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Resultados na Superterça transformam as primárias democratas num duelo Biden contra Sanders

Concentração do voto moderado impulsiona o ex-vice de Obama no principal dia das prévias, com vitórias cruciais sobre o senador socialista no Texas, Virginia e Massachusetts

Amanda Mars
Joe Biden nesta terça-feira em Los Angeles, na Califórnia.
Joe Biden nesta terça-feira em Los Angeles, na Califórnia.Marcio José Sánchez (AP)

A união dos democratas moderados deu frutos nesta Superterça das primárias democratas, a crucial jornada com mais votações estaduais em todo o processo de escolha do candidato presidencial do partido. Joe Biden, que foi vice-presidente no governo de Barack Obama, conseguiu conter a onda de Bernie Sanders com vitórias em 9 dos 14 Estados em jogo, colocando-se como uma alternativa mais do que sólida contra o senador esquerdista de Vermont. A saída de vários candidatos da disputa nesta semana modificou o tabuleiro de jogo em apenas 48 horas e fortaleceu Biden, que há uma semana era dado praticamente como morto. Ele conseguiu troféus valiosos, como o Texas, a Virgínia e Massachusetts, enquanto Sanders conquistou o Estado mais populoso e influente, a Califórnia, segundo projeções da Associated Press —os resultados definitivos da apuração ainda devem demorar. Dadas as expectativas que cercavam o desempenho de Sanders, o triunfo californiano equivale apenas a uma contenção de danos.

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Muito atomizada há uma semana, a disputa democrata torna-se a partir desta quarta um duelo a dois. Especificamente, dois velhos cães da política que há anos sonham com um momento como este. Para Biden, é a terceira tentativa (havia sido pré-candidato em 1988 e 2008). No caso de Sanders, a segunda (perdeu as primárias de 2016 contra Hillary Clinton). Para o partido, uma dúvida hamletiana e outra estratégica: se este é o momento de uma profunda guinada dos democratas à esquerda, um ser ou não ser; e se esta é a melhor maneira de recuperar o voto nos chamados Estados-pêndulos, aqueles que definem o resultado da eleição, e que há quatro anos deram a vitória a Donald Trump.

A noite não serviu para responder a nenhum desses dilemas, apenas para comprovar as chances reais de Joe Biden (Scranton, Pensilvânia, 77 anos), que se lançou à campanha como uma espécie de anti-herói: homem, branco e católico na era de maior diversidade na política norte-americana em toda a história; um membro seleto do establishment contra a onda antiestablishment, um político sem golpes de efeito no império das redes sociais.

Nesta terça, no Texas, Virgínia, Carolina do Norte, Massachusetts, Oklahoma, Tennessee, Arkansas, Minnesota e Alabama —alguns Estados com grande peso. A maioria das vitórias no sul já era prevista, graças em grande parte ao voto afro-americano, mas as do Texas, Virgínia, Massachusetts e Minnesota contrariaram o que as pesquisas prognosticavam apenas quatro dias atrás. No Texas, o segundo Estado mais importante do país (distribui 228 dos 1.357 delegados em jogo na Superterça), venceu por quatro pontos percentuais sobre Sanders (33% a 29%), quando as sondagens das últimas semanas apontavam o senador de Vermont como ganhador. Sanders (Nova York, 78 anos) venceu em Vermont (Estado onde fez carreira política), Colorado, Utah e, segundo as projeções, a joia da coroa, a Califórnia, o Estado mais populoso, com 415 delegados em jogo (são necessários 1.991 para garantir a indicação na convenção nacional de junho). Os resultados definitivos da Califórnia vão demorar a sair. Com 38% dos votos apurados, Sanders despontava como ganhador, mas tinha gosto de derrota. Já de madrugada na Costa Leste, o Maine continuava indefinido, mas o balanço geral era claro em favor do ex-vice-presidente.

Um Biden eufórico se dirigiu ao público em Los Angeles, paradoxalmente num dos poucos Estados onde perdeu. “Não é à toa que chamam de Superterça!”, exclamou. “Vamos trazer todo mundo a bordo, queremos um candidato que ganhe de Donald Trump”, reivindicou, aproveitando para disparar alguns dardos contra seu rival —um político independente, ou seja, não filiado formalmente ao partido—, ao desdenhar de quem promete “uma revolução”, mas não é capaz de mobilizar importantes fatias do eleitorado. “Queremos um candidato democrata, democrata com orgulho.”

Há apenas três dias, a Superterça parecia destinada a coroar um Sanders que liderava as pesquisa e havia dominado as primeiras disputas. Mas houve uma reviravolta radical depois da eleição primária de sábado passado na Carolina do Sul. Biden ganhou com cerca de 30 pontos de vantagem e intensificou a pressão sobre seus rivais moderados para que se deixassem a disputa e fortalecessem a sua candidatura contra Sanders, um autodeclarado socialista que inquieta as bases tradicionais do partido por representar uma guinada à esquerda. Na segunda-feira, Pete Buttigieg, que tinha vencido em Iowa e empatado em New Hampshire, e a senadora Amy Klobuchar, que não conseguia alcançar os dois dígitos de apoio nas pesquisas nacionais, abdicaram das candidaturas e pediram voto para Biden. Dois dias antes, o empresário Tom Steyer havia desistido.

Alguns ilustram muito bem até que ponto a concentração do antes disperso voto moderado beneficiou Biden. Em Minnesota, a média das pesquisas ao longo de fevereiro dava como vencedores, quase empatados, Sanders (26%) e Klobuchar (25%), senadora por esse Estado, segundo os dados do conceituado site de dados e análises Fivethirtyeight. Nesta terça-feira, sem Klobuchar no páreo, deu Biden. Em Massachusetts, onde até três dias atrás Sanders e Elizabeth Warren figuravam em primeiro e segundo lugar, respectivamente, também venceu o político da Pensilvânia. E Warren, senadora por esse Estado, ficou em terceiro.

A campanha da senadora está ferida de morte. Não conseguiu arranhar nem um terceiro lugar nos quatro primeiros rounds das primárias. Os delegados ou representantes que decidem a indicação são distribuídos em cada Estado proporcionalmente aos votos obtidos, desde que a candidatura alcance um piso de 15% das preferências. Na maior parte de Estados em jogo nesta noite, inclusive Califórnia e Texas, Warren ficou por abaixo disso.

A noite também representou um balde de água fria para Mike Bloomberg, bilionário ex-prefeito de Nova York. O dono do império informativo que leva seu sobrenome estreava nas primárias depois de fazer um investimento publicitário de quase meio bilhão de dólares (190 milhões a mais que todos os seus rivais juntos). Conseguiu apenas uma vitória pitoresca, a dos democratas de Samoa Americana, um território insular de 55.000 habitantes no Pacífico Sul. Não mostrou fibra para derrotar seu rival no flanco centrista, Biden, mas sim para arranhar votos que podem vir a ser cruciais numa disputa acirrada.

Fontes de sua campanha citadas pela Associated Press disseram que, depois destes resultados, Bloomberg reverá a manutenção da campanha, abrindo a porta a uma retirada que pode nutrir ainda mais o ex-vice-presidente. O quinto nome na disputa é o de Tulsi Gabbard, deputada do Havaí, de 38 anos, com uma campanha muito peculiar: acusa seu partido de manipular as eleições, recebe elogios da extrema direita e critica as intervenções militares dos EUA no exterior.

Em Vermont, Sanders insistiu na ideia central de sua campanha, a que colocou no seu bolso a maior parte do voto jovem. “Vamos enfrentar o establishment corporativo" e também “o establishment político”, alertou. “Não podemos ganhar de Trump com o mesmo tipo de velha política”, acrescentou. Em 2016, disputou a indicação democrata com Hillary Clinton e, embora os primeiros resultados positivos já servissem de aviso sobre uma nova onda progressista nas bases partidárias, foi desinflando pouco a pouco ao longo do processo. Era um candidato independente, heterodoxo e socialista, e tinha pela frente uma única candidata, muito bem acolhida pelo eleitor tradicional e pelos pesos-pesados do partido. Quatro anos depois, entretanto, Sanders continua monopolizando o flanco esquerdo —a candidatura da Elizabeth Warren, rival nesse setor, não lhe fez sombra—, mas desta vez tinha pela frente uma fila de aspirantes moderados canibalizando-se entre si.

Isso foi até agora. Ainda não há nada decidido, e faltam votar Estados importantes, como Michigan, Flórida, Pensilvânia, Ohio, Nova York e Arizona, mas esta foi a noite de Biden. Também a dos caciques democratas que se lançaram a apoiá-lo (é o candidato com apoios institucionais mais numerosos e relevantes). O objetivo comum é derrotar Donald Trump, e o caminho para isso será decidido nas próximas semanas ou meses. Por enquanto, a noite deixou algo claro: num momento de inédita diversidade política em Washington, com uma participação inusitada de mulheres, a presidência será disputada por três homens brancos septuagenários.


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