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“Para mim a vida parou. Viver não é só trabalhar”: a fadiga pelo confinamento está prestes a transbordar

Deixar para trás os planos sociais e os eventos como o Carnaval nos faz perder parte dos estímulos agradáveis da vida e isso nos mete em um círculo de sensações negativas

A fadiga de confinamento começa a ser uma realidade que os psicólogos estão tratando em suas consultas.
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Ilustração teletrabalho
O sonho do ‘home office’ vira pesadelo na pandemia
Ilhan Ruvic, 5, poses for a photograph while holding a picture that he drew during the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, by a window at his home in Zenica, Bosnia and Herzegovina, April 19, 2020. "I drew firefighters because they are heroes," said Ilhan. "I used to draw numbers and letters before isolation... and now I watch a lot of 911 TV series and that is mostly what I draw." REUTERS/ Dado Ruvic  SEARCH "CORONAVIRUS DRAWING" FOR THIS STORY. SEARCH "WIDER IMAGE" FOR ALL STORIES.
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No próximo mês comemoraremos o primeiro aniversário da assim chamada nova normalidade. Um ano de fechamentos intermitentes, restrições sociais, emocionais e até econômicas. E já não aguentamos mais. Estamos física e psicologicamente esgotados. As esperanças depositadas no tão aguardado plano de vacinação, pouco a pouco, se esvanecem. O lento ritmo de aplicação, a confusão na ordem dos grupos prioritários e o atraso na chegada dos insumos para a produção de doses fazem com que a luz que em 17 de janeiro víamos no fim do túnel graças ao sorriso da enfermeira Mônica Calazans, hoje, esteja muito mais dispersa. E tudo isso, no Brasil, sem o Carnaval.

Pela desmotivação cada vez mais tangível, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou há alguns meses o termo fadiga pandêmica para se referir ao quadro físico e psicológico produzido pelas consequências experimentada após quase um ano de crise sanitária.

“A fadiga pandêmica é uma forma de desgaste emocional derivado do estado de hipervigilância, a incerteza em que nos encontramos e a falta de controle que sentimos sobre a pandemia e nossa própria vida. Ainda que no início era visto como o medo inicial à pandemia, pouco a pouco se transformou em um esgotamento generalizado da população”, diz Lidia G. Asensi, psicóloga no Centro Cepsim, de Madri.

Segundo Asensi, “é completamente normal que a essa altura do filme sintamos que estamos em um ponto de saída semelhante ao de março de 2020, mas muitíssimo mais cansados do que na primeira onda”. De modo que cada vez mais psicólogos falem de um esgotamento mais concreto e derivado do quadro descrito pela OMS: a fadiga pelo confinamento e isolamento social. Mas pelo fato de os confinamentos serem uma causa direta do aumento dos contágios, essa fadiga é quase um sinônimo do cansaço acumulado durante meses pela pandemia e cujos sintomas são coincidentes.

Nessa linha, Asensi reconhece que os sintomas que mais vê na terapia “estão relacionados à ansiedade, à apatia, à frustração, à irritabilidade, ao esgotamento e à desmotivação. Com eles, é cada vez mais comum ver que também se manifestam outros de caráter mais físico. Alterações do sono, cansaço, dores de cabeça tensionais, problemas gastrointestinais e sensações físicas relacionadas à ansiedade (falta de ar, taquicardia etc.)”.

Durante esse tempo, não só nos resignamos a renunciar à vida de antes, como além disso permitimos que a incerteza se transforme em uma emoção cada vez mais comum: “Deixar para trás nossas atividades diárias, certas rotinas, o contato físico e, principalmente, os planos com amigos e familiares nos fizeram perder parte dos reforços positivos e estímulos agradáveis da vida. E, ao contrário da primeira onda, talvez agora já não exista esse sentimento de unidade coletiva, e sim um individualismo maior pelo esgotamento acumulado”, opina a psicóloga.

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E em parte é verdade. Substituímos as saídas noturnas pelos stories. O Instagram é uma janela ao mundo e a nossas vidas, para o bem e para o mal. Enquanto há um ano o conteúdo efêmero das redes nos permitia participar dos treinamentos alheios e quase sentir o cheiro dos biscoitos através da própria farinha, agora a impunidade diante de certos comportamentos parecem fomentar mais esse individualismo mencionado Asensi porque, talvez, nos sentimos mais sozinhos e menos acolhidos coletivamente.

Nessa linha e também dentro do marco de comunicação do Instagram, no final de semana passado a psicóloga Jara Pérez ofereceu um pequeno espaço para o desabafo ao ver que a pandemia está prestes a sepultar todos nós sob a areia. E sua percepção não estava errada. Diante da interpelação “coloque aqui sua queixa”, em apenas uma hora seus stories se transformaram em uma espécie de praça pública da lamentação: “Farto da incerteza”; “A constante restrição de minha vida privada me sufoca”; “Atrasam uma operação importante minha o tempo todo”; “Para mim a vida parou. Viver não é só trabalhar. Preciso de amor. Sonhar. Voar. E não me deixam”, são somente algumas das respostas compartilhadas por Jara Pérez e que representam essa espiral de cansaço em que estamos imersos desde março.

A saúde mental é a grande esquecida dessa pandemia, entre outras coisas, porque depende de que cada pessoa individualmente possa pagar sessões de terapia que a ajudem a reduzir os níveis de ansiedade e acalmar os medos que a pandemia está gerando em um número cada vez maior de pessoas.

“O ser humano tem uma grande necessidade de sentir controle. E no caso da pandemia é uma dessas situações que hoje escapam de nosso controle. Não sabemos se amanhã seremos confinados, se ocorrerão novas restrições, se o plano elaborado será anulado por um possível teste positivo e tudo isso nos impede de pensar em planos a longo prazo. A incerteza traz consigo a ideia de não saber o que esperar e isso gera nas pessoas um estado de hiperalerta, medo e insegurança”, diz Asensi.

Para tentar lidar com a fadiga acumulada e também com os próximos meses até que a curva achate, a psicóloga aconselha voltar a focar nas rotinas, no exercício físico e no tempo de lazer pessoal que tanto ajudou algumas pessoas durante o confinamento domiciliar.

“É importante que tentemos nos centrar no que depende de nós mesmos e vivamos o dia a dia. Na medida do possível também é bom que procuremos reforços positivos. O esgotamento emocional chega porque faltam atividades que nos geram bem-estar. Igualmente, é necessário estabelecer momentos de pausa na informação. Desconectar do fluxo de notícias sobre a covid-19 que encontramos na internet, na televisão e no rádio é saudável, o excesso de informação também gera esgotamento”, relata a psicóloga do Cepsim.

Mas tentar realizar pautas como as anteriores não é sinônimo de que tudo ficará necessariamente nos trilhos. Nas palavras da própria Lidia G. Asensi “é preciso se permitir sentir as emoções negativas e normalizá-las pelo contexto que estamos vivendo”.

Assim, do mesmo modo que precisamos tentar normalizar e compreender que a fadiga pandêmica e por confinamento atravessa diversas partes de nossa vida, é conveniente ser indulgentes com as pessoas que nos cercam e não exigir que nossas relações fiquem no mesmo ponto que antes da pandemia. Se o confinamento domiciliar já cobrou seu preço a muitos casais, essa rotina sem planos com amigos e fora de casa não seria diferente.

“É importante que, no caso de dividir moradia, cada um tenha seu próprio espaço tanto para trabalhar como para momentos de descanso e lazer. Também é benéfico que cada membro do casal tenha um tempo para si e, quando este for resolvido, ter tempo para lazer compartilhado. É crucial não exigir que a outra pessoa esteja em perfeito estado. Se nos colocamos nesse ponto, o que estamos fazendo é invalidar o estado emocional do outro e exigiremos algo que talvez ele não possa nos dar, mas que pode causar mais problemas na relação”, diz Asensi, acrescentando que para sobreviver e sair reforçados desse vórtice “é fundamental falar de como nos sentimos, em vez de exigir e nos culpar tanto”.

Com informações de São Paulo.

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