Desgastado, Bolsonaro se agarra ao Flamengo e a Silvio Santos
Pressionado por crise da pandemia, presidente surfa em articulação política que tirou futebol da Globo e aliados celebram transmissão de final pelo SBT como vitória do bolsonarismo
Ao vencer os dois jogos da final do Campeonato Carioca, contra o Fluminense, o Flamengo faturou seu 36º título estadual em ambiente nada habitual para o time de maior torcida do país. Um Maracanã completamente vazio, em razão das medidas restritivas impostas pela pandemia de coronavírus. Nos bastidores, a diretoria do clube rubro-negro trabalhou para que a competição fosse retomada ainda em junho, incluindo encontros com autoridades em Brasília. Nesta quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro, que diz ser palmeirense, publicou foto com a camisa do Flamengo durante o jogo transmitido pelo SBT, algo que, ao menos para o bolsonarismo, foi celebrado como um triunfo de seu Governo sobre a Globo.
Para atender ao pleito de dirigentes flamenguistas, Bolsonaro editou uma medida provisória que confere aos clubes o direito de comercializar a transmissão de todos os seus jogos como mandante. O Flamengo, até então, era o único clube do Rio que não havia entrado em acordo com a Globo para o televisionamento de suas partidas no Carioca. Com a MP 984 assinada pelo presidente, mesmo sem ter sido votada pelo Congresso, o clube pode transmitir por conta própria os últimos jogos como mandante no torneio. A Globo, por sua vez, alegando quebra de exclusividade, rompeu contrato com a Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FERJ) e abriu mão de transmitir o restante do campeonato.
Diante da necessidade de turbinar a audiência e o faturamento com a final, o Flamengo costurou acordo com o SBT, que há mais de 15 anos não exibia ao vivo uma partida do clube. A emissora de Silvio Santos tem demonstrado alinhamento ao Governo Bolsonaro, a ponto de o presidente decidir entregar o comando do recém-recriado Ministério das Comunicações a Fábio Faria (PSD-RN), genro do apresentador e dono da rede de televisão. Em junho, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, esteve na posse do ministro e aproveitou a ocasião para acertar os últimos detalhes da MP diretamente com Bolsonaro. Nesta quinta, os outros clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, com exceção de Botafogo, Fluminense, Grêmio e São Paulo, manifestaram apoio à aprovação da medida provisória.
O SBT conseguiu vender seis cotas de patrocínio da final e vai dividir lucros, estimados em 5 milhões de reais, com o Flamengo. Uma delas para a Havan, que patrocina o Vasco e pertence ao empresário bolsonarista Luciano Hang. Além do êxito comercial, a emissora conseguiu bater a Globo em audiência no Rio de Janeiro, embora tenha ficado 12 pontos atrás da concorrente no comparativo nacional. “A MP trouxe essa possibilidade de mais redes de TV passarem os jogos, mais gente podendo ser empregada e trabalhar nesse negócio de estar por trás das câmeras. Tudo isso fazendo a festa do futebol para quem está em casa nesse momento mais difícil de coronavírus”, celebrou Landim, que voltou atrás na ideia de cobrar de torcedores pelo acesso à transmissão pela Internet após protestos da torcida rubro-negra, em entrevista à FlaTV.
Não foi só o Flamengo quem comemorou os números da transmissão do SBT. Vista pelo bolsonarismo como “emissora parceira” enquanto o presidente demoniza a Globo, a rede de Silvio Santos foi festejada nas redes sociais por influenciadores e parlamentares aliados do Governo. O deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ), vinculado a contas removidas pelo Facebook por manutenção de perfis falsos na semana passada, opinou que a partida no SBT estaria “acabando com o monopólio da Globo” ao enaltecer a boa audiência no Rio. “É o que acontece quando você trabalha contra o Brasil, desinformando ao invés de informar. Chora, Globo!”, postou o deputado.
Membros do Governo também comentaram sobre o jogo. “SBT bateu a Globo e impôs a primeira derrota ao Jornal Nacional desde 2015. Grande noite!”, publicou Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares. Já Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação agora subordinado ao Ministério liderado pelo genro de Silvio Santos, parabenizou o SBT e anunciantes pela transmissão ao elogiar a MP editada por Bolsonaro. “Noite histórica para os amantes do futebol e da TV”, escreveu Wajngarten.
Com imagem desgastada em meio à crise da pandemia, não é a primeira vez que o presidente e seus aliados recorrem ao futebol e ao Flamengo para tentar estancar a queda de popularidade do Governo durante crises políticas. No ano passado, Bolsonaro apareceu nas tribunas do Mané Garrincha ao lado do então ministro da Justiça, Sergio Moro, para acompanhar o jogo dos rubro-negros contra o CSA. Ambos posaram para fotos vestindo camisas do time. A exposição no estádio aconteceu três dias depois do The Intercept revelar mensagens vazadas de Moro, que colocaram em xeque a imparcialidade do ex-juiz da Lava Jato. Dessa vez, o presidente se escorou no interesse comum de afrontar a Globo e apoiou o movimento liderado pelo Flamengo para acelerar a volta do futebol no Rio, em sintonia com a narrativa do Governo em prol do afrouxamento das medidas de isolamento social.
Em 2001, o SBT viu a concorrência com a Globo acirrar depois que o Vasco estampou seu logotipo na camisa para disputar a final da Copa João Havelange, cujos direitos de transmissão pertenciam à emissora carioca. Tratava-se de uma espécie de vingança de Eurico Miranda, que presidia o clube de São Januário e havia se indignado com a cobertura da Globo sobre a queda do alambrado em seu estádio no jogo contra o São Caetano. “Foi uma homenagem do Vasco ao SBT”, ironizou, na época, o cartola.
Apesar da celebrações clubista e governista em torno da audiência da final, o Campeonato Carioca, primeiro torneio estadual a ser retomado no país, não escapou de um desfecho melancólico diante das controvérsias fora de campo. Botafogo e Fluminense, que eram contrários à volta apressada do futebol, terminaram a competição sob protesto e levaram ao gramado faixas contra a FERJ, que resolveu processar ambos os clubes exigindo indenização por danos morais e retratação pública. Na véspera da semifinal, diretorias botafoguense e tricolor haviam divulgado um manifesto qualificando os trâmites para reiniciar o campeonato como “show de horrores” por desprezar os impactos da pandemia no Estado com a maior taxa de mortalidade do coronavírus.
“Honrados em mantermos nossa posição e nossos princípios é que protestamos contra o que se está vendo do atual cenário do futebol do Rio de Janeiro”, dizia a carta firmada pelos presidentes de Botafogo e Fluminense. “Uma cena triste cujo pano de fundo é este momento tão difícil da história nacional, quando vidas estão sendo ceifadas não apenas pela pandemia, mas também a golpes de insensatez e de falta de empatia.” Na mesma semana do manifesto, o SBT anunciava que irá transmitir um filme de comédia por semana a partir de outubro. “Um presente do SBT após a pandemia”, cravou a emissora da final carioca, que, embora autoridades mundiais em saúde estimem que as medidas restritivas devem se estender pelo menos até o fim do ano, encontrou uma brecha na crise sanitária para faturar com os embates políticos da bola.
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