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Última guerrilha da Colômbia desafia o Governo com uma “greve armada”

Governo de Iván Duque se declara em alerta militar enquanto o país debate como enfrentar o ELN

Santiago Torrado
Libertação de três militares sequestrados pelo ELN em Arauca, em setembro de 2018.
Libertação de três militares sequestrados pelo ELN em Arauca, em setembro de 2018.AFP

Sem negociação de paz no horizonte, o Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha ativa na Colômbia, conseguiu se fortalecer até se tornar o maior grupo armado do país. Os rebeldes lançaram um novo desafio ao Governo de Iván Duque ao anunciarem uma “paralisação armada” que pretende impedir, sob ameaças, a livre movimentação de pessoas no próximo fim de semana. “Não vamos permitir uma intimidação a mais”, reagiu Duque, que qualifica de terroristas o ELN e outros grupos ligados ao narcotráfico, como o Clã do Golfo.

“A Colômbia está hoje mais unida do que nunca para que se aplique contra eles toda a capacidade de nossa Força Pública e todo o peso da justiça”, disse o mandatário. “Todas as unidades do país estão em máximo grau de alerta para atender a qualquer solicitação de proteção dos cidadãos”, havia declarado anteriormente o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo.

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A guerrilha promete impor uma “greve armada de 72 horas no território nacional” a partir desta sexta-feira. A ameaça foi feita em um comunicado divulgado pelas redes sociais e em panfletos distribuídos principalmente na conturbada região de Catatumbo, no departamento (Estado) do Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela. Entretanto, sua verdadeira capacidade de causar dano é incerta. Nascido sob o influxo da Revolução Cubana há mais de meio século, o grupo guevarista anunciou ações semelhantes em outras ocasiões, mas seu impacto nunca se estendeu a todo o país.

Depois de ter selado há três anos um histórico acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma guerrilha marxista hoje desarmada e transformada em partido político com bancada no Congresso, a Colômbia debate como enfrentar o ELN. O carro-bomba que ceifou a vida de 22 jovens policiais em 17 de janeiro de 2019 na Escola de Cadetes General Santander, no sudoeste de Bogotá, acabou também com a difícil negociação que o então presidente Juan Manuel Santos havia tentado promover na reta final de seu mandato, e que esmorecia desde que Duque – um férreo crítico do diálogo com as FARC – tomou posse como presidente, em agosto de 2018.

O ELN conseguiu não só se fortalecer como também se consolidar em zonas onde já tinha presença histórica, além de se expandir para novas áreas aproveitando o vazio deixado pelo desarmamento das extintas FARC, adverte uma recente radiografia da Fundação Ideia para a Paz (FIP). “Embora sua capacidade militar continue sendo inferior à que as FARC chegaram a ter, na atualidade o ELN é o grupo armado ilegal de maior envergadura na Colômbia”, afirma o relatório, intitulado O Que Fazer com o ELN? – Opções perante a uma derrota militar longínqua e um diálogo improvável. Os cálculos variam, mas as estimavas de inteligência mais recente dão conta de que o grupo teria pelo menos 2.500 membros.

“Embora em algumas zonas do país o ELN tenha as características clássicas de um exército irregular, sua força armada é muito mais difusa e dinâmica, com uma estrutura horizontal entre suas frentes, grande autonomia das mesmas e uma constante deliberação sobre as posições da organização”, aponta a FIP. Sua influência é mais ampla e complexa do que parece. E, nesse contexto, a Venezuela, onde mantém uma presença consolidada, surgiu como uma retaguarda crucial. A guerrilha controla a extração de recursos naturais em algumas regiões desse país.

O ELN, que no começo dependia de recursos financeiros provenientes de sequestros e extorsões – principalmente contra a indústria petrolífera – diversificou suas fontes nas últimas décadas, ampliando sua influência no narcotráfico, no garimpo ilegal e no contrabando. Outro relatório recente, da ONG Human Rights Watch, mostra que os guerrilheiros são a autoridade que manda tanto no departamento colombiano de Arauca como no Estado venezuelano de Apure, em meio a assassinatos, torturas, recrutamento de menores, sequestros e trabalhos forçados.

“O cenário de uma derrota militar do ELN é improvável e poderia conduzir a uma guerra de baixa intensidade com altos custos em termos humanitários e ambientais”, adverte a análise da FIP. Por outro lado, o diálogo é improvável, embora diversas vozes já tenham feito um apelo pela retomada dessa via. Isso inclui o ameaçado líder social Leyner Palacios, da emblemática Bojayá, no remoto departamento de Chocó, na costa do Pacífico, outra das regiões mais golpeadas pela insurgência.

O Governo de Duque fechou essa porta, ao menos por enquanto, e internacionalizou as tensões com o ELN, incluindo-as como parte da luta contra o terrorismo, como deixou claro em uma cúpula internacional do mês passado por ocasião do aniversário do atentado à escola de cadetes. A tensão diplomática vai além da vizinha Venezuela, acusada por Bogotá de ser um santuário para os guerrilheiros. A Colômbia inclusive foi um dos poucos países a se absterem numa votação da ONU sobre a suspensão do bloqueio econômico a Cuba, numa retaliação por supostos “atos hostis” de Havana. O país comunista – que serviu de sede às negociações com as FARC – negou a Bogotá a extradição dos negociadores do ELN que continuam na ilha, protegidos pelos protocolos de ruptura do diálogo.

É possível reabrir um processo de negociação? O futuro do ELN depende da correlação de forças internas entre moderados e radicais, aponta a FIP. A ruptura fortaleceu a chamada “linha dura” da guerrilha, que relutava em aceitar uma saída negociada e comanda as frentes com mais poder, que agem impunemente na Colômbia e Venezuela. A diplomacia desempenha um papel importante para manter abertas as possibilidades de reativar algum canal de diálogo. Sem desconhecer os obstáculos, a FIP recomenda ao presidente colombiano “não queimar os navios com a Venezuela” e recompor, de maneira confidencial e discreta, as abaladas relações com países garantes como Cuba e Noruega. “É urgente que a ala moderada do ELN – agora em Cuba – ganhe espaço e argumentos dentro desta organização (…). Seu isolamento beneficia a ala radical e vai em detrimento da saída negociada”, conclui o relatório.

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