”, contou Sylvia, a proprietária, ao site Infobae.

Em vídeo, declarações do presidente argentino Alberto Fernández (em espanhol).

Uma médica de Vila Ortuzar, um bairro muito próximo a Belgrano, viveu uma situação semelhante. Elizabeth Melania Alfaro é oncologista e trabalha no Hospital Garrahan, o centro público pediátrico mais conhecido da Argentina. Na entrada do prédio onde mora, alguém colou um cartaz denunciando-a se insistisse em usar o elevador. “Aqui vivem muitos idosos, população de risco. Tomem medidas para não ter que cair na Justiça. Vocês precisam cuidar de nós e ser responsáveis, pensem nos outros!”, dizia a mensagem.

Na localidade de Venado Tuerto, província de Santa Fe, dois médicos residentes também receberam ameaças durante o fim de semana. “Se você for médico, enfermeiro, farmacêutico e/ou trabalhar em saúde... vá embora!!! Você vai contagiar a todos”, dizia a mensagem afixada no elevador, uma cópia quase textual da que Gaitán, o farmacêutico, tinha recebido em seu condomínio em Buenos Aires. Em todos esses casos, as ameaças chegaram às redes sociais. O de Gaitán, além disso, rendeu o início de um processo judicial. Um promotor pediu que se investiguem digitais e imagens de câmeras de segurança para que o autor das ameaças seja identificado.

O caso do farmacêutico viralizou. Por isso, dias depois, Gaitán recebeu na sua conta no Facebook histórias de colegas que contavam suas próprias experiências traumáticas com os vizinhos. “Uma médica me escreveu e contando que a cada dia, quando se levanta para ir ao hospital, vê como durante a noite os vizinhos borrifaram desinfetante na sua porta e como enchem a calçada de água sanitária. Se alguém não parar isto, vai virar uma loucura”, contou.

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