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Com extensão da pandemia, empresas do movimento ‘Não Demita’ estudam próximos passos

Mais de 5.000 companhias integram o grupo que nasceu para garantir estabilidade de emprego até o final de maio. Pequenas empresas padecem da falta de caixa e crédito em período de escassez

Lojas de conveniência no Rio de Janeiro.
Lojas de conveniência no Rio de Janeiro.Fernando Frazão/Agência Brasil
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A queda de 1,5% da atividade econômica brasileira no primeiro trimestre deste ano e os 4,9 milhões de postos de trabalhos fechados entre fevereiro e abril no país já revelam parcialmente o tamanho da crise que o Brasil enfrenta sob os efeitos da pandemia do coronavírus. Para uma economia que já cambaleava desde a última recessão (que terminou há três anos), a combinação entre retração global, caos sanitário e instabilidade política desenha um futuro ainda pior para os próximos meses. O mercado financeiro estima que o Produto Interno Bruto (PIB) deve encolher 5,89% neste ano, segundo o boletim Focus, que reúne as expectativas de mais de cem instituições.

Para enfrentar a paralisia da economia e os efeitos das medidas de isolamento social adotadas desde o início da disseminação do coronavírus no mês de março, várias empresas tentaram se reinventar e as mais capitalizadas, buscaram alternativas para preservar seus funcionários. Mais de 5.000 empresas aderiram ao movimento #nãodemita, no início de abril, prometendo não dispensar nenhum funcionário até o dia 31 de maio. O confinamento, porém, vem se estendendo além da conta e essa projeção já não é tão consensual entre o grupo.

Daniel Castanho, um dos fundadores do grupo Ânima Educação e criador da iniciativa, diz que, ao todo, mais de dois milhões de pessoas foram impactadas positivamente pela ação. Segundo ele, metade das empresas que firmaram o compromisso são de pequeno porte. Castanho explica, no entanto, que quando o movimento começou, as projeções eram de que, no fim deste mês, o pico da disseminação do vírus já teria passado, e a maioria das atividades já teriam sido retomadas. Ele e as mais de 40 empresas idealizadoras do movimento (de médio e grande porte) ainda discutem qual será o próximo passo diante do prolongamento da crise. Pelo menos 16 delas afirmaram ao EL PAÍS que continuarão com o projeto de manutenção dos empregos. Algumas, do setor bancário, de construção e alimentício, inclusive afirmaram que abriram novas vagas. “Temos empresas falando que independentemente de assinar o movimento, elas vão seguir sem demitir. Outras falam que há departamentos e competências que tinham antes que não vão precisar mais. O compromisso de dar uma estabilidade para todo mundo era até agora ” diz o fundador da iniciativa.

Algumas companhias e setores naturalmente sentem mais os impactos das medidas de confinamento do que outras. O varejo, por exemplo, sofre as consequências diretas do isolamento social. O resultado do PIB do primeiro trimestre já detectou parte do efeito da pandemia. A retração da economia foi causada, principalmente, pelo recuo nos serviços. O consumo das famílias recuou pela primeira vez desde 2016. Mesmo diante da vontade de tentar salvar empregos, algumas ações tiveram que ser tomadas diante do novo cenário. A Lojas Renner S/A, por exemplo, que conta com mais de 23.000 funcionários, faz parte do movimento e adotou, desde o dia 16 de abril, o programa de redução temporária de salários e de suspensão de contratos de trabalho durante a pandemia, o chamado BEM (Benefício Emergencial), previsto pela Medida Provisória 936/2020. A empresa implementou, em caráter temporário, a redução proporcional de 25% na jornada e no salário para a maior parte das equipes. Para outra parcela de colaboradores, optou-se pela suspensão de contrato de trabalho, também temporária. A companhia afirma que seguirá adotando medidas para preservar empregos e explica que, desde o fim de abril, começou a abrir algumas das suas unidades. “As decisões para as reaberturas estão sendo analisadas individualmente, respeitando os decretos governamentais locais e seguindo critérios técnicos sobre a extensão da pandemia em cada município, para garantir a segurança das pessoas e do negócio”, explica a companhia.

Se para as grandes empresas o cenário é desafiador, para as pequenas é de ainda mais vulnerabilidade já que possuem acesso muito mais limitado a linhas de crédito e um caixa menor para sobreviver com a demanda menor. Uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), realizada no início do mês, mostrou que as medidas de isolamento recomendadas pelas autoridades de saúde atingiram fortemente os pequenos negócios: 44% interromperam a operação, pois dependiam do funcionamento presencial. Outros 32% mantêm funcionamento com auxílio de ferramentas digitais. Apenas 11% seguiram funcionando sem alterações, por outras razões, como por estar em segmentos listados como serviços essenciais.

“Levamos um susto em março e abril. E agora vemos os dados das demissões. As pequenas empresas são responsáveis por metade dos empregos do país e por 30% do faturamento do PIB. A verdade é que essa crise atinge muito as pequenas, elas tiveram em média 60% de perda de faturamento”, afirma Carlos Melles, presidente do Sebrae. Segundo a pesquisa, a maioria dos donos de pequenas empresas (89%) apontou uma queda na receita mensal. Quanto à gestão dos recursos humanos das empresas, 12% dos entrevistados revelaram que tiveram de demitir funcionários em razão da crise.

O levantamento revelou ainda a dificuldade dos pequenos empresários em conseguir crédito para superar este momento: 86% dos empreendedores que buscaram tiveram o empréstimo negado ou ainda têm seus pedidos em análise. “O sistema financeiro brasileiro tem aversão ao risco e ao pequeno. E isso não é da crise, portanto estamos trabalhando intensamente para a desobstrução do crédito com as fintechs, com as maquininhas de cobrança. Buscando mais parceiros, agências dos estados, fundos regionais para ver se o crédito chega no pequeno”, afirma Melles.

Depois da polêmica declaração de que ajudar as pequenas empresas a enfrentar a covid-19 dará prejuízo aos cofres públicos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, finalizou nesta quinta-feira junto a equipe econômica uma proposta de Medida Provisória (MP) que cria um novo programa de garantia a crédito de 20 bilhões de reais, que incluirá as pequenas empresas entre as elegíveis, segundo a agência Reuters. A inclusão vem também em meio a reclamações generalizadas sobre a dificuldade das micro e pequenas empresas em acessar crédito, com as instituições financeiras negando pedidos de empréstimo pelo temor de inadimplência à frente. Segundo a Reuters, no documento o ministro da Economia afirma que os efeitos da paralisação das atividades são sentidos com mais força nas pequenas e médias empresas. "As quais necessitam acesso a novas fontes de recursos, haja vista que uma das maneiras de se preservar essas empresas é assegurar o atendimento de suas despesas correntes dos próximos meses”, diz.

Em vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado na semana passada, o ministro da Economia disse: “Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas". A declaração foi criticada pelos representantes do segmento.

Na avaliação de Castanho, a criação de novos e-commerces será um legado positivo trazido pelos impactos da crise sanitária para muitas empresas. “A transformação digital já tinha que ter acontecido e agora aconteceu de forma forçada pela covid-19”.Mas o movimento cria uma nova consciência, que certamente passa pelo que é importante na empresa, as pessoas

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