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Países com mais mortes por covid-19 tiveram maior impacto no PIB, embora auxílios tenham atenuado a queda

Estudo com maiores países da América Latina mostra que aqueles com menos óbitos tiveram melhor recuperação. Brasil e México foram pior com respectivos presidentes negando gravidade da doença

PIB America Latina
Multidão desembarca de trem em São Paulo, cidade mais afetada pela pandemia de coronavírus no Brasil, em janeiro deste ano.Sebastiao Moreira (EFE)
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A pandemia de coronavírus golpeou a economia de todos os países do mundo, mas alguns se saíram melhor —ou menos pior— que outros. Na América Latina, duas variáveis foram decisivas: os países que registraram as maiores cifras de mortos por covid-19 são também os que sofreram um tombo maior na economia. Por outro lado, aqueles que aumentaram os gastos públicos em estímulos e auxílios econômicos foram bem sucedidos em incentivar o consumo e suavizar a queda do PIB. A conclusão é de um estudo da Prospectiva Consultoria, que atua na região por meio de análises de políticas e de mercado. A pesquisa também olhou com lupa para as seis maiores economias latino-americanas —Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru— e verificou que o binômio melhores resultados econômicos e menos mortes tem se traduzido em mais popularidade para os governantes.

De acordo com a pesquisa, países como Uruguai e Paraguai foram “menos assolados ou assolados por menos tempo” e conseguiram manter um nível de atividade econômica mais próximo do observado em 2019. O oposto aconteceu com países como México e Brasil, “onde os indicadores de contágio permaneceram altos por um período mais longo”. Os dois países demoraram para aplicar medidas de distanciamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, com os dois presidentes minimizando os efeitos da doença. No caso brasileiro, coube aos governadores e prefeitos manterem comércios e escolas fechados enquanto o presidente Jair Bolsonaro negava a gravidade da pandemia e boicotava as medidas. O resultado foi o pior dos dois mundos: as medidas pararam a economia ao longo de 2020, mas não evitaram as altas cifras de mortes —236.201 desde o início da pandemia, de acordo com boletim desta quinta-feira do Ministério da Saude.

Mas, diferentemente do México, o Congresso Nacional aprovou medidas de estímulo fiscais e monetários que logo foram encampadas pelo Governo Bolsonaro. A principal delas foi a do auxílio emergencial, que concedeu para as famílias brasileiras 600 reais por adulto —ou 1.200 reais para mães solteiras— até dezembro do ano passado. Especialistas e comentaristas políticos acreditam que o programa foi decisivo para que a popularidade de Bolsonaro não derretesse, apesar de seu negacionismo ao lidar com a crise sanitária.

O estudo indica que essas medidas ajudaram a sustentar um certo dinamismo econômico. “Embora tenha sofrido com uma curva epidêmica similar à brasileira, o México terminou o terceiro trimestre com um hiato covid-19 do PIB quase 5 pontos percentuais maior que o brasileiro, por ter sido o país que menos utilizou a política fiscal para mitigar os efeitos da pandemia”, explica a pesquisa da Prospectiva. “Já o Peru seguiu um padrão similar ao brasileiro, com altos gastos fiscais compensando a forte pressão sofrida com a pandemia”.

Gráfico produzido pelo estudo Prospectiva Consultoria.
Gráfico produzido pelo estudo Prospectiva Consultoria.Reprodução

Outro estudo analisou o efeito estabilizador do auxílio emergencial na economia brasileira. Coordenado pelos economistas Marina Sanches, Matias Cardomingo e Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo, a pesquisa fez simulações que concluem que, apesar de ter custado 4,1% do PIB, o auxílio emergencial “foi responsável por evitar que nossa economia caísse entre 8,4% e 14,8%” em 2020. Os dados do quarto trimestre ainda não saíram, mas projeções indicam uma queda do PIB de 4,3% no ano passado, segundo a pesquisa. Já o consumo das famílias teve uma queda de 6%, de acordo com as projeções, mas “poderia ter diminuído entre 11 e 14,7% na ausência desse benefício”. Por fim, a análise dos economistas da USP também aponta que “o efeito multiplicador do auxílio serviu como estabilizador da razão dívida/PIB não apenas pelo aumento no denominador, mas também por atenuar a queda da arrecadação de impostos em meio à recessão”. Sua interrupção pode “não apenas elevar indicadores de pobreza e desigualdade, como também prejudicar nossas perspectivas de retomada econômica em 2021″. O presidente Bolsonaro já sinalizou que o auxílio deve voltar a partir de março, embora não tenha precisado a data.

O estudo da Prospectiva vai na mesma direção ao dizer que os resultados desmentiram a hipótese de que o aumento dos gastos públicos seria contraproducente na América Latina. “A suposta razão é que os danos às expectativas fiscais dos países seriam tão altos que o uso da política fiscal inibiria investimentos e implicaria em retrações econômicas maiores”, explica. Esse argumento foi utilizado sobretudo por economistas ligados ao Governo, além do próprio ministro Paulo Guedes, para quem as reformas liberais e a responsabilidade fiscal seriam o melhor antídoto contra a pandemia. “Na prática, os países da América Latina não parecem ter apresentado um padrão diferente dos países mais ricos”, conclui o estudo.

O Governo se negou a estender o auxílio no final do ano passado, mas a resistência durou pouco. O presidente, que viu sua popularidade despencar no início deste ano em meio ao colapso dos hospitais em Manaus e do atraso na vacinação, anunciou nesta quinta-feira que o programa voltará. “Não sabemos o valor. Quase com toda a certeza, a partir de março, em três a quatro meses. Isso está sendo acertado entre o Executivo e o Parlamento, porque há a questão da responsabilidade fiscal”, afirmou durante sua visita no Maranhão. O Governo estuda dar um auxílio de 200 reais para trabalhadores informais com a exigência de que haja uma requalificação profissional, mas o Congresso já sinalizou que quer um valor mais alto.

Adriano Laureno, economista sênior da Prospectiva Consultoria, explica que, apesar dos efeitos positivos dos estímulos econômicos – e das recomendações do próprio Fundo Monetário Internacional para que sejam aplicados —, o mercado parece menos disposto a acatar as medidas em 2021. “No ano passado viam como uma coisa pontual. Mas agora já tem muita gente pensando que a dívida já aumentou muito e que, em 2021, vai parecer que essas medidas são recorrentes”, explica. O argumento desse setor, explica Laureno, é o de que esses estímulos podem ter efeitos adversos na estabilidade e na inflação, reduzindo o consumo de empresas e de pessoas. Por sua vez, Guedes argumentou recentemente que a fatura da pandemia não pode ser passada para as gerações futuras.

Efeito na popularidade dos governantes

Seja como for, Laureno enxerga uma “pressão muito grande para que Bolsonaro renove o auxílio emergencial”. O estudo da consultoria mediu a relação entre PIB, estímulos econômicos e a popularidade dos governantes das seis principais economias latino-americanas. “Enquanto no Peru, que investiu 15,8% do PIB, o ex-presidente Martín Vizcarra viu sua aprovação subir 29 pontos percentuais, entre dezembro de 2019 e março de 2020, no México, que gastou apenas 1,1%, López Obrador viu sua aprovação cair. Embora esta siga alta, ainda não voltou ao nível que Obrador tinha ao fim de 2019″, explica o estudo. Colômbia, Chile e Argentina foram outros países onde seus presidentes atingiram um pico de popularidade entre abril e maio de 2020. O presidente mexicano teve uma queda de cerca de 10 pontos percentuais entre o início e o fim do ano passado, segundo os jornais mexicanos, passando de pouco mais de 70% para uma média de 60%.

Gráfico produzido pelo estudo Prospectiva Consultoria.
Gráfico produzido pelo estudo Prospectiva Consultoria.Reprodução

Por outro lado, a pesquisa também avalia que essa alta na popularidade se dissipou ao longo do ano. “A regressão indica que o volume de recursos despendido em medidas fiscais de mitigação dos efeitos da pandemia não teve, por si só, efeitos relevantes sobre o nível de aprovação dos presidentes da região”, explica a pesquisa. “Tais ações se mostraram relevantes e com efeitos persistentes sobre as popularidades apenas na medida em que afetaram o PIB”. A conclusão é a de que a popularidade dos governantes se manteve alta onde a atividade econômica se manteve em patamares parecidos ao de 2019. Em termos numéricos, “cada ponto percentual adicional do PIB garantiu 3,3 pontos porcentuais adicionais às aprovações presidenciais”.

No caso do Brasil, porém, o auxílio emergencial e outras medidas não renderam a Bolsonaro um pico de popularidade. Além de a economia ter sofrido uma queda de mais de 4%, o estudo indica que cifras altas de mortes também impactaram a popularidade dos governantes. “Os países que reduziram em 1% o número de mortes contabilizada ao final de 2020 viram seus presidentes terem uma melhora de 0,67 pontos percentuais em seu nível de aprovação”.

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