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Covid-19, um pesado retrocesso nos avanços da mulher latino-americana

As mulheres carregaram silenciosamente o fardo da crise e são também as mais afetadas em termos de emprego e renda

mujeres peruanas durante coronavirus
Mulheres trabalhadoras em Lima, Peru.Victor Idrogo (Banco Mundial)
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17/02/2021: Retrato de la guía turística Tatiane Araújo da Silva, de 36 años, en Piedra Arpoador, en la playa de Ipanema, donde solía llevar turistas a uno de los puntos turísticos más importantes de la ciudad de Río de Janeiro, estado de Río de Janeiro, Brasil. Desde el inicio de la pandemia, Tatiane ha visto colapsar su sector profesional debido a las restricciones al turismo y la entrada de extranjeros al país. Para seguir la vida intenta reinventarse como persona que se adentra en el mundo artístico e innova la profesión realizando recorridos virtuales online a través del ordenador.
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Não há muito o que comemorar. É esse o clima às vésperas do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Será sem presentes, sem “Feliz Dia da Mulher”, sem comemorações. Quase um ano após a pandemia de covid-19 ser declarada, o isolamento imposto para mitigar seus efeitos levou a um retrocesso em muitas das conquistas na área de gênero nos últimos anos. E os dados confirmam o pior: a covid-19 castiga as pessoas mais vulneráveis da América Latina e Caribe.

De acordo com pesquisas realizadas pelo Banco Mundial em 13 países da região, as mulheres trabalhadoras tinham 44% mais probabilidade do que os homens de perder o emprego no início da crise. À medida que os trabalhadores em situação de desemprego temporário começaram a reingressar no mercado de trabalho, as perdas de empregos persistiram em uma taxa mais elevada entre as mulheres: 21% das mulheres empregadas antes da pandemia relatam ter perdido o emprego.

Ximena del Carpio, gerente da Prática Global de Pobreza e Equidade para a América Latina e Caribe do Banco Mundial, presta consultoria para vários governos sobre políticas públicas. Nesta entrevista, ela explica a magnitude do impacto da pandemia nas mulheres trabalhadoras.

Pergunta. Por que a pandemia teve um impacto maior para as mulheres?

Resposta. Vou começar citando um número importante. A queda da participação feminina na força de trabalho tem um custo alto para os países da América Latina e Caribe. Um estudo do Banco Mundial revela que, se as desigualdades de gênero na participação no mercado de trabalho e na educação persistirem, poderão custar à região, em média, cerca de 14% do PIB per capita nas próximas três décadas. Mesmo antes da pandemia, havia avanços a fazer. Apenas metade das mulheres em idade ativa participava do mercado de trabalho (53%), contra 77% dos homens na população em idade ativa. A pandemia exacerbou a perda de empregos para todos, mas sobretudo para as mulheres, segundo mostrou o recente estudo do Banco Mundial.

Existem pelo menos três razões pelas quais a situação está se deteriorando. Em primeiro lugar, as mulheres tendem a trabalhar em setores que foram mais afetados pela pandemia devido à necessidade de restringir as atividades presenciais, como o comércio, bem como em empregos em que é difícil trabalhar em esquema de home office. Segundo, uma elevada parcela das mulheres trabalha por conta própria e no setor informal, ou seja, em condições de trabalho precárias que tampouco se prestam ao trabalho remoto. Em terceiro lugar, devido às normas sociais da região, as mulheres continuaram a assumir o grosso das tarefas domésticas, as quais aumentaram com o fechamento de escolas e a necessidade de cuidar de outros familiares em detrimento do tempo dedicado a outras atividades.

P. Como esses dados podem ser medidos?

R. A melhor forma é “humanizar” as estatísticas de emprego feminino, observando a rotina dentro dos lares para entender como as tarefas matutinas são divididas entre homens e mulheres. Por exemplo, no Chile, país cuja situação é semelhante ao que ocorre na região e no mundo, ainda antes da pandemia, as mulheres já dedicavam em média três horas a mais por dia do que os homens às tarefas domésticas e aos cuidados. Se somamos a isso quarentenas, trabalho remoto, fechamento de creches e escolas e as consequentes necessidades de cuidados, não é de surpreender que a pandemia esteja deixando as mulheres na corda bamba. De acordo com a Pesquisa de Monitoramento Frequente, uma proporção maior de mulheres chilenas afirma que não trabalha porque precisa de tempo para cuidar dos filhos ou parentes doentes (9%, em comparação com 0,7% dos homens). Por sua vez, as pesquisas de opinião realizadas no Chile corroboram estes resultados: 52% das mulheres que trabalham em esquema de home office durante a pandemia afirmaram que o aspecto que mais dificulta sua rotina é conciliar o trabalho com os afazeres domésticos, ao mesmo tempo em que apontam as tarefas de cuidados como uma das limitações para o retorno ao mercado do trabalho.

P. Houve algum avanço em termos de inserção das mulheres no mercado de trabalho?

R. A pandemia atingiu muitas empresas, principalmente as lideradas por mulheres. No entanto, esse golpe parece estar incentivando essas empresas com mulheres no comando a buscar soluções digitais. Os resultados preliminares de um estudo global do Banco Mundial (com base nos dados das pesquisas de avaliação da situação das empresas diante da covid-19) sobre o impacto diferencial de gênero da pandemia nos empreendimentos mostram que, em média, as empresas lideradas por mulheres são mais propensas a usar a tecnologia digital.

P. Como podemos mudar as normas sociais que, muitas vezes, são uma barreira para a inserção das mulheres no mercado de trabalho?

R. Uma área em que é possível promover mudanças é na economia de cuidados. A instituição de licenças-paternidades é uma das formas de iniciar essa transformação. Embora seja difícil estabelecer a causalidade, a correlação entre a licença-paternidade e a participação feminina no mercado de trabalho mostra que, em países como a Espanha, onde os pais têm a possibilidade de cuidar de seus filhos após o nascimento, os índices de participação no mercado de trabalho e emprego das mulheres são, em média, maiores. No entanto, tais leis não garantem que os homens usufruam das licenças. Pequenos ajustes, como reservar períodos específicos de licença para os pais, aumentar a flexibilidade dessas licenças ou promover os benefícios desse tipo de licença entre a população, podem influenciar os comportamentos e mudar as normas de gênero em relação aos papéis tradicionais.

P. O que os governos podem fazer para garantir que as mulheres sejam incluídas nos planos de recuperação?

R. Em primeiro lugar, devemos enfatizar a importância de incluir as mulheres nos processos de planejamento e tomada de decisões. Isso é fundamental para a economia, para a sociedade e para as famílias. Em segundo lugar, deve-se fomentar políticas que ajudem a promover a equidade de gênero de forma sustentável. Um exemplo concreto disso é amenizar o aumento das responsabilidades domésticas que recaem sobre as mulheres e evitar que esse aumento se torne permanente. Os serviços de cuidados alternativos também podem ser garantidos ou estendidos a menores e outros integrantes do núcleo familiar. Por outro lado, ao reativar as economias, as barreiras enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho devem ser levadas em consideração. Uma parte disso é criar oportunidades para que as mulheres possam participar de forma satisfatória e abrir negócios em setores e profissões tradicionalmente masculinos.

Nesse sentido, o Banco Mundial fornece análises de gênero e dados desagregados por sexo para auxiliar na concepção de programas e políticas de resposta à crise. Por exemplo, no Peru, o Banco disponibilizou dados e evidências para auxiliar na formulação de programas de incentivos fiscais com uma perspectiva de gênero a fim de que as mulheres possam ter acesso a apoio financeiro (por exemplo, na forma de transferências condicionadas) e fazer uso efetivo dos recursos. Além disso, o Banco apoia programas que visam à promoção da igualdade de gênero em outras áreas, como é o caso de Honduras. No Brasil, México e Uruguai, acompanhamos planos e estratégias para pôr fim à violência de gênero em suas diversas formas e para eliminar as desigualdades na educação e na formação profissional.

María Victoria Ojea é produtora on-line do Banco Mundial.

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