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Economia argentina encolhe 19,1% no segundo trimestre, maior queda da história do país

Proposta orçamentária encaminhada pelo Governo prevê crescimento de 5,5% em 2021

Enric González
O ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán (no centro, sem máscara) apresenta o orçamento ao Congresso, nesta terça-feira.
O ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán (no centro, sem máscara) apresenta o orçamento ao Congresso, nesta terça-feira.MAXIMILIANO VERNAZZA (Telam)

A economia argentina encolheu 19,1% no segundo trimestre deste ano como consequência do confinamento. Foi a contração mais brutal desde o início dos registros estatísticos, superando a sofrida no primeiro trimestre de 2001 (queda de 16,3%), depois do colapso da paridade entre o peso e o dólar. O Instituto Nacional de Estatística e Censos publicou o dado quando o ministro da Economia, Martín Guzmán, se preparava para apresentar à Câmara de Deputados o projeto de Orçamento para 2021, que prevê um crescimento de 5,5% na economia para o próximo ano.

Martín Guzmán se fortaleceu politicamente após selar uma reestruturação da dívida com os credores privados estrangeiros, mas na semana passada sofreu uma derrota perante o Banco Central: a autoridade monetária conseguiu, contrariando a opinião do ministro, endurecer radicalmente as restrições cambiais, incidindo especificamente na compra de dólares. “São medidas de transição que não nos deixam contentes, servem para evitar mais instabilidade, mas não são características permanentes da economia", explicou o ministro a um grupo de deputados que assistiu fisicamente à apresentação. Guzmán acabava de protagonizar uma curiosa gafe: acreditando que o microfone ainda estava desligado, comentou com Sergio Massa, presidente da Câmara, que ele também “podia sarasear”, ou seja, dizer tolices.

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O orçamento de 2021 suscita ceticismo entre os analistas. Primeiro porque calcula, para o conjunto do ano, um câmbio de 102 pesos por dólar, quando no mercado livre (ou paralelo) o dólar já está cotado a 144 e o “à vista com liquidação” (que se obtém comprando ativos financeiros em pesos e revendendo-os em dólares) chega a 147. Segundo, porque prevê uma inflação de 29% no ano que vem, embora em agosto a cifra interanual já tenha superado 40%, e as estimativas privadas a situem em níveis semelhantes para o ano que vem. Terceiro, porque a duração da pandemia continua sendo uma incógnita. E, quarto, porque o presidente Alberto Fernández e o próprio Guzmán preparam uma reforma tributária a ser aplicada já em 2021 e que, logicamente, o orçamento não contempla.

Outro fator de incerteza é o pagamento de subsídios extraordinários aos trabalhadores afetados pelas medidas contra a pandemia. Não se sabe quanto durarão. “As projeções de que partimos como guia para a política econômica são prudentes”, disse Guzmán. “O contexto nos exige redobrar a sensatez. Precisamos de políticas que transformem a realidade partindo da base da cautela e da responsabilidade, não de ilusões e de duvidosos fundamentos”. O próprio ministro, ao ser perguntado por um deputado, admitiu que não era possível traçar um plano econômico num contexto internacional tão incerto como o atual.

Guzmán se propõe a corrigir o déficit orçamentário, que por causa da pandemia se aproxima agora de 10% do PIB, e reduzi-lo a 4,5% em 2021. Ou seja, serão necessários ajustes em uma situação difícil. Contará com a redução no pagamento de juros da dívida (graças à reestruturação, caíram de 3,4% do total do orçamento para 1,5%), mas mesmo assim será complicado. Nesse projeto orçamentário, estima-se que 35,8% dos trabalhadores argentinos se mantenham na “informalidade”, alheios ao pagamento de impostos e às normativas trabalhistas. É um dado muito grave, embora não tanto como outros recém-publicados pelo Instituto de Estatística: um em cada dez argentinos vive na indigência, 14% da população passa fome, 44,7% são pobres. Atualmente, ganhar o equivalente a 1.000 dólares por mês (5.470 reais) já é suficiente para entrar na faixa dos 3% mais rico do país.

O déficit orçamentário estimado exigirá manter uma frenética fabricação de dinheiro, já que a Argentina, com um risco-país superior a 1.300 pontos, só tem como conseguir créditos externos a taxas proibitivas, superiores a 12%. Serão necessários 1,6 trilhão de pesos (115 bilhões de reais, pelo câmbio oficial) para cobrir os gastos previstos, o que será possível com a impressão de dinheiro (algo que poderia fazer a inflação disparar se a economia se reativar) e, em menor medida, com a emissão de dívida em pesos. A necessidade de moeda é tão urgente que, com as duas fábricas de cédulas argentinas trabalhando em turnos de 24 horas por dia, foi necessário contratar os serviços de uma empresa brasileira.

Para o ministro Guzmán, a prioridade é “tranquilizar a economia” após 10 anos sem crescimento, depois do “choque” das desvalorizações de 2018 e 2019 e da devastação causada pela pandemia. Espera que os salários reais “comecem a se recuperar” graças a um retorno ao crescimento, estimulado pelo gasto público.

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