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Jogadora brasileira de futebol faz vaquinha para poder aceitar vaga e treinar em universidade dos EUA

Joane Ribeiro joga bola desde os 7 anos, mas precariedade do esporte feminino no Brasil a impediu de realizar o sonho de se profissionalizar. Agora, tenta mudar seu destino

Joane Ribeiro, jogadora de futebol.
Joane Ribeiro, jogadora de futebol.Arquivo pessoal
Diogo Magri
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A catarinense Joane Ribeiro, 23 anos, se dedica ao futebol desde que era criança. Foi mais de uma década e meia entre escolinhas de futsal e peregrinações pela base de clubes na tentativa de se profissionalizar como jogadora de futebol feminino e poder viver do esporte no Brasil. Sem sucesso, a jovem vive há três anos em Florianópolis, trabalhando como garçonete e fotógrafa. Mas em 2020 pode ter uma chance de mudar a vida e finalmente realizar seu objetivo: ela conseguiu uma bolsa não integral para estudar e jogar em uma universidade dos Estados Unidos. Como o valor não é suficiente para sustentá-la na Califórnia, Joane deu início a uma vaquinha on-line.

A situação de Joane não difere da de muitas atletas brasileiras que tentam viver do futebol, mas têm dificuldades em levar a profissão adiante no país. Já os Estados Unidos, que tem tradição em conceder bolsas de estudos vinculadas à praticas esportivas, vive uma febre do futebol desde que o país foi sede da Copa do Mundo, em 1994, o que causa reflexos sobre as universidades. Quem abriu as portas para Joane foi a Westcliff University, na cidade de Irvine, próxima a Los Angeles. A instituição foi uma das mais de 300 faculdades que a jogadora mandou uma carta de apresentação com alguns vídeos caseiros dela jogando futebol. Não foi a primeira vez; aos 15 anos, Joane foi convidada por uma agência que sugeriu matriculá-la em uma high school norte-americana onde jogaria e estudaria. Na época, precisou recusar porque não tinha dinheiro para bancar parte dos custos. Agora, quer um destino diferente.

A agência a convidou depois de observá-la jogando futsal em uma escolinha de Belo Horizonte. Joane começou ainda antes, aos 7 anos, em Jaraguá do Sul, onde nasceu e passou os primeiros anos da vida. Jaraguá é casa também da Associação Desportiva Jaraguá, tradicional equipe de futsal hexacampeã sul-americana e casa de Falcão, considerado o melhor de todos os tempos, por seis anos. “No colégio inteiro, eu era a única menina que jogava”, contou Joane. “Os meninos da minha idade me respeitavam em quadra por causa do meu talento, mas eu sofria bullying dos mais velhos. Me tornei uma criança agressiva porque não sofria calada”. Logo entrou na escolinha do Jaraguá e, com 13 anos, já jogava com as equipes sub-15 e sub-17 do time de futsal.

Joane saiu da escolinha porque seus pais se separaram e ela se mudou com a mãe para Belo Horizonte, terra da família materna. Por conta do seu futebol, conseguiu uma bolsa em uma escola particular da capital mineira, mas conta que a perdeu quando começou seu primeiro relacionamento. “A escola cortou a bolsa quando descobriu que eu tinha uma namorada. Eles disseram que não aceitavam relacionamentos homoafetivos. Foi uma época bem difícil, onde tive que me assumir para minha mãe e procurar outro colégio”, diz ela. A jogadora se matriculou em outra escola, mas logo veio o convite para voltar a Santa Catarina e jogar nas categorias de base do Joinville, no norte do Estado, migrando das quadras para o campo. “Fui com o sonho de ser jogadora, mas ali vi que não ia dar”, resumiu Joane. Ela chegou para dividir uma casa com três quartos e um banheiro com mais 10 meninas, “no bairro mais pobre da cidade”. “Não tínhamos nada, estrutura nenhuma”, conta a atleta.

Embora em 2019, a CBF tenha tornado obrigatória a criação de uma equipe de futebol feminino para cada clube participante do Campeonato Brasileiro, a diferença da realidade entre mulheres e homens neste esporte é gritante mesmo dentro de clubes ricos. A atacante da seleção brasileira Cristiane, por exemplo, revelou que as jogadoras do São Paulo precisavam dividir a academia de musculação com os sócios. Já a jogadora Sofia Sena foi dispensada após reclamar que o Sport não disponibilizou um preparador físico para trabalhar com as atletas. O São Paulo reinaugurou sua equipe feminina profissional em 2019 e o Sport, que tinha anunciado a desistência do projeto com mulheres no início do ano passado, recuou e montou a estrutura às pressas quando descobriu que o time masculino seria punido pela CBF caso não cumprisse a obrigatoriedade.

Depois que abandonou a carreira em Blumenau, Joane se mudou para Florianópolis, estudou psicologia e jornalismo, trabalhou em escritórios, shoppings, entregando panfletos e hoje sobrevive como garçonete de uma pizzaria e fotógrafa. Precisa arrecadar 12.000 dólares (em torno de 60.000 reais para bancar um ano de sustento na Califórnia, período no qual não vai conseguir trabalhar. A bolsa não integral dá direito apenas a uma parte da mensalidade universitária. O semestre começa em setembro (à distância, devido à pandemia), e seu embarque está marcado para o fim de outubro, data limite que tem para conseguir a verba. Até o domingo, a jovem tinha conseguido pouco menos de um terço do valor, dos quais uma parte usou para pagar o visto, as várias taxas da faculdade e o primeiro aluguel de um apartamento que vai dividir com outras três meninas em Irvine, próximo à instituição de ensino.

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