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EUA são vistos em Davos como maior fator de risco político em 2020

Donald Trump vai ao Fórum Econômico Mundial no mesmo dia em que seu processo de impeachment começa no Senado

Alicia González (enviada especial)
O presidente Donald Trump é recebido por jornalista na sua chegada ao Fórum Econômico Mundial.
O presidente Donald Trump é recebido por jornalista na sua chegada ao Fórum Econômico Mundial.ALESSANDRO DELLA VALLE (EFE)

Algo que habitualmente caracteriza as grandes potências, e especialmente os Estados Unidos, é a sua estabilidade política. Mas não neste ano, e não sob a presidência de Donald Trump. As eleições presidenciais norte-americanas, o processo de impeachment contra o mandatário e a crescente polarização política no país introduzem muitos fatores de incerteza. Trump comparece nesta terça-feira ao Fórum de Davos pela segunda vez em sua presidência sem que os participantes do evento alpino tenham a esperança de esclarecer dúvidas ou aplacar inquietações. Os EUA despontam como principal fator de risco político em 2020.

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Pela primeira vez desde que passou a elaborar um relatório anual, a consultoria de riscos Eurasia aponta como maior risco a política dos Estados Unidos, um país cada vez mais polarizado, que terá eleições presidenciais em novembro. “Confrontamos os riscos de eleições presidenciais em novembro que muitos vão considerar ilegítimas, a incerteza sobre o que acontecerá depois e um entorno de política externa muito menos estável como consequência do vácuo decorrente”, alerta o relatório.

Também pela primeira vez na história, um presidente norte-americano, Donald Trump, vai à reunião do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) no mesmo dia em que, a 4.000 quilômetros de Davos, ele começa a ser julgado no Senado por supostas tentativas de pressionar a Ucrânia a investigar seu rival político Joe Biden e de obstruir a posterior investigação parlamentar sobre o caso. “A cada irregularidade que vai sendo conhecida, fica mais claro que Trump sabia, assim como a sua equipe, mas isso não evitará que o Senado —onde os republicanos têm maioria— o absolva, o que agravará a questão da ilegitimidade”, observa em Davos o presidente do Eurasia, Ian Bremmer. “Será o pior ambiente político para eleições nacionais nos Estados Unidos desde a eleição de 1876”, analisa.

Do mesmo modo, é a primeira vez que a política em um país desenvolvido é apontada como um fator de risco e instabilidade, uma condição tradicionalmente associada aos países emergentes, como recordam fontes financeiras internacionais. Por tudo isso, a presença de Trump em Davos, nesta terça e quarta-feira, faz desta uma edição excepcional do evento que reúne anualmente a elite econômica global numa estação de esqui da Suíça. O presidente chega acompanhado de seus secretários do Tesouro, Steven Mnuchin, e de Comércio, Wilbur Ross, além de sua filha e assessora Ivanka Trump, entre outros.

“Embora estejamos em um fórum internacional, o discurso do presidente estará marcado pela política doméstica e a campanha eleitoral. Trump dirá que cumpriu sua promessa eleitoral e tornou a América grande outra vez”, diz, no Centro de Congressos de Davos, Carlos Pascal, vice-presidente da consultoria IHS e ex-embaixador norte-americano na Ucrânia, entre outros destinos. “Vai bater no peito por ter dobrado a China, por ter feito o mesmo com o Canadá e o México como forma de reduzir os desequilíbrios comerciais e proteger os direitos dos trabalhadores, de ter acabado com o Estado Islâmico e ter acabado com o maior terrorista iraniano”, diz Pascal, que concorda quanto ao impacto do impeachment e da campanha eleitoral sobre a política externa norte-americana. “Se ele for mal no julgamento político, o México que se cuide, que é certamente o elo mais frágil. O mesmo acontece com a Europa”, alerta o ex-diplomata, especialista em energia. Bremmer insiste na mesma linha: “O impeachment perderá eficácia e deixará de ser um instrumento crível de contenção política”.

De fato, a política norte-americana se tornou novamente um dos fatores de risco indiretos para a economia mundial, como apontava nesta segunda-feira a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Gita Gopinath. “Podem surgir novas tensões comerciais entre os Estados Unidos e a União Europeia, e as tensões entre a China e os EUA podem voltar”, disse Gopinath.

Vários especialistas concordam que até as eleições de novembro será difícil que as tensões com a China recrudesçam, porque, ao congelar a aplicação de novas tarifas a Pequim, Trump agiu para evitar prejuízos maiores aos consumidores do seu país. Depois das eleições de novembro, porém, a guerra comercial e tecnológica pode se intensificar novamente.

O WEF dedicará várias sessões a abordar os conflitos comerciais dos Estados Unidos com seus sócios, num sinal da preocupação que esta questão provoca entre os participantes em Davos. “Devemos nos acostumar à nova realidade que está marcada pela incerteza”, acrescentava na segunda-feira a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva.

Tensão entre potências

Pouco antes do pronunciamento de Donald Trump no plenário do Centro de Congressos, e a poucos metros de distância, falará nesta terça-feira Ren Zhengfei, presidente e fundador da Huawei, empresa tecnológica chinesa que está no olho do furacão da disputa comercial sino-americana. Seu tema será justamente os desafios da corrida tecnológica.

Greg Austin, especialista do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, em Singapura, salienta que, na mesma semana em que EUA e China selaram uma trégua comercial, o secretário de Estado Mike Pompeo fez um discurso no Vale do Silício pedindo às empresas tecnológicas norte-americanas que evitem fazer negócios com o gigante asiático, pois essas transações podem estar contribuindo para reforçar o poderio militar “e repressor” de Pequim. Apesar das boas palavras do presidente e da pompa que cercou a assinatura da trégua comercial em Washington, as tensões entre as duas potências estão longe de amainar.

Europa e multilateralismo

Ursula von der Leyen estreou nesta segunda-feira em Davos no cargo de presidente da Comissão Europeia, mas não é uma desconhecida para o Fórum Econômico Mundial, de cujo conselho de assessores participou durante anos.

O WEF estendeu-lhe tapete vermelho neste regresso, convidando-a a pronunciar as palavras de inauguração da 50ª edição, antes que a estrela da cúpula, Donald Trump, se apresente na estação alpina.

“Viemos aqui hoje para discutir, debater e nos comprometer com soluções e novas alianças, para combater a mudança climática, reforçar o crescimento inclusivo e garantir a paz e a prosperidade para todos”, disse a presidenta. Von der Leyen aproveitou para defender a aposta europeia no multilateralismo, em clara contraposição aos Estados Unidos de Donald Trump, e advogou também pelo modelo europeu de “economia social de mercado” como alternativa para obter um sistema econômico mais “justo e sustentável”, uma declaração alinhada com o espírito de uma edição de Davos que põe o capitalismo sob exame. “Acredito, como você, Klaus [Schwab, presidente e fundador do Fórum de Davos], que podemos conseguir que nossa economia se reconcilie com nosso planeta. Que podemos reconciliar o desenvolvimento humano com a proteção de nosso meio ambiente. Mas só juntos podemos fazê-lo.”

Para os investidores, Von der Leyen suscita um notável interesse nesta edição de Davos por outros motivos além de ser uma estreante. A presidenta da Comissão chega ao evento logo depois da aprovação do Plano Verde, que visa a transformar a Europa no primeiro continente neutro em emissões até 2050, e para isso quer mobilizar recursos públicos e privados num total de um trilhão de euros (4,66 trilhões de reais). Essa linguagem o público de Davos domina como ninguém.

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