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Indígenas da Colômbia e do Brasil processam rede de supermercados Casino por desmatar Amazônia

Representantes de várias comunidades acusam o grupo francês de comprar carne de fornecedores suspeitos de envolvimento com a destruição da floresta e com trabalho escravo

Deforestación de la Amazonia
Uma área da floresta amazônica desmatada para plantar soja perto de Porto Velho (RO), em 2019.VICTOR MORIYAMA / New York Times / ContactoPhoto (NYT)
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Representantes de várias comunidades indígenas amazônicas entraram com uma ação nesta quarta-feira em Saint-Étienne, no sul da França, contra o gigante francês de supermercados e varejistas, o Grupo Casino, que acusam de não ter impedido, por meio de suas filiais no Brasil e na Colômbia, o desmatamento de suas terras e violações dos direitos humanos.

A ação, apoiada por várias ONGs internacionais, se baseia na lei de “diligência devida”, aprovada na França em 2017. A norma —usada agora pela primeira vez contra uma rede de supermercados— obriga as empresas com mais de 5.000 funcionários a garantir que “tanto suas filiais quanto empresas subcontratadas” não causam “violações graves contra os direitos humanos e as liberdades fundamentais, contra a saúde e a segurança das pessoas, bem como contra o meio ambiente em toda a sua esfera de influência”.

Segundo os demandantes, o Grupo Casino, cujas filiais sul-americanas Pão de Açúcar no Brasil e o Grupo Éxito na Colômbia respondem por 47% de sua receita anual, “falhou na hora de revisar suas políticas de vigilância e atuação para garantir que em toda a sua cadeia de fornecimento não haja nenhuma violação dos direitos humanos ou ambientais”.

Um dos principais motivos, afirmam, é que o Casino continua comprando produtos da gigante mundial de carne JBS, acusada por várias ONGs de adquirir seus produtos de explorações pecuárias envolvidas com práticas de desmatamento e até de trabalho escravo. Entre a documentação compilada pela organização do Center for Climate Crime Analysis (CCCA) para a ação, argumenta-se que o Grupo Casino “adquiriu regularmente carne de três matadouros pertencentes à JBS, cuja carne provinha de 592 fornecedores responsáveis pelo desmatamento de pelo menos 50.000 hectares entre 2008 e 2020, cinco vezes a área de Paris”. Além disso, os demandantes afirmam apresentar provas de “violações de direitos” dos indígenas. Entre outros, apontam, “terras de propriedade ancestral da comunidade de Uru-Eu-Wau-Wau, localizadas no Estado de Rondônia, foram invadidas e exploradas por fazendas de gado que fornecem carne bovina para o supermercado Pão de Açúcar, filial do Grupo Casino no Brasil”.

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“A demanda por carne bovina por parte do Casino e do Pão de Açúcar traz desmatamento e grilagem de terras, violência e assassinato de lideranças indígenas quando decidem resistir”, explicou Luis Eloy Terena, do povo Terena brasileiro e assessor jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), uma das demandantes. “Os indígenas estão ficando órfãos em seus próprios territórios”, denunciou em entrevista coletiva online.

Por e-mail, um porta-voz do grupo Casino se negou a comentar “um procedimento em andamento”, mas afirmou que sua filial brasileira “desenvolve uma política sistemática e rigorosa de controle da origem da carne bovina provida por seus fornecedores”. Diante das acusações de ONGs como a francesa Envol Vert, que nesta quarta-feira afirmou que só em 2020 conseguiu identificar “54 produtos vendidos no Pão de Açúcar relacionados ao desmatamento”, o Grupo Casino afirma que “luta ativamente, e há anos, contra o desmatamento relacionado à pecuária no Brasil e na Colômbia”.

Se a ação for aceita pelo tribunal de Saint-Étienne, onde o grupo Casino está sediado, o caso poderia ir a julgamento no mínimo dentro de um ano. Conforme explicou o advogado Sébastien Mabile, da Seattle Avocats, o que se busca com esse processo é que a empresa “adote um novo plano com medidas adequadas para conter o desmatamento no fornecimento de carne bovina na Amazônia”. Além disso, os demandantes pedem “indenização pelos danos sofridos” de mais de três milhões de euros (cerca de 20,34 milhões de reais) para as comunidades indígenas representadas e de 10.000 euros para cada associação demandante a título de “danos morais”.

Coincidindo com a chegada ao poder no Brasil de Jair Bolsonaro, um presidente nada preocupado com as questões ambientais, com uma maior consciência da mudança climática como ameaça global, aumentou o escrutínio internacional sobre o desmatamento da Amazônia e as cadeias produtivas das empresas que se alimentam dessa região. Essa atenção está concentrada na Amazônia, que abrange nove países, principalmente o Brasil. A maior floresta tropical do mundo perdeu 11.088 km² em território brasileiro, 9,5% a mais que no ano anterior, segundo o último relatório anual divulgado em novembro. O enfraquecimento sistemático das estruturas de fiscalização ambiental por parte de Bolsonaro transformou o Brasil em vilão aos olhos de grande parte do mundo e alvo de críticas diretas do presidente francês Emmanuel Macron.

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