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Bloqueio de Trump condena OMC à pior crise da sua história

Não renovação do principal tribunal de disputas deixa o comércio internacional num limbo

O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo
O diretor-geral da OMC, Roberto AzevêdoDENIS BALIBOUSE (REUTERS)
Luis Doncel

O veto iniciado há dois anos alcançou seu objetivo. A Organização Mundial do Comércio (OMC) está inoperante a partir desta quarta-feira, depois que os EUA impediram a renovação do mandato de dois juízes do Órgão de Apelação, uma espécie de “suprema corte” para a resolução de disputas comerciais entre países. O presidente Donald Trump culmina assim a implosão controlada do organismo que desde 1995 regula o comércio global. O brasileiro Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, esforçou-se nesta terça em apresentar esta crise como uma oportunidade de criar um sistema adaptado aos novos tempos, mas o bloqueio norte-americano ameaça deixar a entidade indefinidamente fora de jogo.

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O Órgão de Apelação é a instância mais poderosa da OMC, com sede em Genebra, pois cabe a ela resolver as disputas comerciais que surjam entre seus 164 membros. Ao se tornar inoperante, os países envolvidos em novos litígios carecerão de um órgão independente para dirimir suas diferenças, ficando à mercê da lei do mais forte. Depois de se retirar do Acordo de Paris contra a mudança climática, de colocar em dúvida o princípio de defesa mútua da OTAN e de abandonar o tratado comercial com países do Pacífico, este é mais um passo do Governo Trump contra a ordem multilateral tecida ao longo de décadas.

“O sistema de resolução baseado em normas não chegou ao seu final. Os membros da OMC querem manter um sistema de resolução de litígios. É preciso procurar uma solução duradoura”, afirmou Azevêdo numa entrevista coletiva em Genebra. Mas seu esforço em apresentar o copo meio cheio não conseguiu afastar a ideia de que a OMC pode estar ferida de morte. “É uma crise grave”, admitiu o representante do organismo, que nasceu há um quarto de século como herdeiro do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês) e que justamente acrescentava como novidade em relação a seu antecessor a existência do Órgão de Apelação.

Agora, Azevêdo insiste em que começará uma rodada de consultas para estudar como o organismo pode superar este “estancamento”. A recusa de Trump em reconduzir os juízes tinha deixado o organismo com apenas 3 dos 7 titulares que o compõem. Nesta terça vencia o mandato de dois deles, o indiano Ujal Singh Bhatia e o norte-americano Thomas Graham, sobrando só a chinesa Hong Zhao. E assim o tribunal perdeu o mínimo exigido para continuar funcionado, que é de três membros.

O descontentamento dos EUA com a OMC é anterior ao atual presidente, pois os norte-americanos consideram injustas algumas das resoluções contra o país. A Administração Obama já havia bloqueado algumas nomeações. Mas só o magnata nova-iorquino deu o passo de sabotar o funcionamento do organismo. Steven Vaughn, ex-assessor comercial de Trump, afirmou à Reuters que a partir de agora muitas disputas serão solucionadas com negociações bilaterais.

Mas é justamente isso que a OMC pretendia evitar: a ausência de um marco comum em 164 países para resolução de conflitos comerciais. João Aguiar Machado, embaixador da União Europeia (UE) perante a OMC, disse na segunda-feira que a paralisia atual ameaça criar um sistema baseado na força, não nas regras. “Sem dúvida, este é o maior golpe ao sistema comercial multilateral desde seu estabelecimento”, havia dito na véspera seu homólogo chinês, Zhang Xiangchen, citado pela Reuters. As dificuldades para reformar a OMC e adaptar esse organismo aos tempos da economia digital são evidentes: é necessário buscar o consenso entre seus 164 países membros.

Iniciativa europeia

Diante desse panorama, a União Europeia buscou impulsionar uma espécie de OMC paralela, sem a participação dos Estados Unidos, que serviria para dirimir as diferenças comerciais. Esta iniciativa encontrou o apoio de países como o Canadá e a Noruega. Mas por enquanto não está claro que dará certo.

A Comissão Europeia prepara, por sua vez, medidas unilaterais perante o bloqueio dos EUA. Bruxelas anunciou que revelará em breve a sua resposta para garantir que possa continuar defendendo seus direitos comerciais na OMC. O anúncio foi feito pelo seu comissário (ministro) de Comércio, Phil Hogan, num comunicado em que lamentou o “duro golpe” para a ordem comercial global.

Em resposta aos jornalistas em Genebra, Azevêdo criticou a adoção de medidas unilaterais. “Esperemos que este processo possa ser detido”, afirmou o diplomata brasileiro, pedindo “soluções negociadas antes de apresentar qualquer medida restritiva do comércio”. Estas medidas unilaterais, acrescentou, seriam prejudiciais à economia global. “Obviamente, a paralisia do Órgão de Apelação não significa o final do sistema de resolução de disputas na OMC”, prosseguiu Azevêdo.

A consequência imediata dessa crise é que as 14 disputas atualmente na instância de apelação ficarão no limbo. Algumas delas esperam uma resolução há mais de um ano, embora, teoricamente, seus juízes tivessem 90 dias para ditar a sentença. A redução de magistrados na instituição vinha contribuindo com esses atrasos.

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