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Em armistício antes da posse, Macri e Fernández se abraçam na Argentina

Dois líderes estabelecem uma harmonia sem precedentes e fazem apelo contra acirramento da polarização. Bolsonaro decide não enviar nenhum representante à cerimônia da posse

Mauricio Macri e Alberto Fernández se abraçam neste domingo depois de uma homilia na Basílica de Luján.
Mauricio Macri e Alberto Fernández se abraçam neste domingo depois de uma homilia na Basílica de Luján.Prensa AF
Federico Rivas Molina

O presidente Mauricio Macri e seu sucessor, Alberto Fernández, se abraçaram por alguns segundos. Eram observados por boa parte de seus ministros, os que se vão e os que chegam, e uma multidão reunida em frente da Basílica de Luján, o maior santuário em homenagem à Virgem Maria na Argentina. O gesto foi ínfimo, mas seu significado político entusiasmou a Igreja, organizadora do encontro. Desde o retorno à democracia, em 1983, as transferências de poder na Casa Rosada foram conflitantes. A mais lembrada data de bem pouco tempo. Em 2015, Cristina Fernández de Kirchner se recusou a passar o bastão a Macri. Quatro anos depois, seu sucessor político, Alberto Fernández, protagoniza uma transferência de poder sem ressentimentos.

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Dessa vez, o gesto de enfretamento ficou por conta do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Segundo noticiou o jornal Clarín e confirmou a Folha de S. Paulo, o ultradireitista desistiu de enviar um representante para a cerimônia de posse, que ocorrerá na terça-feira ― algo que não acontecia desde 1989. Após o resultado eleitoral, o mandatário não cumprimentou Fernández e afirmou que não iria para a cerimônia. Cogitava enviar como representante o ministro da Cidadania Osmar Terra, mas desistiu da ideia após a visita do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e uma comitiva de deputados a Buenos Aires na semana passada. Na reunião com Fernández, Maia transmitiu uma mensagem de pragmatismo e cooperação por parte do Governo brasileiro.

Um abraço “pela paz”

O cenário não poderia ser melhor. Um dia ensolarado, com a imponente basílica de Luján (localizada a 60 quilômetros a oeste de Buenos Aires) ao fundo e o presidente de saída e o novato acompanhados por todos os seus principais assessores. Depois da missa de praxe, o arcebispo Jorge Scheinig conclamou ao abraço da paz. “Estou muito feliz por ter compartilhado a homilia hoje na Basílica de Luján com Mauricio Macri e líderes políticos de diversos âmbitos. A Argentina que vem precisa do trabalho conjunto de todos. Por isso, devemos pôr um fim a essa fenda que tem nos causado tantos danos”, escreveu mais tarde Alberto Fernández nas mídias sociais.

Uma leitura atenta encontra mensagens de Fernández voltadas a Macri. O “trabalho conjunto” foi um pedido de apoio à oposição em um Congresso no qual o peronismo terá que dividir o poder com o macrismo. A referência à “fenda” entre peronistas e Macristas lembra que foi o próprio Macri quem a endossou durante seu mandato, convencido de que o pavor a Cristina Fernández de Kichner lhe propiciava votos. A ex-presidenta não esteve em Luján. Nem tampouco a atual governadora de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, e o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, o único dirigente macrista que foi reeleito. Tanto a governadora como o prefeito disputarão a partir de terça-feira a liderança da oposição ao presidente que sai.

“Todos estamos conscientes sobre o que vem, o que já estamos vivendo no mundo, em nossa América Latina. Precisamos promover uma cultura do encontro (...) Devemos fazer todo o possível para não cair na tentação de querer destruir o outro ”, disse o arcebispo Scheinig. Macri e Fernández escutavam, antes do abraço final. A foto permanecerá como um cartão postal do início do novo Governo, embora não seja certo que sua relevância se sustente no tempo. Fernández culpou Macri por deixar uma economia “devastada” e lhe pediu sinceridade no balanço que fez de seu Governo. Para o presidente que sai, seus quatro anos no poder lançaram as bases para, finalmente, um crescimento sustentado, apesar de que a Argentina soma três anos consecutivos de queda do PIB, o peso perdeu 60% de seu valor, a dívida externa se tornou-impagável e, pela primeira vez desde a crise de 2001, a pobreza rompeu a barreira dos 40 pontos.

O otimismo de Macri atingiu seu apogeu no sábado, durante um evento de despedida na Plaza de Mayo. Diante de dezenas de milhares de pessoas, Macri prometeu a seus seguidores que se tornará um defensor “da democracia, da qualidade institucional e de nossas liberdades”, valores que ele assume para si e questiona no peronismo kirchnerista, que ele considera autoritário e corrupto. Em um pequeno palco que o Governo montou em frente da Casa Rosada, Macri disse que fará “uma oposição construtiva e não destrutiva”. Depois, ele se despediu com lágrimas nos olhos diante de uma multidão que gritava “nós a queremos presa”, em referência a Cristina Fernández de Kirchner, agora vice-presidenta, suspeita de vários casos de corrupção. Terça-feira será o primeiro dia do próximo Governo, e enfim se verá a sinceridade dos gestos.

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