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Iván Duque propõe aumentar impostos para cobrir rombo fiscal criado pela pandemia na Colômbia

Reforma tributária, a primeira da América Latina motivada pela crise do coronavírus, deve ter tramitação complicada no Congresso

Santiago Torrado
Ministro de finanzas de Colombia
O ministro da Fazenda da Colômbia, Alberto Carrasquilla, durante um congresso de empresários em agosto passado, em Medellín.DAVID ESTRADA (Reuters)
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Handout picture released by Colombia's Defense Ministry press office showing Colombian Defense Minister Carlos Holmes Trujillo (C) at a security council flanked by the Armed Forces Commander, Gen. Eduardo Zapateiro and Antioquia department Governor Anibal Gaviria in Betania, Antioquia Department, Colombia on November 22, 2020. - According to authorites, eight people who worked at a a coffee farm were killed by criminal bands in Betania on the eve. (Photo by Handout / COLOMBIAN MINISTRY OF DEFENSE / AFP) / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT 'AFP PHOTO /  MINISTERIO DE DEFENSA DE COLOMBIA' - NO MARKETING - NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS
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O Governo de Iván Duque apresentou nesta quinta-feira um projeto de reforma tributária que busca cobrir o rombo fiscal causado pela pandemia nas contas públicas colombianas. Seria a terceira reforma tributária do seu mandato, e a primeira em um país latino-americano desde que o coronavírus causou uma reviravolta nas agendas políticas e econômicas da região. O projeto enviado ao Congresso propõe uma retomada dos “caminhos sustentáveis de endividamento”.

“O impacto fiscal causado pela crise da pandemia implicou uma visão que não se limita ao ano 2020, mas também nos afeta em 2021”, disse o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, em uma entrevista coletiva na qual apresentou o pacote. O Ministério de Fazenda calcula que o déficit fiscal em 2020 ficou em 7,8% do PIB e pode subir para 8,6% neste ano. “Precisamos fazer política fiscal levando em conta muitíssimas considerações. A primeira e mais importante, num sentido de médio e longo prazo, é que temos que reverter os aumentos importantes no endividamento”, destacou.

A reforma, que o Governo insiste em qualificar como “social” e que foi batizada de Lei de Solidariedade Sustentável, impactará o bolso dos colombianos e deve ter uma tramitação complicada no Legislativo, já voltado para as eleições de 2022. Ela veio precedida de uma polêmica em torno do aumento do IVA (imposto sobre consumo) para produtos básicos, como açúcar, sal, chocolate e café, uma medida da qual o Executivo afinal desistiu. No entanto, o texto de 110 páginas enviado na quinta ao Congresso estipula um IVA de 19% para os serviços públicos dos estratos 4, 5 e 6 ―a metade superior do consumo no sistema colombiano. A cesta de bens taxados passaria de 39% para 43%, segundo o Ministério da Fazenda. Também aumentará de maneira escalonada a base de contribuintes que precisam pagar imposto de renda, que passará a abranger colombianos com renda superior a 2,5 milhões de pesos (3.890 reais).

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Teto de gasto

Quanto ao gasto público, fica estabelecido um teto ao orçamento nacional, com aumentos sempre inferiores às metas anuais de inflação até 2026. Durante um semestre, Duque gozará de autoridade extraordinária para liquidar e reestruturar órgãos públicos a fim de reduzir despesas. Ele também se compromete a fortalecer e focalizar o gasto social visando à redução da pobreza ―propõe que o programa de Renda Solidária criado para mitigar a pandemia se torne uma renda básica permanente, num valor que pode variar do equivalente a 110 a 840 reais por família, dependendo do nível de pobreza.

A reforma “é necessária para manter a credibilidade, a confiança que sempre existiu em nosso país, num momento em que todo o planeta estará competindo por recursos de crédito nos próximos anos”, afirmou Duque na quarta-feira. Em todas as discussões que antecederam a apresentação do projeto, o presidente tentou destacar um componente social. “Falar de [reforma] tributária não é correto. Explico da seguinte maneira: a pandemia trouxe quatro grandes efeitos ―pobreza, desemprego, déficit e endividamento. Hoje temos que conciliar uma ambiciosa agenda social para conter os efeitos em termos de pobreza e desemprego, e ao mesmo tempo estabilizar as finanças públicas”, defendeu o mandatário em uma entrevista ao EL PAÍS há um mês.

Em seu relatório anual intitulado Going for Growth 2021, divulgado na quarta-feira, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) afirma que tem havido na Colômbia “um progresso limitado em reformas estruturais, em parte relacionado às dificuldades na construção de um consenso amplo em favor delas”. “No final de 2018”, prossegue o texto, “as autoridades aprovaram uma reforma tributária muito necessária e bem-vinda, que no entanto foi anulada pela Corte Constitucional, o que obrigou o Governo a aprová-la novamente no final de 2019. Este longo processo consumiu um capital político significativo. A crise da covid-19 poderia reavivar o apetite por discutir mais reforma estruturais, mas, com as eleições em 2022, a janela política para isso é curta”, advertia a OCDE, organismo ao qual a Colômbia se filiou no ano passado.

Aquela reforma, chamada Lei de Crescimento Econômico, reduzia de maneira progressiva os impostos das grandes empresas, o que acabou alimentando uma onda de protestos populares contra Duque em 2019. A rua só se esvaziou quando foram decretadas as medidas de confinamento devido a uma crise sanitária que, ao mesmo tempo, agravou o mal-estar social. Apesar de a Colômbia atravessar atualmente a terceira onda da pandemia, organizações operárias e estudantis já convocaram uma paralisação nacional contra a nova reforma para o próximo 28 de abril.

Ajudas sociais

A quarta maior economia da América Latina sofreu uma contração de 6,8% no seu produto interno bruto (PIB) em 2020, a maior desde o início dos registros. Ao fazer transferências a famílias vulneráveis, gastou em ajudas, empréstimos e garantias o equivalente a 5,7% de seu PIB, segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional, e nesse contexto sua dívida pública cresceu. O Governo precisa aumentar a arrecadação em pelo menos 15 trilhões de pesos (23,3 bilhões de reais, quase 1,5% do PIB local), embora o texto se proponha a arrecadar em torno do 2% do PIB a mais.

Os projetos de reformas tributárias na Colômbia costumam ser apresentados como planos estruturais para que sofram emendas no Congresso, e o atual enfrentou enormes resistências antes mesmo que o Governo revelasse seus termos. Embora Duque tenha conseguido consolidar maiorias legislativas que antes lhe eram esquivas, líderes políticos de diversos setores manifestaram restrições. “Vai acabar com a economia colombiana”, fustigou o ex-presidente liberal César Gaviria, enquanto o ex-vice-presidente Germán Vargas Lleras, do partido Mudança Radical, a qualificou como “verdadeiro despropósito nacional”.

“Algumas agências qualificadoras de risco deram boas-vindas à reforma, mas não darão um veredicto enquanto o projeto não tiver finalizado seu trâmite legislativo”, adverte a consultoria Colombia Risk Analysis em nota a seus clientes, antecipando possíveis emendas em função das conveniências políticas dos partidos. “O que estão procurando é que o Governo tenha uma estrutura de arrecadação sustentável em longo prazo, que alinhe sua estrutura tributária aos padrões da OCDE, inclua um plano sério para poder reduzir o endividamento e que ajuste substancialmente o déficit fiscal e o gasto. Claramente, será um esforço titânico para o Governo poder alinhar o gasto público, o déficit fiscal, a estrutura tributária e expandir os subsídios durante o atual ciclo político”, conclui a consultoria.

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