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Mark O’Connell: “Não há nada mais humano do que o desejo de não ser humano”

O filósofo e ensaísta irlandês investiga o fenômeno do transumanismo, essa busca da imortalidade por meio da tecnologia que tanto se parece, diz, com as religiões

Mark O’Connell fotografado no parque St. Stephen’s, em Dublin.
Mark O’Connell fotografado no parque St. Stephen’s, em Dublin.kyran O’brien
Carmen Pérez-Lanzac
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"No sé si llegaremos a fiarnos de los sistemas de inteligencia artificial lo suficiente como para dejarlos a su bola". (<a href="https://elpais.com/elpais/2015/05/14/eps/1431617377_590834.html" target="_blank">En El País</a>).</p>
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Mark O’Connell (Dublin, 1979) sentiu um pânico vertiginoso ante a perspectiva da própria morte após o nascimento de seu filho. Foi algo automático. Levado por esse medo, assumiu a tarefa de se aprofundar no transumanismo, o movimento que busca com a ajuda da tecnologia melhorar nossos corpos e mentes, transcendendo nossa condição humana e alcançando, talvez, a imortalidade. Entre seus propulsores estão alguns dos nomes mais importantes do Vale do Silício, como Elon Musk (fundador da Tesla e do Paypal), Peter Thiel (investidor que apoia jovens empreendedores com suas startups, Mark Zuckerberg entre eles) e Ray Kurzweil (diretor de Engenharia do Google). Em To Be a Machine, O’Connell passa tempo com pessoas que investigam como transferir nossas mentes para computadores, com biohackers que amplificam seus sentidos implantando-se dispositivos eletrônicos sob a pele ou com um grupo de pessoas que pesquisa como proteger a humanidade da superinteligência artificial. O livro, acima de tudo, é uma reflexão sobre o que significa ser humano e sobre nosso antigo desejo de transcender nossa própria existência.

PERGUNTA. O que os transumanistas oferecem ao resto dos mortais?

RESPOSTA. A mesma coisa que a religião até agora: a possibilidade de acreditar que talvez não tenhamos que morrer. Do mesmo modo que a maioria das religiões oferece a transcendência do humano, aqui se dá como certo que a tecnologia oferece a mesma promessa. É uma saída para a morte. E então, tornando-nos mais realistas, proporciona a possibilidade de expansão do horizonte da mortalidade também por meio de tecnologia e de diferentes tratamentos. Da mesma maneira que os telefones celulares nos oferecem terceirizar nossa memória e nosso conhecimento, o transumanismo tenta o mesmo para o nosso corpo. Essa faceta foi o que me atraiu e me levou a me aprofundar nesse movimento.

P. Por quê? O que estava procurando?

“O transumanismo é uma forma de terceirizar a culpa pelo que temos feito ao planeta”

R. Eu queria saber mais sobre o sentimento que instigou Prometeu, que roubou o fogo dos deuses, tornando-se algo superior aos seres humanos que somos. Acho que não há nada mais humano do que o desejo de não ser humano. E o fascínio pelo tanto que nos custa estar em paz com a ideia de que somos meros animais e que um dia morreremos. E que esse é o nosso destino. O transumanismo é a tentativa de fugir disso. Tem um lado muito extremo, mas uma das coisas que me atraem na maioria em seus defensores é como se valem de algumas crenças centrais de nossas sociedades, como a ideia de que a tecnologia é um vetor do progresso humano e que ela nos tirará de qualquer situação. Se você observar o modo como falamos sobre as mudanças climáticas, o tempo todo parece que encontraremos “algo”, algum tipo de invenção, que nos salvará e nos permitirá continuar com nosso modo de vida.

P. Não seria a ansiedade pelo futuro da nossa espécie?

R. Em parte. A ideia de que as tecnologias que estamos desenvolvendo, como a inteligência artificial, nos tornará obsoletos... Não acho que seja realista, mas acho interessante que estejamos internalizando dessa maneira o que fizemos ao planeta. O transumanismo é, entre outras coisas, uma forma de terceirizar a culpa pelo que fizemos ao mundo. Para mim é como um mito. Não acredito que daqui a 100 anos nossas mentes estarão terceirizadas em máquinas.

P.  O que mais lhe chamou a atenção?

R. Que há uma contradição em todas essas pessoas: por um lado, lidam com uma visão muito conservadora, pois se baseia na ideia de que nada muda. Se o capitalismo e a tecnologia seguirem o seu caminho, se não houver mudanças políticas, será possível. No entanto, a ideia de imortalidade ou o prolongamento radical da vida, se fossem factíveis, seria para muito poucos de nós. E se discute muito pouco sobre esta contradição. É um movimento muito individualista. Estão mais interessados ​​no que acontecerá particularmente com eles do que o que acontecerá à humanidade.

P. Como uma viagem egocêntrica?

“Quase não há mulheres: elas se sentem menos atraídas pela fantasia de abandonar o próprio corpo”

R. Na imensa maioria são homens brancos, e há muito pouca reflexão sobre o que significa ser privilegiado.

P. E por que quase não existem mulheres transumanistas?

R. As raríssimas que encontrei tive de procurar. Acho que há algumas razões: o mundo tech é um mundo mais de homens. E há algo mais profundo: o que comecei a perceber conforme ia conversando com seus defensores era a fantasia compartilhada da existência de uma mente humana que é pura inteligência, e esse raciocínio eu acho que é muito atraente para os homens, mas não tanto para as mulheres. Elas parecem menos atraídas pela fantasia de abandonar os próprios corpos. Muitos transumanistas possivelmente raciocinam de maneira ilógica. Em um momento, eu me perguntei: estarei escrevendo um livro sobre o que significa ser homem?

P.  Das pessoas com as quais você se reuniu, em quem você acha que deveríamos prestar atenção?

R.  O neurocientista Randal Koene, da empresa Mind Uploading, me pareceu muito inteligente. O que ele propõe dá a impressão de ser muito doido: transferir nossas mentes para máquinas. Estuda o mapa do nosso cérebro para ver como isso teria de ser feito. Seu projeto é para um futuro muito distante, algo que pode levar gerações para ser alcançado. Muitos cientistas acreditam que em algum momento será possível. Eu também acredito que se deveria seguir a pista das pessoas que inserem chips na pele em Pittsburgh (EUA). Elas coletam dados sobre sua vida na esperança de se otimizarem como pessoa. Eram muito provocadoras e o que fazem é algo palpável. Não falam só do futuro, mas do agora mesmo.

P. No entanto, neste momento, mais do que fascínio pela tecnologia, há medo em relação a ela.

R. Assim que Trump venceu, senti que havia uma mudança muito poderosa. A ideia de que a tecnologia será um vetor de progresso não é mais verdadeira para muitos. Agora olhamos para ela com ansiedade, medo e paranoia. É algo sobre o qual devemos estar vigilantes e nos preocuparmos.

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