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Lições de 1918: as cidades que se anteciparam no distanciamento social cresceram mais após a pandemia

Estudo conclui que as maiores restrições não apenas reduziram a mortalidade, mas também mitigaram o golpe econômico da chamada gripe espanhola nos Estados Unidos.

Enfermeira cuida de um paciente no hospital Walter Reed, em Washington, durante a epidemia de gripe de 1918.
Enfermeira cuida de um paciente no hospital Walter Reed, em Washington, durante a epidemia de gripe de 1918.Library of Congress (AP)
Ignacio Fariza
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Em tempos insólitos e “inexperimentados” ―termo cunhado pelo brilhante filósofo espanhol Emilio Lledó para se referir a estes meses viróticos― convém mais que nunca olhar para trás, até um dos poucos precedentes em que podemos encontrar alguma luz sobre os efeitos econômicos de uma pandemia: a mal chamada gripe espanhola de 1918. Todas as precauções são poucas: o mundo e a economia mudaram, e muito, desde então. Mas a epidemia de gripe no início do século passado, segundo estimativas dos pesquisadores Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, também deixa algumas lições válidas para se enfrentar o choque econômico do coronavírus. Entre elas, que as cidades que se anteciparam na adoção de medidas de distanciamento social e foram mais agressivas em sua aplicação “não só não tiveram um desempenho pior, mas cresceram mais rápido quando a pandemia passou”. E que “intervenções não farmacológicas [entre elas, o fechamento de escolas, teatros e igrejas; a proibição de reuniões públicas e funerais; a colocação em quarentena dos casos suspeitos e a restrição nos horários de abertura dos negócios] não apenas reduziram a mortalidade, mas também mitigaram as consequências econômicas adversas da pandemia", concluíram os pesquisadores, os dois primeiros do Federal Reserve dos EUA e do Federal Reserve de Nova York e o terceiro, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

“Intervenções não farmacológicas podem ter retornos econômicos, para além da redução da mortalidade”, concluem os três pesquisadores no estudo, publicado na última quinta-feira e divulgado pela Bloomberg. A experiência “sugere” que as cidades que adotaram maiores medidas de distanciamento social “também cresceram mais no médio prazo”, o que os leva a concluir que a pandemia “deprimiu a economia, mas as intervenções de saúde pública, não”. Contudo, o estudo destaca as diferenças na hora de traçar paralelos entre aquele episódio de gripe e o coronavírus: o ambiente econômico estava marcado pelo final da Primeira Guerra Mundial e aquela doença foi muito mais letal do que a Covid-19, especialmente para os trabalhadores jovens, o que leva a pensar em um choque econômico maior naquela ocasião do que hoje. Por outro lado, hoje a economia está infinitamente mais interconectada, com cadeias de suprimentos transnacionais e um peso muito maior do setor de serviços e das tecnologias da informação, “fatores que não podem ser capturados na análise”, como reconhecem os autores.

A pandemia de gripe do início do século XX, que se prolongou de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e se espalhou por meio mundo, infectando 500 milhões de pessoas (um terço da população mundial na época) e matando 50 milhões, provocou uma redução média de 18% na produção industrial em escala estatal. As regiões mais expostas também registraram um maior volume de falências de empresas e famílias. “Esse padrão”, enfatiza o estudo ―intitulado, de forma contundente Pandemics depress the economy, public health interventions do not: evidence from the 1918 flu (Pandemias deprimem a economia, intervenções de saúde pública, não: evidências da gripe de 1918)―, “é consistente com a ideia de que as pandemias deprimem a atividade econômica por meio de reduções tanto na oferta como na distribuição de demanda. E, importante, as quedas na produção são persistentes: as áreas mais afetadas permaneceram deprimidas em relação às menos expostas até 1923”.

Por que medidas restritivas estão associadas a uma melhor saída da economia do buraco? É verdade, afirmam Correia, Luck e Verner, que estas "restringem a atividade econômica". “Mas, em uma pandemia, a atividade econômica também se reduz sem elas, já que as famílias diminuem o consumo e a oferta de trabalho para evitar serem infectadas. Portanto, essas medidas podem resolver problemas de coordenação associados ao combate à transmissão da doença e mitigar a ruptura econômica vinculada à pandemia", acrescentam. Segundo suas cifras, uma reação 10 dias antes da chegada da gripe aumentou o emprego na indústria em cerca de 5% no período posterior à doença. E a ampliação das medidas de distanciamento social por mais 50 dias elevou essa taxa de emprego industrial em 6,5%.

Difícil saída em V da crise

"A lógica econômica em tempos de pandemia, hoje e na época, simplesmente difere da lógica econômica em tempos normais", esclarece Verner por telefone. "Uma pandemia é economicamente tão destrutiva em si mesma que medidas restritivas, se bem projetadas, ajudam a reduzir o golpe". Pode-se aprender alguma coisa com a pandemia de 1918 com relação ao tempo que levará para a recuperação da atividade? "Não é fácil tirar conclusões contundentes e é preciso que sejamos prudentes, mas, se a experiência da época sugere alguma coisa, é que a saída em V [queda rápida, recuperação rápida] será difícil: o impacto provavelmente será mais duradouro e a saída mais provável, em forma de U ou W”, acrescenta o professor do MIT.

A “evidência dos relatos”, destaca a pesquisa, sugere alguns paralelos entre os resultados obtidos no estudo da epidemia da gripe e o da pandemia de coronavírus registrada neste período inicial de 2020: países que aplicaram medidas de distanciamento social em um estágio inicial da pandemia, como Taiwan e Cingapura, “não só limitaram o crescimento da infecção: também parecem ter mitigado a pior disrupção econômica causada pela pandemia”. As lições hoje vêm do Oriente.

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