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Yoshiro Mori, presidente do comitê olímpico de Tóquio, renuncia ao cargo após comentários sexistas

Pressões crescentes de várias frentes acabaram forçando a saída do ex-primeiro-ministro japonês, que disse que as mulheres falam demais

O presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Yoshiro Mori, ao anunciar sua renúncia em Tóquio.
O presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Yoshiro Mori, ao anunciar sua renúncia em Tóquio.
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A menos de seis meses dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o presidente de seu comitê organizador, Yoshiro Mori, anunciou sua renúncia nesta sexta-feira, depois de fazer comentários sexistas que causaram polêmica dentro e fora do país. Embora tivesse dito inicialmente que não renunciaria, as crescentes pressões de várias frentes acabaram forçando sua saída. Ainda sem sucessor nomeado, sua renúncia ocorre quando a realização dos Jogos, que foram adiados no ano passado e agora estão previstos para o período de 23 de julho a 8 de agosto, corre o risco de que a terceira onda do coronavírus no Japão não esteja controlada até então.

A derrocada de Mori, de 83 anos, primeiro-ministro do Japão entre 2000 e 2001, aconteceu em nove dias. No dia 3, criticou as reuniões executivas com muitas mulheres, dizendo que demoram muito. “Quando você aumenta o número de mulheres, se o tempo para falar não é limitado, elas têm dificuldade para terminar, o que é muito irritante. As reuniões se tornam muito longas. Elas adoram competir umas contra outras”, declarou em um encontro do Comitê Olímpico do Japão em que se debatia precisamente o aumento da presença feminina —há apenas 5 mulheres entre seus 24 membros; na direção do comitê organizador que Mori presidia, elas são apenas 7 entre os 36 integrantes—, o que provocou uma enxurrada de críticas. Embora tenha se retratado rapidamente (“estou profundamente arrependido”, disse), e inicialmente se recusado a renunciar, depois acabou aumentando a polêmica ao afirmar que não conversa muito com as mulheres. “Ultimamente, não as ouço muito...”, declarou.

O primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, disse no dia seguinte que esses comentários “não deveriam ter sido feitos”. E no dia 5, durante uma sessão parlamentar, enfatizou que as declarações de Mori “são totalmente contrárias à igualdade de gênero, um princípio fundamental das Olimpíadas”. Para os Jogos de Tóquio, a previsão é de que as mulheres totalizarão 48,6% dos esportistas participantes, e o Comitê Olímpico Internacional calcula que a paridade total será alcançada em 2024 em Paris.

Suga foi subindo o tom de sua reação à medida que os dias passavam, embora evitasse responder se Mori deveria renunciar ou não ao comando do comitê organizador, algo que, disse ele, não estava em suas mãos decidir. Outros membros de destaque do governante Partido Democrático Liberal, ao qual também pertence Mori, mostraram-se a favor de que permanecesse, alegando que seria “difícil substituí-lo”, assinalou o jornal Nikkei.

No entanto, uma fonte próxima ao primeiro-ministro tinha alertado que não seria fácil para Mori superar as críticas, acrescentando que também vinham de fora do país. Inicialmente, o Comitê Olímpico Internacional tinha considerado o assunto encerrado depois do pedido de desculpas de Mori, mas depois, quando a polêmica aumentou, o organismo qualificou os comentários como “totalmente inadequados”.

Na quarta-feira, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, disse que não iria a um encontro marcado para 17 de fevereiro com o objetivo de discutir os preparativos dos Jogos, do qual participariam Mori e o chefe do COI, Thomas Bach, porque neste momento as discussões “não poderiam levar a nada positivo”.

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Uma campanha online para pedir medidas contra Mori reuniu mais de 146.000 assinaturas, com a estrela japonesa do tênis Naomi Osaka chamando de “ignorantes” os comentários do ex-primeiro-ministro. Desde as polêmicas declarações, 400 voluntários dos Jogos Olímpicos renunciaram, segundo o Comitê Organizador de Tóquio. Ao todo, há mais de 80.000 voluntários registrados, do Japão e do exterior.

As críticas também vieram da comunidade empresarial. A montadora japonesa Toyota, patrocinadora dos Jogos, divulgou um comunicado na quarta-feira afirmando que “os comentários do líder do comitê organizador diferem dos valores apoiados pela Toyota”.

A saída de Mori ocorre em um momento delicado, quando o plano de realizar os Jogos Olímpicos em julho enfrenta altos níveis de impopularidade no Japão. Segundo uma pesquisa da agência Kyodo, 47,1% dos entrevistados acreditam que deveria haver um novo adiamento devido à pandemia. Outros 32,5% dizem que os Jogos deveriam ser totalmente cancelados, e apenas 14,5% consideram que devem ser realizados na data prevista.

A figura de Mori sempre esteve cercada de polêmicas por seus comentários politicamente incorretos. Quando foi primeiro-ministro, descreveu o Japão como uma “nação divina” centrada na figura do imperador, uma visão contrária ao espírito do pós-guerra. Ele se retirou da política em 2012, depois de quatro décadas como parlamentar, e em janeiro de 2014 ocupou a chefia do Comitê Organizador dos Jogos de Tóquio. Naquele mesmo ano, voltou a ficar no olho do furacão após criticar a patinadora artística japonesa Mao Asada por sua atuação nos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, dizendo que ela “sempre cai no momento mais crítico”.

Figura reconhecida na promoção de eventos esportivos, Mori também foi responsável pela realização da Copa do Mundo de Rúgbi em seu país em 2019, a primeira vez em que esse campeonato ocorreu na Ásia. Ele ocupou a presidência da União Japonesa de Rúgbi durante dez anos. Embora Saburo Kawabuchi, de 84 anos, ex-diretor da Associação de Futebol do Japão, fosse cotado como possível substituto de Mori, esse ex-jogador se recusou a ocupar o cargo, segundo o Nikkei.

Casado desde 1961 com Chieko Maki e pai de um filho e uma filha, Mori disse que membros de sua própria família o repreenderam por seus comentários. “Ontem à noite, minha mulher me deu um bom sermão. Ela me disse: ‘Você disse uma algo ruim de novo, certo? Vou sofrer por isso porque você colocou as mulheres contra você’”, contou ele ao jornal Mainichi. “Esta manhã, minha filha e minha neta também me criticaram”, acrescentou.

Embora tenha pedido desculpas por seus comentários, ao anunciar sua renúncia, Mori indicou não estar de acordo com as críticas contra ele, alegando ter sido mal interpretado. “Não quis dizer aquilo, sempre elogiei as mulheres, incentivando-as a falar mais”, afirmou. Do mesmo modo, considerou ter sido tratado de forma injusta devido à sua idade. “As pessoas mais velhas fazem bem ao Japão e ao mundo. Fico muito triste quando se diz que os idosos não contribuem com coisas boas. Mas minhas queixas não levarão a lugar nenhum”, acrescentou.

Seiko Hashimoto, de 56 anos, ministra encarregada dos Jogos e ex-atleta olímpica, é apontada agora como sua possível sucessora, o que indicaria a intenção do comitê de mudar completamente a tônica e não escolher novamente um octogenário.

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