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FMI avisa à Argentina que não pode pegar de volta empréstimo concedido

Porta-voz do organismo recorda que os estatutos impõem limites às renegociações com os sócios

Federico Rivas Molina
Manifestantes em passeata nesta quarta-feira contra a presença de uma missão do FMI em Buenos Aires.
Manifestantes em passeata nesta quarta-feira contra a presença de uma missão do FMI em Buenos Aires.Reuters

O Fundo Monetário Internacional (FMI) impôs um limite claro às ambições negociadoras da Argentina. “A capacidade do FMI para reestruturar sua dívida, adiar o pagamento de parcelas ou recomprar bônus é limitada por nosso marcos de políticas. Não se trata só da Argentina”, alertou nesta quinta-feira o porta-voz do organismo, Gerry Rice, durante uma entrevista coletiva em Washington. No começo desta semana, a vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner havia pedido uma retirada do capital oferecido, por considerar que o resgate financeiro de 57 bilhões de dólares (247,8 bilhões de reais) concedido pelo Fundo ao então presidente Mauricio Macri em 2018 “violou os estatutos do organismo”. “Posso assegurar a todos que não houve violação das regras do FMI”, respondeu-lhe Rice.

O embate entre Cristina Kirchner e Rice marcou o início formal das negociações sobre o futuro de uma dívida externa que a Argentina considera impagável. Está em discussão a devolução dos 44 bilhões de dólares do acordo que o FMI chegou a entregar a Macri, e de outros 64 bilhões nas mãos de credores privados. A ex-presidenta disse em Havana, onde lançou no fim de semana seu livro Sinceramente, que o FMI era em parte responsável por esse endividamento desmedido. Acrescentou que o dinheiro entregue a Macri “financiou a fuga de capitais”, algo que é proibido pelos estatutos do Fundo.

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“Eu me pergunto, quando dizem 'não, não se pode fazer uma retirada do capital do FMI, porque seu estatuto proíbe fazer retiradas’. Mas como que o estatuto do FMI proíbe fazer retiradas? Também proíbe a concessão de empréstimos para permitir a fuga do dinheiro. E por que vamos fazer valer uma proibição e não a outra?”, afirmou a vice de Alberto Fernández. Rice voltou ao assunto nesta quinta. Disse que “não é notícia” que o FMI não pode pegar de volta o capital entregue a seus devedores e rejeitou que tenha havido qualquer violação das normas no resgate financeiro concedido a Macri, o maior da história do organismo. Fim do assunto para Rice, que em seguida tentou diferenciar as declarações de Kirchner do bom andamento das negociações mantidas com Buenos Aires.

“Temos um diálogo muito ativo entre o corpo técnico [do FMI] e o Governo [argentino]. Caracterizamos no passado este diálogo como construtivo e continuo a pensar assim: compartilhamos os objetivos do Governo de estabilizar a economia e proteger os mais fracos com um crescimento inclusivo”, declarou o porta-voz. Do lado argentino, houve palavras duras. Durante uma apresentação no Congresso, na quarta-feira, o ministro da Economia, Martín Guzmán, atribuiu a responsabilidade pela crise da dívida ao próprio Fundo, “por exigir uma política de ajuste fiscal que terminou em recessão”, e aos credores, “que decidiram apostar em uma taxa de juros alta e num modelo que fracassou”. Guzmán advertiu também que os mercados não devem esperar uma política de ajuste fiscal pelo menos até 2023, porque um calendário diferente causaria mais recessão e menos recursos para estabilizar a economia e, finalmente, pagar as dívidas mediante um plano “sustentável”.

Os mercados tomaram nota das declarações de Guzmán, convencidos de que 2023 será a data de partida para adiar os pagamentos. A resposta foi uma alta de 7% no risco-país argentino, que chegou a 2.087 pontos. O índice, elaborado pelo JP Morgan, representa a diferença entre os juros pagos pelos títulos dos países emergentes em relação a papéis semelhantes emitidos pelo Tesouro dos Estados Unidos. Se a Argentina saísse hoje ao mercado vendendo títulos em dólares, pagaria mais de 20% ao ano em juros. A Bolsa de Buenos Aires, enquanto isso, caía mais de 4% no fechamento do pregão, e as ações dos bancos argentinos afundavam 7% em Wall Street.

Trégua inflacionária

O Indec, órgão oficial de estatísticas do Governo argentino, recebeu a missão do FMI com os dados da inflação de janeiro. Os preços subiram 2,3% no mês passado (52,9% no cálculo interanual), contra 3,7% registrados em dezembro. Foi o dado mais baixo desde julho de 2019 e a primeira desaceleração inflacionária em seis meses, resultado do congelamento das tarifas dos serviços públicos e combustíveis decretada por Fernández e da tranquilidade cambial que se seguiu ao controle estatal sobre a compra e venda de divisas. Contudo, a média mensal oculta o fato de que os alimentos subiram 4,7% no mês, em parte por causa do fim da política de redução do IVA a produtos da cesta básica.

A batalha contra a inflação continuará sendo a maior prioridade da equipe econômica argentina. Nem a recessão (o PIB cai a um ritmo superior a 2,5% há mais de dois anos, e espera-se algo semelhante em 2020), nem o torniquete na emissão de pesos foram capazes de detê-la a níveis sustentáveis. O ano de 2019 fechou com uma alta de 53,8% nos preços, e as previsões privadas para este ano, reunidas pelo Banco Central, superam os 40%.

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