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Com falhas no sistema e filas em agências, brasileiros se arriscam na pandemia por auxílio de 600 reais

Bolsonaro diz que o Governo deve levar mais dez dias para processar todos os cadastros. Por conta da alta demanda, 1.100 agências da Caixa passarão a abrir duas horas mais cedo

Agência da Caixa Econômica Federal, na zona oeste de São Paulo, registra fila nesta quinta-feira, 23 de abril de 2020.
Agência da Caixa Econômica Federal, na zona oeste de São Paulo, registra fila nesta quinta-feira, 23 de abril de 2020.Heloísa Mendonça

Em meio à paralisia econômica causada pela pandemia do coronavírus, mais de 33 milhões de pessoas já receberam neste mês o auxílio emergencial de 600 reais do Governo, segundo a Caixa Federal. Porém, ainda há uma parcela grande da população elegível à ajuda que aguarda a análise do pedido ou que, mesmo com a aprovação do auxílio, ainda não viu o dinheiro chegar na conta em um momento de crise, cortes e demissões. Nas redes sociais, se multiplicam reclamações de usuários tanto do aplicativo Auxílio Emergencial —pelo qual é feito o pedido do benefício— como do Caixa Tem, disponibilizado pelo banco público para movimentar o auxílio em uma conta digital. Sem respostas para os problemas, alguns têm optado por ir até as agências da Caixa, gerando filas e aglomerações.

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Rubens Miguel, de 19 anos, resolveu enfrentar a fila de uma agência, na zona Oeste de São Paulo, para tentar receber o benefício nesta quinta-feira. O jovem que está desempregado há meses fez o pedido no aplicativo no dia 7 de abril, quando foi lançado o programa, mas se cansou de ler na tela do celular que os dados estavam em análise. Quando ligou para o 111 —número criado para tirar dúvidas sobre o auxílio—, foi informado que o CPF não estava cadastrado. “Uma confusão. Porque no aplicativo eu me cadastrei. Vim até aqui porque já não posso mais esperar, preciso pagar as contas e o meu aluguel”, conta Rubens, que já tentou negociar com o dono do imóvel um adiamento do pagamento, mas recebeu uma negativa. “Ele também está com as dívidas dele”, diz.

Apesar do medo de se contagiar com o coronavírus, o jovem afirma que não pode ficar em casa sem dinheiro e emprego. Nos últimos dias, conseguiu alguns “bicos” distribuindo panfletos de restaurantes que começaram a oferecer serviço de delivery já que os estabelecimentos estão fechados para o público devido às medidas de isolamento implementadas na capital paulista. “Fico bastante exposto, passando álcool em gel o tempo todo, mas é o jeito. Quando vejo alguma portinha aberta, deixo sempre meu currículo. A atendente da Caixa me disse que devo conseguir cadastrar meu CPF aqui, agora é ver quanto tempo ainda vai demorar para esse dinheiro cair na minha conta, nem a credito que hoje finalmente serei atendido”, conta Rubens ao avançar numa fila de cerca de dez pessoas do lado de fora da agência.

O desempregado Rubens Miguel, de 19 anos, foi a uma agência da Caixa para resolver um problema com seu cadastro para pedir o auxílio emergencial.
O desempregado Rubens Miguel, de 19 anos, foi a uma agência da Caixa para resolver um problema com seu cadastro para pedir o auxílio emergencial. Heloísa Mendonça

Muitos dos que esperavam junto ao jovem estavam ali também para tirar dúvidas, relatar problemas com a conta digital ou com o aplicativo da Caixa. Alguns relataram dificuldades para logar ou terem sido colocados em uma fila virtual que demorava horas para chegar ao fim. Um deles era Reinaldo (nome fictício), de 60 anos, que faz parte do grupo de risco da covid-19. Apesar de ter sido considerado elegível para o auxílio, não conseguia acessar a conta para movimentar o benefício.

A cabeleireira Anacélia Rodrigues, de 38 anos, moradora da comunidade de Heliópolis, na zona Sul de São Paulo, também vive dias de espera e ansiedade. Como é microempreendedora individual e a família possui renda inferior a meio salário mínimo per capita, se cadastrou na semana em que o programa foi lançado, mas até esta quinta-feira (23) o pedido seguia em análise. Mãe de dois filhos, de 11 e 13 anos, e com dificuldades de manter as contas da casa, ela decidiu começar a atender alguns clientes nesta semana. “Fiquei um mês parada, mas sem esse auxílio, sem dinheiro nenhum entrando como vamos continuar vivendo? Meu marido está trabalhando porque é metalúrgico, mas o salário dele não dá para nós quatro. Estou atendendo uma cliente por vez, usando álcool gel, máscara, limpando o local o tempo todo. As autoridades falam uma coisa na TV e na realidade é outra”, critica.

Leia aqui quem tem direito ao auxílio emergencial.

Questionada pela reportagem, a Caixa afirmou que efetuará a liberação dos recursos em até três dias úteis após o recebimento das informações pela Dataprev, para os cidadãos que tiverem o direito ao benefício reconhecido. Ainda segundo o banco, mais de 7 milhões de cadastros realizados de 11 a 17 de abril estão sendo avaliados, com previsão de conclusão até esta sexta-feira (24). Até a noite de quinta-feira (23), 45,9 milhões de cidadãos já haviam se cadastrado para recebimento do benefício.

Adiantamento da segunda parcela cancelado

Os brasileiros que esperavam receber a segunda parcela do auxílio ainda neste mês também se frustraram. Depois de anunciar uma antecipação do segundo pagamento do auxílio, o Governo voltou atrás. Em nota na noite desta quarta-feira, o Ministério da Cidadania informou que faltam recursos no Orçamento para adiantar o benefício e que será preciso aprovar um crédito suplementar. A pasta explicou que as três parcelas do auxílio vão exigir um desembolso de 32,7 bilhões de reais cada uma e que já foram transferidos para a Caixa 31,3 bilhões. Além disso, cerca de 12 milhões de trabalhadores ainda não receberam a primeira parcela.

Na noite desta quinta-feira, ao lado do presidente Jair Bolsonaro em transmissão ao vivo pelo Facebook, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse que o número total de pessoas habilitadas a receberem o auxílio emergencial de três meses pode chegar a 60 milhões de pessoas. “Não há a menor possibilidade deste Governo realizar um pagamento sem que tenha dinheiro e esteja no Orçamento. Existe dinheiro para a primeira parcela, na verdade pra todas, mas como tivemos um número muito maior de pessoas cadastradas do que qualquer um imaginava, vai ter que aumentar o valor do Orçamento”, explicou o presidente da Caixa.

Bolsonaro disse que o Governo deve levar mais dez dias para processar todos os cadastros e que o segundo pagamento do auxílio emergencial não está ameaçado e será realizado menos de 30 dias após a primeira parcela. “Brevemente devemos começar, antes de completar os 30 dias do recebimento da primeira parcela deve começar”, disse o presidente.

O presidente da Caixa informou que, por conta de filas, 1.100 agências do banco passarão a abrir duas horas mais cedo. Neste sábado, serão 800 as agências a abrir —as escolhidas são exatamente aquelas que registraram mais filas.

Mais trabalhadores ainda esperam conseguir o auxílio após o Senado ter aprovado nesta semana, por unanimidade, a ampliação das categorias de trabalhadores que podem receber o benefício de 600 reais que está sendo pago a trabalhadores de baixa renda prejudicados pela pandemia do coronavírus. O texto que agora segue para sanção presidencial, estende a ajuda para outras categorias de trabalhadores informais e autônomos, como caminhoneiros, diaristas, garçons, catadores de recicláveis, motoristas de aplicativos, manicures, camelôs, garimpeiros, guias de turismo, artistas, taxistas, entre outros.

“Cadê Regina Duarte?”

“Minha renda neste momento é igual a zero”, diz o sambista e compositor Pipa Vieira, 39. Um dos fundadores da Rede Carioca de Rodas de Samba, o músico é um dos milhares de artistas e agentes culturais que estão de mãos atadas neste momento, enquanto todos os eventos e projetos ligados à cultura estão em suspenso. “Está tudo parado e as pessoas não conseguem entender até onde vai”, afirma.

A Cultura, tradicionalmente um dos setores que mais sofrem quando uma crise se instala, assiste à paralisia do Governo Federal e cobra publicamente sua secretária especial, Regina Duarte. Na semana passada, circulou um vídeo em que artistas questionavam “Cadê Regina Duarte?” e cobravam a liberação do Fundo Nacional da Cultura. A pressão em cima da secretária, que antes de assumir o cargo, em março, atuava profissionalmente como atriz, ocorreu porque até o momento ela não fez nenhum aceno à sua própria categoria.

O primeiro gesto da pasta ocorreu somente nesta quarta-feira, mais de um mês após o início da pandemia no Brasil. O Governo publicou uma normativa flexibilizando diversos requisitos para a aprovação de projetos culturais. Dentre eles, os procedimentos de captação, execução, prestação de contas e avaliação de resultados de projetos apresentados por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). O texto, elaborado pela Secretaria da Cultura em março, levou, no entanto, mais de um mês para ser publicado.

No mesmo dia, o Senado aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei (PL) que expande os beneficiados pelo auxílio emergencial, incluindo artistas e demais profissionais do ramo. De acordo com a deputada Jandira Feghali (PCdoB-PR), responsável por incluir os cadastros culturais no PL, cerca de 1 milhão de pessoas, entre artistas, autores e técnicos em espetáculos, podem ser beneficiadas. O texto prevê a transferência dos recursos por meio de cadastros já existentes, como os cadastros estaduais e municipais e os chamados Pontões e Pontos de cultura, projetos apoiados e financiados pelo Ministério da Cultura. “Não será preciso fazer cadastro nenhum, porque já está tudo pronto”, diz a deputada.

Para Pipa Vieira, pai de seis filhos e que atualmente vive com mais outros três artistas, sendo que apenas um tem emprego fixo, o auxílio vai ser essencial. “Essa ajuda é fundamental para que as pessoas possam ao menos parar para respirar”. O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente. Ainda assim, a iniciativa do Executivo já foi comemorada por Regina Duarte. Durante reunião virtual com a Unesco e outros secretários de Cultura de diferentes países, também na quarta-feira, ela agradeceu ao presidente, que, “dentre outras medidas de apoio disponibilizou também a todos os trabalhadores informais do país, através de seu banco estatal, por três meses, um auxílio financeiro”, afirmou, de acordo com a colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo. “Temos, então, protegidos nessa crise artistas de todas as categorias técnicas das produções de cultura, segmento social que é a alma de nosso país e, na verdade, a alma de todos os países”.

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