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Buenos Aires se rende aos credores e pagará dívida para evitar moratória

Governador Kicillof fracassa na tentativa de adiar para maio um vencimento de 250 milhões de dólares

Enric González
O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof.
O governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof.Fabián Mattiazzi (EFE)

Axel Kicillof, governador kirchnerista de Buenos Aires, teve que se render aos credores. Não lhe concederam o adiamento que pedia, o colocaram a um passo do default, e a vertigem foi excessiva para ele: após assegurar durante semanas que a província não podia pagar e de levar as negociações até o limite, no último minuto decidiu que, sim, pagaria a dívida pública. Kicillof depositará nesta quarta-feira, 5 de fevereiro, os 250 milhões de dólares (1,06 bilhão de reais) que venceram em 26 de janeiro, mais 27 milhões de dólares em juros. Evita-se um calote provincial de consequências imprevisíveis, mas se complica a próxima renegociação do conjunto da dívida argentina: os credores aprenderam que a intransigência dá bons resultados.

O governador bonaerense culpou o fundo Fidelity pelo fracasso das negociações. O gigante norte-americano, que administra em todo o mundo recursos próximos aos 10 trilhões de dólares, aferrou-se à sua posição desde o primeiro minuto. O Fidelity diz deter mais de 25% dos bônus correspondentes à emissão BP21 e, portanto, sua posição era crucial para a aceitação ou não de um mínimo de 75% credores. Sem o Fidelity, não havia acordo possível. “Falamos com mais de 200 credores, um comitê de grandes investidores aceitou nossa proposta e elogiou nossa atitude, mas houve um fundo que podia bloquear, e não teve atitude de diálogo”, afirmou Kicillof a jornalistas. A província, segundo ele, conseguiu o aval de pouco mais de 50% dos detentores de títulos BP21. Não serviu de nada.

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Axel Kicillof ofereceu explicações da forma mais obscura possível. Nem mencionou a palavra default, nem o Fidelity, nem disse com clareza que pagaria o que antes tinha qualificado de impagável. Limitou-se a comentar que na sexta-feira passada havia emitido uma nova dívida em pesos, absorvida por instituições argentinas, e que essa arrecadação, somada a recursos próprios, permitiria fazer frente, “sem participação do Governo nacional”, no pagamento dos 277 milhões de dólares.

O governador tinha feito malabarismos durante semanas para não desembolsar o segundo vencimento do BP21 (o primeiro foi pago normalmente em janeiro de 2019), fixado para 26 de janeiro passado. Primeiro pediu que se o vencimento, tanto da devolução do capital como dos juros, fosse adiado para 1º de maio. Com o fracasso da proposta (só 24% dos investidores aceitaram), ofereceu pagar os juros agora, e deixar o principal para maio.

A data-limite para aceitar ou rejeitar essa oferta era sexta-feira, 31 de janeiro. Naquele dia, Kicillof prorrogou o prazo até segunda, dia 3, e melhorou a proposta: ofereceu o pagamento imediato dos juros e de um terço do capital, e exigiu uma resposta antes das 6h da terça-feira, dia 4. Às 6h de terça-feira prorrogou novamente o prazo, até 13h. Foi inútil. “Falamos com esse fundo pela última vez há 15 minutos”, disse o governador quando o prazo terminou, “mas eles insistem na sua ideia de receber a quantia integral em parcelas, algo que não nos serve”.

Kicillof anunciou que a partir de então se abria “um processo de reestruturação da dívida provincial em moeda estrangeira”. Essa declaração tinha a mesma relevância, muito relativa, que a efetuada semanas atrás, quando proclamou que o pagamento dos 250 milhões de dólares mais juros seria adiado até 1º de maio. Como se comprovou com a peripécia do bônus BP21, são os credores que decidem se uma dívida é reestruturada, quando e como. O único recurso nas mãos da província (e da República Argentina na renegociação da dívida nacional com o FMI e os investidores privados) é não pagar. Ou seja, declarar-se em suspensão de pagamentos, o temido default, ou moratória. E isso significa perder absolutamente todas as fontes de financiamento externo por muito tempo.

O governador bonaerense dedicou boa parte de seu comparecimento a recordar que a província deveria pagar nos próximos quatro anos mais de 3,3 bilhões de dólares, “uma cifra inassumível, impagável, superior a 15% de nossa arrecadação”, e que essa herança procedia do macrismo. Não era o caso do bônus BP21, emitido em 2011 pelo então governador peronista Daniel Scioli, mas em conjunto se ajustava à verdade. A governadora macrista de Buenos Aires durante os últimos quatro anos, María Eugenia Vidal, aumentou a dívida global de 9 para 12 bilhões de dólares, mas nesse tempo o dólar oficial passou de valer um pouco mais de 20 pesos para mais de 60 (80 no mercado paralelo), o que na prática significou mais do que triplicar a carga de endividamento externo da província mais populosa da Argentina.

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