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Coronavírus desata, em 45 dias, a maior fuga de capitais da história entre emergentes. Brasil é o que mais sofre

Neste ano, investidores estrangeiros já retiraram da Bolsa brasileira 46 bilhões de reais. Número supera o saldo negativo recorde de todo 2019

Ignacio Fariza
Un broker brasileño, este lunes.
Un broker brasileño, este lunes.Andre Penner (AP)

Os países emergentes passam à linha de frente na tempestade financeira desatada pela epidemia do coronavírus. Desde a divulgação dos primeiros contágios fora da China —o foco inicial da epidemia—, em meados de janeiro, o bloco sofreu uma fuga de capitais de 29,3 bilhões de dólares (137 bilhões de reais), de acordo com os cálculos do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), a grande patronal global dos bancos. É o maior número já registrado, muito superior ao da crise financeira de 2008 e às turbulências nos mercados financeiros chineses em 2015, quando o medo a uma explosão na segunda maior potência mundial disparou os temores nos países em vias de desenvolvimento. Nessa época —um mês e meio após o início de cada uma das crises—, as fugas não chegavam a 20 e 15 bilhões de dólares (93 e 70 bilhões de reais), respectivamente. “Estamos na metade da pior fuga [de capitais] já registrada”, diz ao EL PAÍS por e-mail o responsável pela estatística e economista do IIF, Jonathan Fortun Vargas.

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No caso do Brasil, os investidores estrangeiros retiraram da Bolsa brasileira 46,02 bilhões de reais de janeiro até o dia 6 de março, segundo dados da consultoria B3. O número, do acumulado de dois meses e seis dias, já supera o saldo negativo recorde de todo 2019, que foi de 42,6 bilhões de reais, o ano com a maior saída de capital estrangeiro acumulada da série histórica iniciada em 2015. Em 2018, foram 11,52 bilhões. Nos anos anteriores, os saldo foi positivo.

Diante da subida das águas nos mercados ocorrida nesta segunda-feira, os investidores privilegiam segurança em vez de rentabilidade; estabilidade à volatilidade. E nessa corrida particular à procura de um resquício de calma do lado de fora, os países emergentes —por definição, mais expostos aos movimentos bruscos— têm a perder em relação ao clássico quarteto de corda dos ativos refúgio: ouro, dívida pública norte-americana, dólar, iene.

Em seus números, o Instituto de Finanças Internacionais incorpora e consolida dados vindos de uma vintena de países, entre eles a China e a Coreia do Sul (dois dos países mais afetados pelo vírus) além da Índia, Brasil, México, Colômbia e África do Sul, entre outros. É uma imagem global bem fidedigna do bloco em seu conjunto. “Nossa amostra cobre de 85% a 90% dos fluxos aos países emergentes”, diz Jonathan Fortun Vargas, que aponta a América Latina como uma das grandes prejudicadas pela fuga de capitais. “O Brasil é o que mais está sofrendo, pela sua exposição à China. E nos próximos dias esperamos um aumento nas saídas do México, pela dinâmica atual dos mercados”, afirma ao mesmo tempo em que lembra que, ao contrário dos outros, os países latino-americanos “não conseguiram atrair novas entradas nos meses anteriores” ao choque do coronavírus.

Coronavírus e a china não explicam tudo

“É um número mais alto do que eu esperava”, diz por telefone Lourdes Casanova, chefa do Instituto de Mercados Emergentes da Universidade Cornell (Nova York), “mas em episódios assim os gestores de fundo costumam repatriar primeiro os capitais desses países para compensar as recentes perdas acumuladas no Ocidente”. O coronavírus e a China, acrescenta Casanova, “não explicam tudo”. “No caso da América Latina também influenciam a incerteza política e social. E, mais recentemente, a queda do petróleo, que afeta, entre outros, a Indonésia e a Malásia. É uma tempestade perfeita e estamos em território desconhecido, sem rota e com muitos fatores confluindo”.

Para contextualizá-los, os quase 30 bilhões de dólares (140 bilhões de reais) de saída desde meados de janeiro equivalem à cotização da espanhola Telefónica e do BBVA. E não incluem a queda do preço do petróleo registrado na segunda-feira, de modo que tudo aponta a um aumento do rombo no barco emergente nos próximos dias e semanas. “Os preços mais baixos do petróleo constituem, também, uma transferência de rendas das economias emergentes às economias avançadas”, acrescente Sebastian Galy, estrategista do banco finlandês Nordea. Enquanto somente dois países ricos – Estados Unidos e Noruega – sofrem na pele a queda do petróleo, por sua dupla condição de produtores e exportadores, a grande maioria das nações que sentiram o golpe está englobada sob o rótulo de emergente. Em pleno descalabro global dessa matéria-prima essencial na matriz energética mundial, nenhum deles – petroleiros ou não – conseguiu escapar do incêndio.

Boa parte das saídas de capitais nos emergentes, entretanto, estava sendo cozida muito antes do desastre da Bolsa e do petróleo: tem a ver, na verdade, com a aversão ao risco em torno a sua dívida, tanto soberana como corporativa, um dos elos mais frágeis da corrente financeira global quando a incerteza aumenta.

No Brasil, o coronavírus apenas intensificou ― e deve acentuar no curto prazo ― um movimento de fuga vivido no país desde que a queda nas taxas de juros básicas se aprofundou, tornando o país menos atrativo para os estrangeiros. A taxa básica de juros, Selic, saiu de 14,25% em 2016 para 4,25% em 2020 .“É natural também que com maiores incertezas internas e externas, vamos ver mais fuga. E no curto prazo esse movimento que já estava sendo visto no Brasil irá continuar. O ano como um todo é de muito incerteza. Começamos com conflito EUA e Irã e já emendamos o corona. Não tivemos nem duas semanas de calmaria. A volatilidade tem sido alta”, explica Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos.

O redivivo interesse pelos bônus norte-americanos, um dos poucos ativos catalogados como livres de risco, não é casualidade: investidores e grandes fundos que semanas atrás financiavam dívidas em países emergentes agora levaram seu dinheiro à maior potência mundial. O objetivo, novamente, reduzir ao máximo sua exposição ao risco. Tudo, como lembra Markus Allenspach, do banco suíço Julius Baer, apesar da repentina diminuição dos juros do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), que deveria reduzir o atrativo da renda fixa norte-americana e que deveria ter significado um importante botijão de oxigênio ao mundo em desenvolvimento. Mas nem assim os emergentes têm um respiro. E o pior, como repetem com insistência os que acompanham o dia a dia desses mercados, ainda pode estar por vir.

Colaborou Heloísa Mendonça.

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