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Ana Paula Vescovi: “Não acredito em um programa para os mais pobres que seja fiscalmente irresponsável”

Economista-chefe do Santander e ex-secretária do Tesouro pondera esforços do Governo pela extensão de programa de renda e aponta teto de gastos como realista e essencial para retomada

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander no Brasil.
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander no Brasil.Camila Svenson

Atualmente vários termômetros da economia brasileira estão anestesiados em função dos estímulos dados pelo Governo ― como o benefício do auxílio emergencial ―para atenuar os impactos da pandemia do coronavírus. A radiografia do desequilíbrio das contas públicas, no entanto, está claríssima. No intervalo de uma década, o Brasil irá dobrar sua dívida pública, que deve chegar a 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. “O país caminha para o sétimo ano em que o Estado não cabe na quantidade de impostos pagos pela sociedade. Se aceitarmos aumentar despesas, vamos precisar aumentar os impostos. Toda essa situação é incompatível com uma coesão social”, explica Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander no Brasil.

Para Vescovi, que foi secretária do Tesouro Nacional entre 2016 e 2018, só a manutenção do teto de gastos ― que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação ― sem exceções ou furos e o encaminhamento de reformas importantes, como a administrativa e a tributária, podem devolver o Brasil para a rota de crescimento sustentável após a crise sanitária. Apesar da pandemia e de faíscas dentro do próprio Governo, a economista acredita que há um ambiente político propício para as reformas.


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Pergunta. A regra do teto dos gastos está no centro das discussões nas últimas semanas. Há fortes pressões políticas por mais gastos públicos em meio à pandemia do coronavírus e pedidos para que investimentos públicos possam sair da regra e ajudar na retomada econômica. Hoje é realista manter o teto como está?

Resposta. A manutenção da regra do teto não é só realista, mas absolutamente necessária para termos condição compatível com a recuperação salutar da economia brasileira após a crise da covid-19. O Brasil precisou enfrentar a crise da pandemia, protegendo os mais vulneráveis, tanto as pessoas como as empresas. Para isso, aumentou a dívida pública brasileira, que estava mais ou menos em 75% do Produto Interno Bruto (PIB) e deve ir para 95% do PIB no fim do ano, financiando gastos temporários. E foi aprovado no Congresso uma emenda constitucional que cria um marco regulatório para essas despesas transitórias. Mas outra coisa é a gente deixar que parte dessas despesas temporárias se tornem permanentes. Aí começa a questão mais sensível. O Brasil já vinha antes da crise com um problema muito grave de crescimento das despesas obrigatórias acima do crescimento da economia. Isso faz com que orçamento público fique cada vez mais tomado pelas despesas obrigatórias, que são a Previdência, folha de pagamento, assistência social e financiamento da máquina pública.

P. O que acontece se o teto for furado?

R. Se o país agravar essa situação depois da crise, a gente vai precisar fazer um aumento de impostos a cada tantos anos no Brasil. Ou, se não conseguir um aumento da carga tributária ― já que já pagamos muitos impostos ―, vamos incorrer na volta da inflação. A importância do teto é que ele é uma regra simples, clara e objetiva para refletir a nossa realidade. Temos uma restrição fiscal muito apertada. O teto nos leva a discutir alocação de recurso e eleger prioridades. Não é só crível manter a regra até 2022, ele tem espaço para funcionar e é absolutamente necessário.

P. E depois de 2022?

R. Agora a gente precisa discutir reformas para sustentar o teto até o primeiro ciclo dele que é até 2026. A vantagem do Brasil é que a discussão da realocação do orçamento público para torná-lo mais justo e efetivo, a discussão das reformas que podem fazer o PIB crescer ao longo do tempo e a discussão sobre melhorias de regras e regulações para poder ativar negócios está muito madura. Nós já temos um conjunto de diagnósticos e de avaliações sobre políticas sociais capazes de endereçar o caminho dessas reformas. E grande parte já está em pauta. Estamos com a reforma tributária super importante que trata da parte da eficiência do PIB potencial capaz de trazer impacto positivo, temos marcos regulatórios sendo aprovados, propostas para o mercado financeiro, temos a proposta de independência do Banco Central e as reformas fiscais. A PEC emergencial, que é um pedaço do pacto federativo. E temos discussões de fazer a reestruturação da assistência social. A reforma administrativa também é muito importante para o equacionamento dos gastos públicos.

Eu não acredito em um programa que seja destinado aos mais pobres e que seja fiscalmente irresponsável

P. Para onde deve caminhar o auxílio emergencial, que hoje está segurando a renda de milhões de brasileiros vulneráveis? A ajuda de 600 reais que beneficiou metade das famílias brasileiras impulsionou a popularidade do presidente. Há perigo do benefício ser prolongado para capitalizar mais apoio político?

R. O nome do auxílio emergencial já diz tudo, ele é emergencial. Ele foi constituído para cobrir um momento que as pessoas estavam inclusive impedidas de saírem de casa para trabalhar. À medida que a economia for reabrindo ― avaliamos [no Banco Santander] que até o fim do ano a atividade já estará em condições de estar aberta plenamente― o país vai poder, a partir do ano que vem, conduzir um programa de política pública reformulado. Eu não acredito em um programa que seja destinado aos mais pobres e que seja fiscalmente irresponsável. Foco nos mais pobres e responsabilidade fiscal estão intimamente ligados. Se a gente erra na condução da política fiscal você vai ter o impedimento da continuidade da convivência de taxas de juros mais baixas e inflação sob controle. E se você trata de uma sociedade com juros altos e inflação, os mais penalizados são justamente os mais pobres. Seja porque o processo inflacionário é perverso do ponto de vista distributivo. Ou porque isso tudo leva a uma economia que cresce letargicamente, gera poucos empregos e não consegue absorver justamente os mais vulneráveis. Eu não acredito no desenho de qualquer tipo de programa que não tenha esses dois pilares.

P. Qual o melhor desenho para o renda Brasil, o futuro programa de assistência social anunciado pelo Governo?

R. É preciso construir um renda Brasil a partir do que já foi avaliado. E o Bolsa Família já foi testado e deu certo. Partindo dele, podemos estender o número de beneficiados, aumentar o valor dessa renda e calibrar os incentivos positivos dentro do programa para que essas pessoas se emancipem quando a economia voltar a gerar emprego e aumentar a renda. É preciso partir desse desenho e aprimorá-lo em função de novas realidades pós-pandemia e do mercado de trabalho. Vamos sair da pandemia com o setor informal maior que o formal. Então é preciso olhar para essa nova realidade. E dentro da informalidade, as rendas recebidas serão menores.

P. Qual espaço fiscal que o país possui para um novo formato de programa social?

R. O Bolsa Família tem hoje um orçamento pouco superior a 30 bilhões de reais. Se for descontinuado o abono salarial, salário família, o seguro-defeso e outros programas de menor valor, nós conseguiríamos cerca de mais 25 bilhões de reais. Então estamos falando de um programa que sai de 30 bilhões para 55 bilhões.

P. Mas as pessoas que são beneficiárias desses programas sociais menores seriam absorvidas no renda Brasil?

R. Provavelmente. Se elas estiverem dentro do grupo mais vulnerável da sociedade, do foco da política pública e não de uma eventual distorção desses programas que são mais antigos, elas seriam sim absorvidas pelo novo programa. Ainda tem esse benefício, um novo programa focalizado de forma correta vai conseguir migrar recursos de pessoas que não são necessariamente mais vulnerável para as que realmente são.

P. Existe hoje ambiente político para tocar as reformas necessárias?

R. Acredito que tem ambiente político sim. Primeiro, porque há uma série de manifestações de lideranças políticas importantes defendendo as reformas. Acho que o Brasil tem, desde a última eleição para o Parlamento, um ambiente único para fazer reformas. Tanto que aprovamos a Previdência, marco regulatórios novos, o Congresso já está conduzindo uma discussão importante sobre a reforma tributária e eu vejo vários líderes que apoiam uma reforma administrativa. Acho que ambiente nós temos, mas é preciso ter foco. São debates profundos, não são superficiais, não são temas fáceis de você ter uma boa discussão com a sociedade. São questões complexas. É preciso ter uma organização desse processo ao longo do tempo. Se o Congresso está capitaneando a reforma tributária, óbvio que o Governo vai participar dessa discussão, porque ele vai fornecer números e vai entrar no debate, mas o Governo deveria protagonizar as discussões sobre as reformas relacionadas ao gasto público, que são mais urgentes. A gente pode fazer isso mais rápido ou depois das eleições. De fato, precisamos reconhecer que há um ciclo eleitoral, mas o Governo precisa dar uma sinalização firme de que é preciso começar as discussões, mandar um projeto. No caso da reforma administrativa, a iniciativa é do poder Executivo.

Vejo a questão da agenda econômica de uma forma muito mais pragmática do que ideológica

P. Vimos uma crise grande nos últimos dias na equipe econômica. O próprio Paulo Guedes falou em um debandada, porque saíram secretários de pastas da agenda liberal que ele defende desde o início. Como você avalia a condução do Governo? Tem revelado dificuldade de implementação da agenda liberal?

R. Crises como a que atravessamos agora aumentam sobremaneira a pressão sobre agentes públicos e, às vezes, eles precisam fazer o que aconteceu: suspender a agenda. Você teve que suspender a discussão das reformas para enfrentar as crises. Essas duas coisas somadas podem implicar nesses processos de troca de agentes públicos. Vejo, no entanto, a questão da agenda de uma forma muito mais pragmática do que ideológica. Uma agenda que precisamos para colocar o Estado brasileiro do tamanho que a sociedade aceita financiar [é mais importante] do que o ideário liberal x, y ou z. Ou de qualquer outra natureza. A reforma administrativa, as privatizações, a abertura e integração comercial, a reforma do Estado, a desburocratização, reforma da assistência social, a reforma tributária, tudo isso que está na agenda há um tempo. Elas são medidas que o Brasil precisa para se modernizar. Essas coisas devemos olhar com naturalidade, mas que também nos traga a possibilidade de olhar a agenda de uma forma um pouco mais pragmática e funcional.

P. Apesar de ser normal trocas de secretários e membros do Governo, o ministro da Economia já mostra uma irritação com opiniões dentro do próprio Governo que são contrárias à agenda liberal que ele tenta emplacar. Volta e meia há rumores da possibilidade de saída de Paulo Guedes. Não acha que esse ambiente e a falta de uma agenda clara dificulta o próprio andamento das reformas?

R. Acho que o Governo tem feito um esforço de abrir uma frente de articulação com o Congresso e ele não iniciou [sua gestão] dessa forma. Agora essa frente está aberta, mas não ficou claro, desde o início, qual seria o programa associado a essa articulação do Governo com o Centrão, mas aos poucos precisa ficar mais claro. Seria importante para a sociedade entender qual o programa que essa articulação vai apoiar, quais as prioridades e qual sequência. Mas à medida que ficar claro qual é o programa e que ele leve a uma sustentabilidade da dívida pública e a um PIB potencial que cresça mais, acho que essas nuvens vão se dissipando. O mais importante é assentar uma agenda crível, onde todos percebamos que o Brasil vai conseguir endereçar políticas públicas pertinentes, pragmáticas para o momento. Avançar numa reforma tributária agora, eu não tenho dúvida que vai ter um impacto muito positivo inclusive para a percepção do Brasil no exterior. A gente tem urgência nas reformas, mas além de sinalizar qual será o conjunto de reformas apoiado pelo Governo e pela base de apoio que ele está conseguindo dentro do Congresso, ele precisa sinalizar que vai se afastar da onda do populismo. O Governo precisa se afastar de um processo possível de tomada do populismo.

Seria importante para a sociedade entender qual o programa que essa articulação com o Centrão vai apoiar, quais as prioridades e qual sequência.

P. Acredita que há um risco dessa tomada do populismo visando as eleições de 2022?

R. Eu olho para trás, para as últimas crises e últimos acontecimentos políticos do Brasil e acho que essa antecipação de um processo eleitoral e um racional dirigido por um processo eleitoral não foi bem sucedido no Brasil. O que foi bem sucedido no Brasil foi uma fidelidade às políticas públicas, a um programa que pudesse atrair o maior número de atores possíveis dentro da sociedade, com a responsabilidade com o futuro. Isso constrói uma percepção positiva na sociedade de forma mais sustentada.

P. Qual a principal diferença da crise atual que estamos atravessando para a recessão que o Brasil viveu recentemente?

R. Esta é uma crise muito diferente. As últimas crises tiveram uma causa ou no mercado ou no sistema financeiro, na crise fiscal como a nossa última recessão. Essa é uma crise sanitária que é quase uma crise humanitária. Olha a quantidade de vidas que foram perdidas no processo, e essa diferença é fundamental. E como é sanitária, a economia foi afetada por vias indiretas, o remédio na ausência de medicamentos e vacina foi distanciar as pessoa para evitar o contágio e isso abalou a atividade econômica. Em função disso, os serviços foram fortemente afetados. Qual crise anterior que parou escolas? O turismo foi muito prejudicado também. O setor de serviço é um forte gerador de emprego, esse é um caráter importante de avaliar. Como a economia vai sair depois do fim da pandemia? Até que ponto o comportamento das pessoas irá mudar em função da experiência pandêmica e quais setores vão ter que se reformular e até reduzir a sua base de produção? Vamos ver uma mudança muito grande nesse processo, porque firmas vão sucumbir nesse processo e empregos vão fechar.

Há vários termômetros do funcionamento da economia que estão anestesiados em função dos estímulos que foram dados para tentar atenuar os impactos mais severos da pandemia

P. Podemos esperar um grande salto na fila do desemprego nos próximos meses ,principalmente quando o auxílio emergencial acabar?

R. Tanto do desemprego como da inadimplência. Há vários termômetros do funcionamento da economia que estão anestesiados em função dos estímulos que foram dados para tentar atenuar os impactos mais severos da pandemia. Se hoje todas as pessoas que antes da crise procuravam emprego continuassem a procurar, sem restrição de mobilidade e até mesmo acreditando que iriam encontrar, estaríamos com uma taxa de desemprego acima de 20%. Estamos com um pouco mais de 13%. E isso é um dado que revela o tamanho do desafio que podemos encontrar saindo da crise. E não tem outra condição de atender essas pessoas que uma forma equilibrada. Não adianta ter o afã de fazer algo de curto prazo e comprometer imediatamente a capacidade da economia se recuperar e inclusive melhorar quando aprovamos reformas.

Se todas as pessoas estivessem tentando entrar no mercado estaríamos com uma taxa de desemprego acima de 20%

P. O Governo lançou alguns programas de linhas de crédito para ajudar as empresas a atravessar essa crise, como o Pronampe. O dinheiro, no entanto, foi pouco para a quantidade de empresas que estavam pedindo socorro. Qual está sendo o papel dos bancos privados nessa pandemia?

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R. O setor bancário foi extremamente relevante porque ajudou na solução, no atendimento rápido dos mais vulneráveis através dos canais bancários. Acelerou sobremaneira o processo de digitalização e de modernização dos canais digitais até para atender essas políticas. O setor foi parte da solução e se demonstrou mais uma vez extremamente sólido e bem regulado. Acho que são as grandes vantagens que o Brasil teve para amortecer o tamanho gigante do choque que recebemos da pandemia, tanto o setor bancário como a qualidade da sua regulação. Óbvio que existem outros fatores positivos para amortecer o momento como o fato de termos reservas internacionais, colchão de liquidez no Tesouro e um agronegócio extremamente competitivo e robusto.

P. Mas não faltou um crédito maior dos bancos privados, que continuaram colocando muitos empecilhos com medo da inadimplência? Houve um aumento de inadimplência no Santander?

R. Houve um aumento pequeno, a gente espera que a inadimplência vai ser afetada sim principalmente depois da retirada dos estímulos, mas nada que seja diferente de crise anteriores. É importante dizer que o setor está provisionado, muito bem capitalizado, líquido, o setor financeiro está sólido para ajudar na saída da crise nesse processo de recuperação. E está mais moderno.

Até que ponto o comportamento das pessoas irá mudar em função da experiência pandêmica e quais setores vão ter que se reformular e até reduzir a sua base de produção?

P. Em meio ao cenário da pandemia, vimos ainda movimentos de fundos retirando sua participação do Brasil por conta das políticas ambientais do Governo de Jair Bolsonaro. Isso atrapalha ainda mais a conjuntura econômica?

R. Hoje em dia o mundo está percebendo que a questão ambiental não é mais uma questão da próxima geração. É um questão desta geração. No futuro vão existir estudos mais claros sobre razões da disseminação global desse vírus, mas isso tem a ver com o fato de ter um planeta com mais de 8 bilhões de habitantes. O aquecimento global está aí, ele é irreversível. Você pode tomar ações hoje para começar a frear a velocidade desse aquecimento global e fazer as correções necessárias, as mitigações. As pessoas que estão conscientes desse processo, percebendo isso, e acho que a pandemia acelera essa tendência, não vão investir em quem está ajudando a destruir. Vai investir em quem tem boa governança, cuidado com as pessoas, compromisso social e com o meio ambiente. Isso entra no conjunto de racionalidade dos investidores porque estamos aqui já sendo afetados por isso. O Brasil precisa fazer parte desse processo, desenvolver nossas instituições para dar respostas a uma tendência que é inexorável.

P. Qual será o tombo da economia brasileira neste ano? O pior já passou?

R. A gente acredita numa queda no segundo trimestre próximo a 10% e nossa estimativa de queda do PIB para o ano é de 6,4%. Aí você tem uma retomada, porque a economia do ano que vem não vai ter fechamento de atividades como este ano. É óbvio que estaremos funcionando com uma ociosidade maior. Mas acreditamos num crescimento de 4,2% no ano que vem.

O Brasil vai ser talvez o único país do mundo de tamanho e relevância na economia global a dobrar sua dívida pública em uma década

P. Já estamos há sete anos com déficit público e a projeção do banco Santander é que continuaremos mais sete anos. É um dos piores momentos das contas públicas brasileiras?

R. Com certeza vai ser historicamente o período mais longo do Brasil, em que os impostos não cobrem as despesas dos governos. De fato, é isso que vai catapultar uma dívida que estava até pouco mais de 50% em 2012 e que vai para mais de 100% em pouco mais de uma década. Vai ser talvez o único país do mundo de tamanho e relevância na economia global a dobrar sua dívida pública em uma década. É algo que chama a atenção dos investidores. É preciso entender que precisamos de recursos internos para crescer, porque nossa poupança doméstica é muito baixa. O Governo tendo esse déficit, essa necessidade de financiamento, ele subtrai recursos das famílias e de empresas que poupam. Esse avanço de 1% da economia que vimos nos últimos anos não é capaz na velocidade adequada absorver as pessoas que entram no mercado de trabalho e melhorar a condição da sociedade. Toda essa situação é incompatível com uma coesão social, algo fundamental para que o país cresça e que atraia investimentos. De fato é algo que precisamos endereçar rapidamente. Antes de se discutir elevar a carga tributária para abater essa dívida enorme, é preciso corrigir a trajetória dos gastos públicos e corrigir o sistema.

P. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer zerar o déficit no primeiro ano do mandato de Bolsonaro. Era uma meta quase impossível?

R. Houve essa discussão bastante clara e eu estava no time de transição [do Governo de Michel Temer para o Bolsonaro] e explicamos, mostramos os números, que esse processo só iria conseguir se endereçar de uma forma gradual. Muito em função da rigidez do orçamento, tomado por 94% de despesas obrigatórias. Todo o ajuste da política fiscal a partir de 2016 passou desse princípio, ajuste pela despesa e muito gradual para não impactar a economia de forma muito severa, como com o aumento de impostos. E continuamos sem poder impor um aumento com a crise gerada pela pandemia. Não tem como você retirar mais recursos da sociedade nesse momento.

P. Mas a discussão dos mais ricos pagarem mais e contribuírem para esse ajuste não poderia ser discutido nesse momento?

R. Sim, tudo isso entra na reforma tributária mais justa que está em discussão. Primeiro foi priorizado acho que corretamente a reforma sobre bens e serviços, onde está o maior grau de ineficiência, inclusive em problemas de litígio. E acho que no segundo momento vai ser natural o Brasil discutir as reformas relativas ao imposto de renda.

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