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Corpos de pandemia

As marcas do confinamento são perceptíveis no nosso físico. Parece que envelhecemos uma década em pouco mais de um ano

EPS 2342 PLACERES CARPE DIEM
CARLA BERROCAL
Karelia Vázquez

Rígido, ombros encolhidos, cabeça afundada. Pernas pesadas. Quadris fechados e articulações doloridas. Impaciente. Irritável. Vista cansada e pele seca. Temos um corpo de classe turística de voo transoceânico em uma companhia aérea low cost. Porém, não fizemos essa viagem, mas outra que nos levou do sofá à mesa, da mesa à cama, e assim por diante. Com pouco gasto calórico e muita angústia. Arrastamos um corpo de pandemia que também é mais pesado –entre um e três quilos a mais– e que há um ano aperta a mandíbula.

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Os subprodutos de meses de confinamento e teletrabalho começam a chegar aos consultórios de fisioterapeutas, psiquiatras, traumatologistas, oftalmologistas. Sim, com a pandemia, seu investimento em academia dos últimos anos desapareceu. Gordura acumulada em locais pouco habituais, rigidez no pescoço e dores na região lombar por causa das longas horas de teletrabalho em cadeiras projetadas para sentar-se para jantar durante meia hora. Corpos ansiosos que administraram a incerteza tensionando cada músculo e passando noites em claro. “Nós lutamos contra o estresse apertando a mandíbula”, diz a fisioterapeuta Lida Herraiz, da clínica de quiropraxia Gonzalo Vidal. “Nesta temporada, quase 80% das pessoas que trato têm esse gesto de tensão acumulada”.

A Sociedade Espanhola para o Estudo da Obesidade (SEEDO) afirma que 49,8% dos espanhóis ganharam peso até agora na pandemia. Com os rituais diários de se levantar, vestir, se apressar e usar o transporte público proscritos, a atividade física foi reduzida ao mínimo. Um ano depois, vestir algo diferente de um agasalho esportivo é um desafio. O declínio abrupto do que os especialistas chamam de atividade física incidental –os movimentos para o funcionamento diário, desde se vestir até descer escadas– virou tudo de cabeça para baixo. “De um dia para o outro, todos os rituais foram abandonados, o que significa perder pontos de referência vitais, ficar sem âncoras e entrar em uma sensação de perda de controle”, diz Carlos María Alcover, professor de Psicologia Social da Universidade Rey Juan Carlos, que lembra que existe uma relação direta entre os estados de ansiedade e a compulsão alimentar.

Os que tentaram praticar esporte em casa não se salvam. Os especialistas dizem que mesmo aqueles que nunca se machucam ficaram lesionados. “Os esportistas que improvisaram uma academia em casa sofreram um impacto significativo em seu corpo treinando em pisos não técnicos, também houve muitos principiantes que decidiram começar a praticar esporte por meio de telas sem a supervisão de um especialista”, diz Sara Álvarez, fundadora da academia Reto 48, e acrescenta: “Houve mudanças bruscas no corpo: perdemos um pouco de músculo no caminho e ganhamos alguns quilos. Ou mais”.

Um estudo da Universidade de San Francisco deu números a esses quilos extras. De acordo com uma medição realizada com cidadãos norte-americanos entre fevereiro e junho de 2020, para cada mês de confinamento, ganharam 0,70 quilos de peso. Os pesquisadores identificaram três causas: redução significativa dos passos diários, mudanças drásticas nos padrões de vida e aumento de lanches e de refeições de todo tipo. “O aumento de peso causou desolação em muitas pessoas”, observa Sara Álvarez. “É a prova da claudicação, de que a vontade se perdeu, além da força e da capacidade pulmonar. Toda mudança física tem consequências mentais, e isso foi difícil. A boa notícia é que o corpo tem memória e com perseverança e esforço é possível voltar ao ponto em que estávamos antes da pandemia”.

Em um ano submetidos à crueldade de uma câmera frontal mal iluminada durante longas sessões de Zoom, examinamos nosso rosto como nunca antes e descobrimos coisas que não sabíamos que estavam ali. Paz Torralba, diretora da The Beauty Concept, diz que o confinamento também cobrou seu preço. “Maior flacidez no rosto, envelhecimento prematuro, olheiras e rugas marcadas, retenção de líquidos e gordura depositada em lugares onde antes não havia”.

A máscara colocou o foco das atenções no olhar, e justo aí vão as preces dos clientes das consultas dos centros de beleza. Agora se presta mais atenção ao rosto do que ao corpo, especificamente aos pés de galinha e às rugas da testa. Pedem-se tratamentos com resultados imediatos. Por exemplo, preenchimentos dérmicos, toxina botulínica, anti-manchas e fotorrejuvenescimento. E embora as mulheres sejam maioria, um em cada cinco homens também buscou melhorias estéticas. A alopecia é o drama deles. A revista The Economist fala sobre o boom da indústria e cita um aumento de 10% nos procedimentos estéticos nos Estados Unidos, 20% na França. A SECPR E (Sociedade Espanhola de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética) fala de um crescimento entre 25% e 30% em alguns centros.

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Nosso novo eu é um kamikaze, toma decisões piores e tem sede de vingança. Estas são as conclusões de um estudo do grupo Open Evidence da Universidad Oberta de Catalunya, que afirma que depois de dois meses de confinamento as habilidades cognitivas foram prejudicadas nos 5.000 cidadãos da Espanha, Itália e Reino Unido estudados. “Durante a primeira onda, o debate entre saúde e economia estava em alta”, lembra Francisco Lupiáñez, professor da UOC, “e o que conseguimos demonstrar foi que o confinamento tampouco saía grátis”.

Se no ano passado você sentiu que envelheceu uma década repentinamente, você não está sozinho. Cerca de 2,9 bilhões de pessoas, mais de um terço da população mundial, o acompanham.

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