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“Eu me envergonho”: o discurso de Joaquin Phoenix no Bafta que insulta e redime Hollywood

Protagonista de ‘Coringa’ demonstra que quase tão interessante como seu trabalho cênico são suas aparições nas cerimônias de premiação

Joaquin Phoenix com seu prêmio Bafta de melhor ator.
Joaquin Phoenix com seu prêmio Bafta de melhor ator.Cordon Press

Na noite deste domingo, cumprindo todas as previsões, Joaquin Phoenix levou o prêmio Bafta (os prêmios cinematográficos dados pela Academia de Cinema Britânica) de melhor ator por seu papel em Coringa. Também, cumprindo os desejos de grande parte do público, fez um discurso emotivo e crítico com relação à indústria.

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O Bafta, assim como o Oscar e o Globo de Ouro, já foi criticado por sua falta de diversidade: nenhuma mulher foi indicada ao prêmio de melhor diretor (Greta Gerwig recebeu críticas maravilhosas por Adoráveis Mulheres, mas não recebeu a indicação, assim como no Oscar), e todos os atores indicados nas quatro categorias de interpretação eram brancos.

“Sinto-me muito honrado e privilegiado por estar aqui esta noite”, começou o ator. “Os Bafta sempre me apoiaram em minha careira, e estou profundamente agradecido. Mas também devo dizer que me sinto em conflito, porque muitos dos meus colegas atores que também merecem [o prêmio] não têm o mesmo privilégio. Acho que lançamos uma mensagem muito clara às pessoas negras: que vocês não são bem-vindos aqui. Essa é a mensagem que estamos enviando às pessoas que tanto contribuíram para o nosso meio e a nossa indústria, fazendo coisas das quais nos beneficiamos.”

“Acredito que ninguém está pedindo caridade nem um tratamento preferencial”, prosseguiu Phoenix, “embora seja isso o que nos damos a nós mesmos todo ano. Essa não é uma condenação totalmente justa, porque me envergonha dizer que sou parte do problema. Não fiz tudo o que está em minhas mãos para garantir que todas as rodagens em que trabalho sejam inclusivas. Mas acho que se trata de algo a mais do que ter equipes multiculturais. Acho que temos que fazer um trabalho mais duro para entender o racismo sistematizado. Acho que as pessoas que criaram, perpetuaram e se beneficiaram de um sistema opressor têm a obrigação de desmantelá-lo. De modo que tudo depende de nós. Obrigado.”

O que ocorreu em seguida foi um pouco misterioso: Phoenix se distanciou da mesa onde havia colocado o prêmio sem levá-lo, o que levou alguns internautas a pensarem que ele o estava rechaçando, como em um protesto. Até que alguém lhe indicou que aquela não era a saída (ele caminhou até o fundo do palco) e que havia esquecido o prêmio. Os discursos de agradecimento de Phoenix se transformaram num evento em si mesmos: no Globo de Ouro, ele deixou o prêmio no chão para proferir um discurso sobre a comida vegana e criticar os atores que usam jatinhos particulares. Um discurso no qual também usou a palavra “fuck”, proibidíssima na TV norte-americana.

O que acontecerá no Oscar? Provavelmente os organizadores já estarão tremendo ante as coisas vergonhosas que o ator pode apontar: nos prêmios da Academia norte-americana, só uma atriz negra foi indicada (Cynthia Erivo, por Harriet) em todas as categorias de atores. E nenhuma mulher foi indicada a melhor diretora. Mas, ao mesmo tempo em que Joaquin pode desnudar as vergonhas da indústria, também a redime: ao deixar que um de seus grandes astros a critique em sua própria cara, Hollywood fagocita seus próprios erros e os regurgita transformados em parte do espetáculo.

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