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Comportamento do coronavírus no calor é chave para previsões sobre seu controle

Especialistas consideram difícil estimar erradicação da Covid-19 e especulam sobre a possibilidade de que doença se torne sazonal

Mulher caminha com máscara em hospital de Berlim, nesta sexta.
Mulher caminha com máscara em hospital de Berlim, nesta sexta.ODD ANDERSEN (AFP)
Pablo Linde

Quando, em 2009, estourou a epidemia de gripe A, Jody Lanard, à época assessora da Organização Mundial da Saúde (OMS), escreveu: “Quero recordar ao mundo que as epidemias de gripe não podem ser contidas. Os esforços para freá-la são úteis. Ganhamos tempo para a educação da comunidade em assuntos como a higiene, para a preparação do sistema sanitário, para desenvolver uma vacina… Mas, ao final, o vírus se espalhará igualmente”.

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O SARS-CoV-2, causador da Covid-19, não é o vírus da gripe. Mas tem semelhanças. Os esforços iniciais procuravam fazê-lo desaparecer entre humanos, como se conseguiu com seu primo-irmão, o SARS-CoV, do qual não se sabe nada há mais de 15 anos, depois de infectar mais de 8.000 pessoas e matar 900 entre 2002 e 2003. Mas esse cenário está cada vez mais distante com o novo coronavírus. “Não me atreveria a dizer que será erradicado, porque isso significaria que não houvesse absolutamente nenhum caso. Mas estamos a tempo de contê-lo”, dizia María Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente da OMS, em entrevista à Agência Sinc.

Embora seja um agente patogênico de descoberta recentíssima, sobre o qual ainda há muito por saber e sobre o qual quase ninguém se atreve a fazer previsões muito taxativas, os especialistas especulam sobre a possibilidade de que se torne sazonal e como ele se adaptará para viver entre os humanos caso se expanda entre boa parte da população e se desenvolveremos imunidade. Fernando Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências Sanitárias da Espanha, cogitava na quarta-feira um cenário em que a última infecção no país ocorra dentro de dois a quatro meses e deu como certo que entre a primavera e o verão desaparecerá. “Outra coisa é que passe à próxima temporada”, ressalvou.

"Estamos trabalhando com a hipótese de que a doença deva continuar com a intensidade atual por mais cinco a sete meses, e que depois provavelmente fique amortecida durante um tempo, até que o vírus retorne no próximo inverno”, afirma Benito Almirante, chefe de doenças infecciosas do Hospital Vall d’Hebron (Barcelona).

Uma das grandes especulações é o que acontecerá com o vírus quando o tempo esquentar. Como Isabel Sola, pesquisadora do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB-CSIC), agentes patogênicos respiratórios desse tipo costumam ter mais dificuldade para contagiarem quando faz calor e a radiação ultravioleta os degrada mais rapidamente, por isso duram menos e a probabilidade de contágio se reduz. Por isso a gripe desaparece no verão.

Mas, de novo, o SARS-CoV-2 não é uma gripe. Não se sabe ao certo como a mudança de estação o afetará, embora vários estudos já tenham feito uma aproximação. Um recente, ainda não submetido a revisão por pares (o processo que busca garantir a qualidade dos artigos científicos publicados) explicava que uma elevação de 20 graus na temperatura ambiente retardaria a reprodução do vírus. Mas acrescentava que isso só freará sua propagação em 18%, enquanto as políticas de contenção e as medidas sanitárias teriam que ser responsáveis pelos 82% restantes. Na mesma linha, um artigo na revista médica The Lancet informava que “os meses quentes do verão no Hemisfério Norte podem não reduzir a transmissão a um valor inferior, como acontece com a gripe A”. Isso quer dizer que, embora se reduza sua capacidade de contágio, não diminuirá tanto a ponto de acabar com o vírus.

Como foram freadas a SARS (síndrome respiratória aguda grave, na sigla em inglês), a MERS (síndrome respiratória do Oriente Médio) e o ebola? “Os quadros apresentados pelos pacientes do SARS-CoV eram muito mais graves, era mais fácil detectá-los e afastá-los da circulação para que não infectassem outras pessoas”, explica José Muñoz, especialista em doenças infecciosas do instituto de saúde ISGlobal. A doença chegou a 27 países, mas em nenhum caso alcançou as dimensões desta nova versão que causa a Covid-19. Embora tenha havido numerosos contágios, sobretudo na China e Hong Kong, os isolamentos foram suficientes na maioria dos países, e em alguns meses ela desapareceu. “Estará dando voltas por algum inseto pela Ásia”, dizia numa entrevista ao EL PAÍS o epidemiologista Antoni Trilla.

Todos esses vírus que chegam às pessoas estiveram em animais. Com alguma mutação passam ao ser humano, seja diretamente ou através e um hospedeiro intermediário, como acontece com o MERS-CoV, transmitido através de camelos. Deste há um fluxo constante de infecções que não cessou desde o primeiro caso na Arábia Saudita em 2012, mas nunca chegou a se propagar porque a transmissão entre humanos é praticamente inexistente.

No caso do ebola, surgiram vários surtos ao longo da história. O último acabou em 4 de março, embora ainda seja preciso transcorrer certo tempo até que a epidemia seja dada como completamente finalizada. Pode-se dizer com bastante segurança que, se não houver focos identificados, ninguém o porta. Ele permanece em primatas, e salta aos humanos provocando essas epidemias. “A vantagem do ebola é que costuma se dar em populações pequenas, por isso sua propagação se autolimita. Quando se estende, isso ocorre na África, que não está tão integrada à globalização, por isso é mais difícil que chegue fora de lá”, explica Muñoz.

Mas o fato de uma doença não ser detectada nem sempre significa o seu desaparecimento. “Existe o conceito de silêncio epidemiológico: não o temos localizado, mas pode ser que esteja circulando, embora em uma quantidade baixa, por isso não são feitos exames específicos e não são detectados”, acrescenta Muñoz.

Jody Lanard, assessora da OMS, acertou em cheio quanto à gripe A. Embora aquele episódio seja lembrado como um vexame, porque não teve as enormes consequências que alguns vaticinavam, o fato é que isso se deveu a uma falha de diagnóstico quanto à sua letalidade, que acabou sendo muito menor que a esperada. Mas o H1N1 se espalhou pelo mundo e acabou convivendo e substituindo outras variedades da gripe sazonal. “Quando isso acontecer [sua expansão], as ações que os países estão fazendo corretamente para frear sua expansão deixarão de valer a pena. Estou falando de medidas como medir a temperatura dos viajantes, localizar e pôr em quarentena os contatos das pessoas que adoeceram”, escrevia.

Tirar a temperatura de viajantes se demonstrou como uma técnica pouquíssimo útil para conter estas epidemias, por isso nem chegou pela maioria dos países na Covid-19. As quarentenas preventivas já foram claramente superadas, ao menos na Espanha. O trabalho agora é conter a doença para não paralisar o sistema sanitário. E, se ela virar sazonal, preparar-se para a próxima temporada, com todas as ferramentas que dê tempo para desenvolver, seja o próprio sistema imunológico de muitas pessoas que já conhecerão vírus, medicamentos a serem desenvolvidos ou vacinas, embora os especialistas não as esperem em menos de um ano, na melhor das hipóteses.

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